Liame diabólico

*(Conto escrito para a antologia 'As Faces do Terror' (2024), da 'Rio de Flores Editora').

Sozinhos e em clima romântico, Teresa e Daniel comemoravam mais um aniversário de casamento. Era rigorosamente sagrado, no dia exato da data, não importava em qual dia da semana caísse, eles comemoravam sozinhos e em casa. O fato de serem autônomos facilitava para isso. Depois, faziam uma festa onde amigos, familiares e pessoas próximas eram convidadas; normalmente no final de semana mais próximo, depois da data.

No sofá, bebiam cerveja e comiam petiscos variados; se beijavam e trocavam carícias; riam e relembravam de momentos do início da relação. Esse ano, era mais especial, pois, completavam cinco anos de casório; o que gerou mais euforia nos dois. Nessa meia década de relacionamento, pode-se dizer que, talvez uma raridade em vista de outros, o matrimônio deles era ótimo. Dificilmente brigavam e sempre tudo transcorreu tranquilamente entre eles. Teresa era, nitidamente, a dona do casamento, onde tudo que ela desejava, ou queria, era acatado por Daniel. Dois exemplos claros foram a escolha da casa e a decisão de ter filhos. Ele queria comprar um apartamento, mas acabaram comprando uma casa com um amplo quintal porque assim ela quis. Ele queria pelo menos um filho nesse período, mas foi facilmente convencido a desistir da ideia, onde "viajar por aí quando quisessem", "terem tempo livre sem estresse" e "não estragar meu corpo" foram algumas das alegações que Teresa precisou usar para que Daniel desistisse. Era incrível como, desde escolhas mais complexas até as mais simples, ela conseguia convencê-lo e colocar em prática a sua vontade sem muitas consternações. Era a dona do casamento e ele não se importava nem um pouco com esse fato.

Muitos diziam que a relação só iria ficar bem nos primeiros meses, e que depois desandaria como a maioria dos casamentos; mas, se enganaram com os dois, pois, eram cinco anos onde não haviam passado por nenhuma crise ou turbulência entre si; e nada indicava que fosse acontecer algo assim. Como que para compensar o erro por dizer que não durariam um ano, alguns diziam:

— É claro que não brigam, afinal, a Teresa manda e o Daniel acata. Assim durarão a vida toda. Era o que alguns amigos deles falavam em tom de escárnio; mas era uma verdade incontestável: ela mandava e ditava todo o ritmo da relação, e ele não parecia se incomodar com esse fato.

Já haviam bebido mais algumas cervejas e também comido mais um bocado de petiscos. A televisão estava desligada e o rádio estava ligado, sintonizado numa estação que gostavam. Teresa espetou uma azeitona e colocou na boca dele, dizendo:

— E pensar que você estava para se casar com aquela doida da Marta, e agora estamos aqui, comemorando o quinto ano do nosso casamento.

Daniel, com o caroço na boca, disse em tom romântico:

— Enganos da vida, meu amor. O importante é que estamos juntos... e como você disse, estamos aqui, comemorando o quinto aniversário de nosso casamento. — Fez uma pausa e, num tom lamurioso, prosseguiu — você tem sempre que lembrar do meu relacionamento com a Marta e que me tirou dela, isso é um prêmio para você, meu bem?

— Claro que sim! Afinal, você é meu para sempre. — Disse Teresa o beijando em sequência.

Sempre que era aniversário de casamento deles, Teresa se recordava nitidamente de como o tomou da tal Marta. Sentia uma sensação de prazer e aquele homem, com quem já estava há cinco anos, casada, era o seu prêmio. Sempre se recordava com clareza do desespero que teve, ao saber que Daniel estava para casar com 'aquela doida', como apelidou Marta, e o que teve de fazer para que ele desistisse dela e viesse apaixonado para ela.

O clima, entre eles, estava quente no sofá; após mais algumas garrafas de cerveja e outros petiscos devorados, Teresa e Daniel trocavam carícias mais agudas. Porém, havia um incômodo, e antes que ela dissesse alguma coisa e se levantasse, ele tomou a iniciativa.

— Melhor não ficarmos muito excitados agora, porque sei que terá de sair daqui a pouco, não é?

— Ora, Daniel, meu amor, você sabe que toda vez que comemoramos nosso aniversário de casamento é assim. Fiz uma promessa de sempre agradecer a Deus por nosso matrimônio, e não será no quinto aniversário que irei deixar de fazer isso. E além do mais, a igreja, como você bem sabe, não fica tão distante indo de carro. Assim como nos anos anteriores, devo ficar apenas um pouco mais de uma hora ausente.

