Roubo
Sempre que você ouvir as pessoas tentando lhe aconselhar quanto a não se envolver em situações arriscadas, pense bastante e claro, siga este conselho à risca. Às vezes, as consequências de atos perigosos são bem piores do que as usuais.
O suposto contratante era um homem de aparência saudável e trajes sociais que, segundo às normas, podem ser considerados elegantes. Os contratados eram “Muca” e “Tico”. Dois jovens, tão saudáveis quanto o suposto contratante, contudo, não interessados em normas de vestimentas, tal como a maioria dos jovens da Terra. Ambos já possuíam uma longa ficha criminal, assaltantes, principalmente invasores de residências. O encontro foi em um bar pequeno, com aparentes deficiências em sua infraestrutura. A aparência do homem sugestionava que ele poderia ser um homem com boas economias. Sua presença naquele local, era algo incomum. O contratante comprou cervejas para todos.
― Repito que não quero nenhuma outra coisa da casa. Apenas o quadro. Na mala que trouxe comigo, vocês terão vinte por cento de adiantamento, uma quantia muito boa, que fará vocês ficarem felizes. ― assim disse o contratante, que empurrava uma maleta discretamente para os pés de Tico.
― Mas qual é a desse quadro aí? ― perguntou Tico.
― É uma belíssima pintura de uma belíssima mulher. O artista desta pintura é inclusive o morador da casa. Ele é um artista talentoso. Mas o quadro desta mulher em questão valerá uma fortuna. Eu o quero pra mim ―disse o contratante.
― Qual é a do cara? se ele é artista, ele tem segurança, né não? ― perguntou Muca com desconfiança.
― Não, ele não tem. Eu tentei comprar a pintura com ele, mas ele não quis me vender. Ele é excêntrico, nunca vi ninguém com ele.― disse o contratante.
―Então tá certo. Se tiver outras coisas lá de nosso interesse, fica com a gente. ― disse Muca com um certo sorriso malicioso.
― Como quiserem. Não me importo. ― respondeu o elegante contratante.
O homem se despediu educadamente, se levantou e saiu dali. Muca e Tico estavam empolgados. Poucos instantes após a partida do homem, creio que você espectador certamente espera que a ganância dos rapazes extrapolasse os limites do acordo, não é? sim, foi exatamente o que aconteceu.
―Pegamos o quadro, pegamos o resto do dinheiro e sumimos, certo? ―disse Tico sorrindo.
― Nem precisava explicar. ― respondeu Muca.
O roubo aconteceria pela madrugada. A casa do tal artista era localizada próxima à zona litorânea. A rua estava perfeita para a realização do ato. Não havia luzes acesas na casa. Tudo fechado. Não parecia haver ninguém em casa. Parece que as quadras daquela região, possuíam seguranças autônomos. Mas naquele momento, não havia ninguém. Muca e Tico se esgueiraram muito bem furtivos até a entrada da casa. Não havia cachorros. Não havia nada. Isso já soa como uma dica dizendo que há algo bem estranho, ou não? mas, para Muca e Tico, era apenas sorte. Já deviam ter sondado o local em dias anteriores. Talvez, por isso, arrombaram uma das portas com precisão, pois era a porta certa. Entraram na casa. Apesar da rua parecer uma rua onde pessoas com poder aquisitivo relativamente alto moram, a casa, apesar de bonita por dentro, não parecia ter muitas mobílias e nem ter muitos cômodos.
Dois andares. Então, dividiram-se em busca do quadro. Muca foi para o segundo andar. No caminho, Muca não viu nada de valor. Mas, havia coisas estranhas, coisas com formatos estranhos, tipo estatuetas estranhas, tecidos, nada que seja do nosso contexto cultural. Abriu uma porta. Era um banheiro. Abriu outra porta. Era um quarto com uma cama de solteiro. Até que chegou em um escritório. Estava vazio, mas havia um quadro coberto com um pano. Só podia ser o objeto solicitado. Essa era a certeza de Muca. Se atreveu a acender a luz com cautela e sempre com a mão na cintura, onde escondia seu revólver. Tirou o pano e levou um susto. “Uma mulher”? bom, não necessariamente. Parecia um pútrido cadáver de uma pessoa que talvez, veja bem, talvez, tenha sido do sexo feminino, a julgar pelas vestes de aparência também deterioradas. Imaginou? era isso o que havia no quadro. A única coisa sem causar estranhamento ali, talvez fosse só a moldura. Só. Muca ficou em choque.
Lá embaixo, Tico não achou porcaria alguma de valor. Parte dos mesmos objetos estranhos que Muca havia encontrado no seu caminho, foram também encontrados por Tico. Eis que se depara com um livro estranho. A textura do livro, a capa, os símbolos, tudo era estranho. Nada comum à nossa cultura. Havia um termo na capa, “Necro alguma coisa”. E mesmo não sendo nenhum doutor em etimologia, o termo “necro” incomodou Tico, pois a semântica envolvendo este termo não nos remete a coisas felizes. Subiu correndo para falar com Muca. Quando finalmente chegou ao escritório, se deparou com o local escuro. Acendeu a luz e se deparou com o mesmo quadro de Muca, mas o quadro e o cenário estavam um pouco diferentes de momentos atrás. Na pintura, a pessoa, que agora parecia-se um pouco mais com uma figura feminina, ainda continuava com sua fisionomia bem diferenciada, tal como se tivesse feito um enxertos de pele mal sucedidos em várias partes do que se aparece sobre sua pessoa. No chão, diante da pintura, havia cinzas. Tico deu um grito e isto, foi a última coisa realizada por ele na Terra.
A porta dianteira da casa abre. Uma pessoa elegante entra, é o nosso elegante contratante. Tranca a porta com calma. Está sorrindo, parece satisfeito. Acende as luzes por onde passa. Era mais só uma casa alugada temporariamente. Nada da mobília parecia ser seu. Mas ao subir as escadas, pela forma a qual passava a mão rapidamente sobre alguns daqueles estranhos objetos, se deduz que estes sim os pertenciam. Caminhou tranquilo até o escritório. Lá estava o quadro de uma uma jovem mulher bastante saudável. Sim, bem saudável! ela estava revigorada. No chão, cinzas e duas armas de fogo caídas. O homem pegou uma cadeira e sentou-se diante do quadro. O homem ficou olhando para o quadro por alguns instantes.
―Minha amada esposa. De todos os meios do oculto para te trazer à vida outra vez, só consegui fazer com que sua imagem, aquela que o meu talento conseguiu imprimir no auge da minha carreira, fosse a única coisa que pudesse manter sua alma perto da minha. ― disse o homem olhando fixamente para o quadro.
Alguma leve corrente de ar, transita por ali naquele momento. Espalhando os restos do que um dia foram Muca e Tico pelo local.
―Mais uma vez, temos que ir embora. Para onde iremos desta vez? por quanto tempo durará sua bela jovialidade? quantos anos roubastes desta vez para que seja mantido o meu e o seu deleite por sua aparência? ― questiona o homem olhando para o quadro.
Quase que nada mais de bizarro acontece, exceto que a pintura da mulher muito bem feita, esboçou um sinistro sorriso.