Neblina dos mortos
Desde criança, os corredores assépticos dos hospitais me causavam uma sensação inexplicável de angústia. O cheiro estéril, o frio das paredes de azulejo e o eco das máquinas de suporte vital compunham um cenário sufocante, quase como se o ar ali fosse denso demais para respirar.
Naquela noite, uma lua cheia espreitava entre as nuvens, e eu me vi sem escolha. Minha mãe, vítima de um acidente grave, foi levada às pressas ao hospital. Contra meu instinto primário de evitar aquele lugar, corri até lá, com o peito apertado e o pavor crescendo a cada passo.
O hospital estava estranhamente vazio. As luzes fluorescentes tremulavam de vez em quando, e o som dos meus passos parecia ressoar demais para um lugar que deveria estar movimentado. Cada eco soava como um lembrete de que eu não estava sozinho... mas também não sabia exatamente com o quê dividia aquele espaço.
A recepcionista, pálida e distante, informou-me que minha mãe estava em cirurgia e que eu deveria esperar no andar superior. O elevador, velho e rangente, parecia uma má ideia, então optei pelas escadas. A cada degrau, sentia a temperatura cair, como se o prédio estivesse exalando o frio da morte que tentava esconder.
Quando cheguei ao corredor, a luz parecia absorvida por uma névoa fina que pairava no ar, tornando difícil distinguir qualquer coisa à frente. Então ouvi. Um som baixo e arrastado, como um gemido sufocado pelo tempo. Estaquei. De onde vinha aquilo? Meu coração acelerava, enquanto eu tentava decifrar a origem daquele ruído perturbador.
Das sombras, uma figura apareceu. Não, não uma figura... algo. Um corpo que não deveria estar de pé. Sua pele, pálida e enegrecida em lugares, esticava-se de forma grotesca sobre ossos proeminentes. Os olhos, vazios como buracos, fixaram-se em mim. A criatura começou a se mover, arrastando os pés pelo chão de azulejo, e um cheiro pútrido preencheu o corredor, pior que qualquer odor de morte comum.
Meu corpo congelou de medo. Aquele não era um ser humano. E eu não estava preparado para o que viria a seguir.
Antes que eu pudesse me mover, outros sons se juntaram ao primeiro. Um coro de gemidos e arranhões vindo de todas as direções. As sombras, que antes pareciam inofensivas, agora se contorciam, e delas emergiam mais corpos deteriorados, avançando lentamente, com intenções mortais.
O corredor era um labirinto sem fim. Zumbis surgiam de cada esquina, arrastando-se em minha direção, suas bocas entreabertas emitindo sons gorgolejantes, como se o próprio ato de existir fosse um esforço doloroso. Cada um deles era uma peça quebrada de um quebra-cabeça infernal, um reflexo distorcido da vida.
Eu corri. Meus pés mal tocavam o chão enquanto eu tentava escapar daquele pesadelo, mas os gemidos e os passos arrastados nunca pareciam longe o suficiente. Estava cercado. Não havia saída.
Foi quando, em um ato de puro desespero, avistei uma porta ao final do corredor. O único ponto de luz em meio à escuridão opressiva. Corri em sua direção, ouvindo o som de unhas longas raspando no chão atrás de mim. Meu corpo mal tinha forças, mas eu sabia que parar significava morrer.
Quando finalmente atravessei a porta, um novo horror me aguardava. Do lado de fora, a cidade estava devastada. A mesma névoa que envolvia o hospital agora cobria as ruas, e as figuras que antes preenchiam o prédio se espalhavam pelas calçadas, invadindo casas, atacando qualquer um que ousasse cruzar seu caminho. O caos era absoluto.
Não era apenas o hospital. Não era um incidente isolado. O mundo, como eu o conhecia, havia sido consumido. Agora, restava apenas a luta por sobrevivência em um novo reino, onde a morte não era um alívio, mas uma transformação.
Eu ainda estava vivo. Mas por quanto tempo?