— Poderia agradecer a Deus em casa dessa vez, não? — Daniel falou num tom meigo e risonho.

— Não é a mesma coisa, querido. Já lhe expliquei sobre isso. Preciso estar mesmo na igreja. Como você sabe, logo, logo estarei de volta para continuarmos a nossa comemoração. Ir agradecer é muito importante para mim, ou melhor, para nós. — Disse Teresa fazendo carinho no rosto dele.

— Se eu gostasse de igreja ou tivesse fé, ou até mesmo gostasse um pouco disso, iria com você pelo menos dessa vez, para agradecer por esses cinco anos. — Falou Daniel resmungando.

— Você disse bem, "se você gostasse de igreja ou tivesse fé", o que no caso não acontece. Você nunca foi ligado em coisas religiosas nem nada, meu amor. E minha promessa foi de ir sempre sozinha no dia do nosso aniversário de casamento. Deixe que eu cuido dessa parte espiritual para nós... — Teresa prosseguiu — e ainda está para anoitecer; fique tranquilo que quando menos esperar estarei de volta, pronta para nossa noite de amor especial, como sempre é.

— Tudo bem! Não adianta mesmo reclamar, sempre é assim mesmo... — falou ele resmungando.

— Uhum! Quero que me espere aqui com a corda toda.

— Estou assim nesse momento, olhe — disse ele mostrando sua virilidade para ela.

— Que se mantenha assim, meu amor — disse Teresa acariciando o membro dele —, pois, não me demoro, só irei tomar um banho e ir.

— Não tem problema ter bebido e ir rezar, digo, entrar na igreja sob o efeito do álcool? — Falou Daniel que já sabia a resposta, pois, fazia essa pergunta esporadicamente; e principalmente quando era dia de comemorar o aniversário de seu matrimônio.

— Para Deus isso não importa, meu bem. O que vale é o meu coração sincero, rezando e agradecendo por nós dois. Aliás, não é a primeira vez que, em dia de aniversário do nosso casamento, vou à igreja após beber.

— Eu sei, Teresa, só estava querendo que ficasse comigo, mas vai lá. Aguardo ansiosamente seu retorno, meu amor.

Por mais que não quisesse que ela fosse para lugar algum, e sim que ficasse com ele, em casa, trocando intimidades até a exaustão, Daniel cedia para ela, assim como em qualquer outra questão. Nem sempre por entender propriamente, mas por fazer as vontades de sua esposa.

Teresa se arrumou rápido e em poucos minutos já estava dentro do seu carro, dirigindo. Antes de sair, já arrumada, beijou Daniel mais algumas vezes; e também reforçou a importância de ir rezar, cumprindo a promessa que fez para que tivessem um casamento próspero e feliz. Assim como nos anos anteriores, antes de sair de casa para ir à igreja agradecer e pagar seu voto de prosperidade na relação, como dizia que iria fazer, seu ritual foi o mesmo de sempre. Foi até o porão, onde escondia algumas coisas pessoais dos dois durante as semanas anteriores, que eram colocadas num saco preto; se certificou de que Daniel não a estivesse vendo colocar o saco preto no porta-malas e nem falar ao telefone, onde atendeu a uma ligação quando já estava dentro do carro, antes de sair da garagem, dizendo apenas "já estou a caminho", desligando o celular em sequência.

Dirigindo há alguns minutos, Teresa tinha o olhar obstinado. Prestava atenção em tudo, para não causar acidente no trânsito, mas sua mente, que quase transparecia em seus olhos, só pensava no que estava por fazer. Aquilo que sempre faz e sempre fará quando for o dia de aniversário de seu casamento. Havia bebido uma quantidade razoável de água antes de sair de casa, para amenizar o efeito do álcool em seu organismo e também mascava um chiclete; achava que um pouco de açúcar lhe fazia bem, após ingerir uma certa quantidade de álcool.

Mais algum tempo dirigindo, passou em frente a igreja católica que disse que iria, mas passou direto. Na verdade, costumava frequentar essa igreja, mas ela nunca era o seu destino em dia de aniversário de seu casamento. Aliás, sua presença constante nela era apenas para manter sua aparência de católica, que construiu para si, e que gostava de transparecer aos outros; muito disso para encobrir a sua realidade espiritual, que era outra, completamente diferente.

Não demorou muito para que Teresa chegasse ao seu local de destino: uma rua sem saída, cheia de casarões fúnebres, num bairro um pouco afastado. Parou em frente ao casarão específico, onde era esperada, e desceu do carro para abrir o portão da garagem e entrar com o seu veículo. Fechou o portão atrás de si e dirigiu pelo amplo quintal até a varanda, onde a dona do casarão lhe esperava; da mesma maneira que sempre a esperava quando era o dia de aniversário do casamento de Teresa. A dona daquele grande mausoléu era dona Merga, uma senhora de óculos com mais setenta anos, com os cabelos desgrenhados e completamente brancos; vestida com roupas simples e amarrotadas, de cores neutras. Ela possuía uma aura nebulosa e um olhar amedrontador, apesar da fragilidade que sua idade lhe impunha. Seu casarão combinava com a sua aparência e personalidade, pois, assim como a dona, havia uma esquisitice inexplicável por ali, e até as plantas pareciam sem vida.

Teresa desceu do carro e cumprimentou dona Merga, que sorriu de boca fechada e disse em tom irônico:

— Pensei que não viesse esse ano.

Teresa foi imediata em sua resposta enfática:

— Não viria apenas se eu tivesse morrido, dona Merga.

— Então, pegue as coisas que sempre traz num saco preto e vamos logo; não há tempo a perder. — Falou a velha virando de costas e entrando no casarão.

Teresa foi até o porta-malas e pegou o saco preto, acompanhando dona Merga até o interior do casarão. Passaram por alguns cômodos fúnebres até se deterem diante de uma grande porta de ferro, num cômodo mais escondido. Como das outras vezes, tiraram seus calçados para que pudessem entrar, mas diferente dos anos anteriores, dona Merga virou para Teresa e disse:

— Dessa vez terá uma pequena diferença em relação as outras vezes.

Surpresa e com o tom de voz titubeante, Teresa respondeu:

— Como assim?

— Bom — começou dona Merga —, eu não quis lhe avisar por telefone, mas, dessa vez ele quer te ver... te tocar.

— Como assim?... — Repetiu Teresa, mais titubeante e tentando não transparecer assustada.

— São cinco anos sendo completados e dessa vez será um pouco diferente. — Dona Merga prosseguiu após ver que Teresa emudeceu por alguns instantes. — Está com medo? Quer desistir? — Enfatizou a velha em seu tom tenebroso e irônico.

Muitas cenas passavam pela mente de Teresa antes do cérebro dela formular uma resposta. Sabia que o preço era alto e doloroso ao romper com o que iniciou há cinco anos, e isso também implicaria em, provavelmente, perder Daniel em definitivo. Portanto, mesmo com receio de ter que fazer algo novo dessa vez, respondeu convicta:

— Desistir? Claro que não.

Dona Merga murmurou algo com sua risadinha tenebrosa de canto de boca e se virou para a porta, girando com as duas mãos a maçaneta daquela grande porta de ferro. Qualquer um ficaria apavorado com a tenebrosa aparência daquele cômodo grande e sinistro. Teresa, na primeira vez que entrou nele, há cinco anos, mesmo com um objetivo definido e sendo simpatizante do ocultismo e coisas do gênero, ficou estupefata. Mas, já estava familiarizada com o ambiente, que era amplo, tinha suas paredes pintadas de preto, com símbolos escabrosos espalhados de maneira irregular nelas; lâmpadas de cores escuras, que geravam sombras esquisitas nas paredes; e o chão que continha dois círculos nos cantos das paredes opostas a porta. Esses dois círculos já eram familiares de Teresa, e neles eram feitos dois rituais; um em cada. Mas o que chamou a atenção dela foi o círculo grande que estava no meio do cômodo. Ele não estava ali nas quatro vezes anteriores; e Teresa deduziu subitamente que ele seria para fazer o "algo diferente" que dona Merga falou.

— Bom, não vamos perder tempo, pois, hoje Tapoc quer aparecer fisicamente para nós, minha querida Teresa.

Após escutar isso, um arrepio instantâneo passou pelo corpo de Teresa, que não teve tempo para dar vazão ao que sentiu. Dona Merga pegou um pequeno pote na mesinha aparadora, que ficava encostada perto da porta daquele cômodo macabro, e lhe entregou. Ela já sabia exatamente o que fazer e, sem titubear, andou até o pequeno círculo que ficava do lado esquerdo, ao fundo do cômodo, se ajoelhou e começou a cravar lâminas de barbear, que estavam dentro do pote, nas duas cabeças de cera que estavam dentro do círculo. Após cravejar uma quantidade igual em cada uma, dona Merga, que estava perto dela, se abaixou e acendeu as velas, uma preta e outra vermelha, que também estavam dentro do círculo. As duas cabeças de cera representavam as de Daniel e a de Marta, que eram apaixonados um pelo outro; as lâminas cravejadas eram um simbolismo para cortar da mente deles o sentimento que nutriam um pelo outro.

A segunda parte do ritual acontecia no pequeno círculo que estava no lado direito, e também ao fundo do cômodo. Dona Merga falou algo para Teresa e lhe entregou o saco preto que ela mesma havia trazido de casa. Nele, estavam coisas íntimas de Daniel e Teresa. Uma peça íntima, e usada, de cada um; um pouco de cabelo dos dois; escova de dente, também usadas, de ambos; entre outros itens pessoais, e usados, deles. Após colocar o saco preto dentro do círculo, dona Merga afastou Teresa e ateou fogo no saco preto. Enquanto queimava, a velha dizia palavras em linguagens do ocultismo. Em pouco tempo, o saco preto, e o que estava dentro dele, foi reduzido a cinzas. Essa segunda parte, servia para selar a intimidade entre o casal; e as cinzas seriam levadas por Teresa, para jogar no quintal, ao redor da casa. Essa obrigação do ritual foi um dos fatores que a fez manipular Daniel, para que comprassem uma casa ao invés de um apartamento.

Durante a queima do saco preto, Daniel se revirou no sofá. Tinha resolvido dormir, pois, estava meio sonolento por conta das cervejas que havia bebido com Teresa, e para amenizar a espera por ela. Uma pequena névoa escura circulou o sofá, durante a segunda parte do ritual; que apenas se dissipou, assim como a inquietação dele só cessou, quando o saco preto, e o que estava dentro, se tornou cinzas.

Nas vezes anteriores, o ritual se encerrou após esses dois trabalhos, mas dessa vez seria diferente, como disse dona Merga. Poucos depois, após o fim do segundo trabalho, a velha olhou fundo nos olhos de Teresa e disse:

— Caminhe até o círculo grande, no meio do cômodo, mas não entre nele.

Teresa obedeceu de imediato e já estava do modo como foi ordenada. Quando pensou em perguntar sobre o procedimento dessa parte e o que seria feito, foi bruscamente surpreendida por dona Merga, que disse com uma voz diferente do habitual:

— Tire a roupa e entre no círculo!

Teresa notou, pela voz, e também por conta da mudança no semblante, que dona Merga estava incorporada. Sabia que a velha agia sob instruções de espíritos, mas nunca a tinha visto possuída. "Provavelmente isso tem a ver com o tal Tapoc", pensou Teresa; que sabia da existência de uma entidade que selava o ritual para que ela tivesse Daniel para si, mas, até então, não sabia o nome e, até dona Merga lhe avisar antes de começarem o ritual, há algum tempo, que teria de se encontrar com o tal Tapoc. O espírito que se apossou da velha, percebendo certa hesitação em Teresa, gritou com rispidez:

— Anda logo, mulher! Fique nua e entre no círculo, agora!

Se apressando em se despir, Teresa estava mais nervosa por conta dessa terceira parte do ritual, em ter que ficar frente a frente com o tal Tapoc, do que envergonhada em ter de ficar nua. Observando cada detalhe com minúcia, dona Merga se aproximou do grande círculo, onde Teresa já estava nua e centralizada dentro dele e disse:

— Se ajoelhe, mulher!

Sem pestanejar, Teresa se ajoelhou e a velha acendeu todas velas que estavam ao redor do grande círculo. Depois, começou a espremer umas ervas num líquido que estava dentro de um pote de barro, de cor marrom. Pediu para Teresa fechar os olhos e começou a falar em linguagem do ocultismo. Após alguns minutos, quando as ervas estavam devidamente espremidas no líquido do pote de barro, começou a andar em torno do círculo, jogando aos poucos o líquido em Teresa; e também jogando no chão. Não demorou muito para o ar ficar mais denso e uma fumaça se fazer presente dentro do círculo, em frente a Teresa, que teve de se afastar um pouco do centro da circunferência, por ondem de dona Merga. A fumaça foi ganhando forma até, num processo gradual que durou alguns minutos, se transformar literalmente em Tapoc. Segundos após a materialização de Tapoc, dona Merga ordenou que Teresa abrisse os olhos; que, caso não estivesse entorpecida pelo ritual, teria saído correndo em disparada após olhar o ser grotesco que estava na sua frente. Tapoc se abaixou para ficar no campo visual de Teresa, que se mantinha ajoelhada. Podendo vê-lo nitidamente, ela observava estupefata aquele ser que, em pé, deveria ter um pouco mais de dois metros de altura; tinha o corpo magro e avermelhado; unhas pretas e pontiagudas nas mãos e nos pés; pequenas asas de morcego nas costas; uma cauda comprida e fina; chifres iguais a de um bode; e um rosto medonho. Tapoc passou as mãos por todo o corpo de Teresa e disse para que ela o adorasse, se prostrando mais ainda. Ela assim fez e Tapoc riu, dizendo que o desejo dela seria mantido, mas que ela seria dele. Nesse momento, dona Merga se aproximou deles, ficando no limite do círculo, enquanto Tapoc, usando apenas uma unha de cada mão, fez um furinho em cada ombro de Teresa; e um pouco de sangue começou a escorrer lentamente pelos braços dela. A velha começou a jogar o restante do líquido do pote de barro na cabeça dela, que fechou os olhos novamente, pois, o líquido escorria pelo seu rosto e, em sequência, Teresa pôde sentir que era a língua de Tapoc que tocava o seu rosto, tirando todo o líquido que escorria por ele; assim como sentiu que Tapoc também lambeu o sangue de seus braços. Quando terminou, aquela criatura materializada ficou olhando para aquela mulher, que não se importava com nada, desde que seu amor doentio por Daniel fosse vencedor, independente do custo que pagaria. Teresa estranhou os segundos sem nenhuma palavra ou movimentação após ser lambida no rosto e nos braços por Tapoc, mas logo escutou de dona Merga que deveria abrir os olhos. Ainda entorpecida e paralisada pelo ritual, Teresa não pôde, e nem poderia fazer nada, quando Tapoc a surpreendeu esbofeteando sua face, deixando seu rosto avermelhado. Atônita, não conseguia raciocinar, por conta de tantos acontecimentos em sequência, mas se pudesse, desejaria que essa terceira parte do ritual terminasse de imediato; e foi o que aconteceu. Não havia visto a materialização de Tapoc, por estar com olhos fechados, mas o viu se transformar em fumaça, após sumir na sua frente, sobrando apenas um horrendo cheiro de enxofre, que penetrou fundo nas narinas dela, a fazendo tossir e lacrimejar. Dona Merga cambaleou e quase caiu, pois, assim que Tapoc se tornou enxofre, a entidade que estava em seu corpo foi junto dele; mas quando se recompôs, se sentou na única cadeira existente naquele cômodo macabro e disse num tom que Teresa estava acostumada:

— Minha querida, vá tomar um banho na minha suíte e depois se apresse, pois, seu marido lhe espera mais apaixonado do que nunca. — Riu de boca fechada com o seu habitual ar tenebroso e irônico.

Podendo se mexer, Teresa, ainda meio cambaleante, se levantou, pegou suas roupas no chão e foi para a suíte.

Dona Merga acompanhou Teresa até o portão, o abriu e entregou para ela um potinho preto, que continha as cinzas dos pertences, dela e de Daniel, que queimaram com o saco preto e disse:

— Não esqueça de caprichar no meu agrado, minha querida.

— Ora, dona Merga, costumo ser generosa, não?

A velha não respondeu, pois, sabia que Teresa sempre depositava uma quantia realmente generosa em sua conta; e ao invés de responder a pergunta, apenas disse:

— Até o ano que vem, minha querida.

— Até, dona Merga — disse Teresa arrancando com o carro.

Ainda dormia; um sono profundo e roncava levemente. Não ouviu o barulho do carro, do portão da garagem rangendo, da chave girando no miolo da fechadura da sala e nem os passos que cessaram apenas quando estavam bem perto. Daniel só acordou quando Teresa o beijou nos lábios e o chamou em sequência. Se recompôs rapidamente ao ver que sua esposa havia chegado, sentando instintivamente no sofá. Teresa, em pé, segurou o rosto dele de forma dominadora e disse:

— Viu só? Já estou de volta. Quase não demorei, meu amor.

Daniel não disse nada, pois, se beijaram intensamente; e ele só veio a responder quando, após um intervalo para tomar um fôlego, Teresa lhe perguntou, o que na mente dela seria uma pergunta retórica:

— Você é meu, não é, meu amor?

— Sim, seu para sempre. Te amo, Teresa.

Edu Sene
Enviado por Edu Sene em 09/10/2024
Código do texto: T8169284
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