A Velha do Casarão

 

A mudança da cidade para o interior era tudo o que a família desejava. O barulho incessante e a correria da vida urbana haviam levado ao limite o escritor Roberto, que precisava de paz para seus artigos. Sua esposa, Marta, agora aposentada, tinha tempo de sobra para cuidar dos filhos e se dedicar à casa. Após conhecerem um isolado casarão através de uma imobiliária, não pensaram duas vezes em se mudar. O lugar parecia perfeito. Distante, tranquilo, cercado de natureza. Em duas semanas, já estavam estabelecidos.

 

A rotina fluiu suavemente. Roberto escrevia incansavelmente, Marta cuidava da casa, e as crianças corriam livres pelo quintal. A apenas 200 metros, havia uma outra casa antiga, envolta por um mistério. Algumas histórias falavam de abandono, enquanto outras diziam que uma idosa vivia lá. Contudo, com tão poucos vizinhos e o local tão ermo, o casarão era um vislumbre estranho e distante.

 

Um mês após a mudança, Marta, enquanto olhava pela janela, teve um sobressalto. Uma velha a observava do casarão distante. Esfregou os olhos, mas ao olhar novamente, nada mais viu. Intrigada, chamou Roberto:

 

— Amor, acho que vi alguém naquela casa.

— Como é que é? — Roberto levantou-se, curioso, ajeitando os óculos no rosto. Caminhou até a janela e, depois de um momento, viu também um vulto grisalho cruzar a janela. — Parece que você tem razão. Deve ser uma idosa morando ali. Qualquer hora vou lá dar uma conferida.

 

Na manhã seguinte, movido pela curiosidade, Roberto foi até o casarão. Chamou pela velha, batendo palmas, mas não obteve resposta. Estava prestes a voltar quando uma voz áspera ecoou de dentro:

— Sai daqui! Não quero visitas!

 

Ele riu da situação, achando exagero, e respondeu:

— Tudo bem, só queria cumprimentá-la. Somos seus novos vizinhos! Fique em paz!

 

Ao ouvir a palavra "paz", a mulher riu descontroladamente, com um tom sinistro:

— Paz? Impossível eu ter paz! — E outra gargalhada ecoou. Nesse instante, Um golpe de vento, atingiu o local e um pinheiro despencou, explodindo no chão perto de Roberto, quase o atingindo.

 

Atônito, ele correu de volta para casa, reuniu a família e os alertou:

— Não vão lá. Aquela velha é louca! E quase fui atingido por um pinheiro velho. Aquilo lá é perigoso.

 

A família concordou em manter distância. Mas, dias depois, as crianças brincando mais afastadas ouviram um pedido de socorro vindo do casarão. Curiosas, aproximaram-se e ouviram a voz novamente:

— Me ajudem, tropecei e não consigo andar. A porta está aberta.

Elas hesitaram, lembrando as palavras do pai. Mas a velha insistiu, com um tom mais urgente:

— Não precisam chamar ninguém, só me ajudem!

 

Assustadas, saíram correndo, enquanto uma ventania sinistra as acompanhava, fazendo pinhas caírem em suas direções. Chegaram em casa aos gritos, relatando o ocorrido. Roberto, furioso, decidiu ir pessoalmente, pegando sua espingarda.

 

Ao chegar ao casarão, o ambiente parecia diferente, carregado de tensão. A porta estava aberta, e o vento soprava forte, alguns pinheiros velhos caíam, junto de galhos de outras árvores em direção à porta, como se quisesse impedi-lo de entrar. Ele entrou mesmo assim.

— Senhora, aonde está? Precisa de ajuda? — Sua voz ecoava, mas nenhuma resposta veio. Sentia uma presença estranha  cercando-o. Subiu até o terceiro andar, onde encontrou uma idosa caída no chão, com uma camisola velha. Mas ao virar o corpo, seu sangue gelou.

 

O que ele pensava ser uma idosa era uma boneca de voodoo em tamanho real, com um rosto macabro e enrugado e com uma dentadura fixada com o que parecia ser capim trançado. Uma visão do Inferno!

De repente, gargalhadas horríveis preencheram a casa. Os quadros da parede e os móveis caíam, o chão começava a rachar. Desesperado, Roberto correu em direção à porta, mas o degrau da escada quebrou, fazendo-o cair. Mesmo com muita dor, levantou-se e seguiu, enquanto via a boneca flutuando pelo corredor, de braços abertos gritando:

— Estou sozinha há anos aqui! Ajuda a vovó!  Ajuda meu filho!

 

Com o coração disparado, ele arrombou a porta e correu para casa, mal conseguindo respirar.

— O que aconteceu? — Marta correu ao seu encontro, vendo-o pálido e em choque.

— Tranca tudo! Feche as janelas! — Roberto mal conseguia falar, tomando grandes goles de água e pedindo que todos se reunissem para orar.

 

No dia seguinte, com a dor no ombro aliviada, Roberto finalmente explicou o que havia visto.

— Aquilo não é normal. Essa loucura acaba agora!

 

Ele preparou coquetéis molotov e voltou ao casarão. Um a um, lançou-os pelas janelas, cercando o local com chamas. O fogo começou a devorar o casarão, subindo até o terceiro andar. E então, um grito maligno ecoou, como se mil vozes clamassem em agonia, enquanto a casa desmoronava em chamas.

 

Roberto ficou observando à distância, esperando que o pesadelo tivesse acabado. Ao menos, era o que ele esperava que acontecesse.

 

Naquela madrugada, a paz era apenas uma ilusão. A família de Roberto estava exausta, mas o terror do dia anterior ainda pairava no ar como uma sombra pesada. O vento assobiava do lado de fora, enquanto todos tentavam dormir, mas Roberto, apesar de seus analgésicos, não conseguia encontrar descanso verdadeiro. O silêncio da casa fazia o tempo passar devagar, e ele se revirava na cama, com a cena do casarão em chamas rodando em sua mente.

 

De repente, um grito ensurdecedor invadiu seus ouvidos como um trovão.

Droga! Maldito! Por que queimou a casa da vovó? — A voz rouca e furiosa parecia explodir de dentro da sua cabeça, reverberando nas paredes do quarto.

Roberto acordou num sobressalto, suando frio. Seu coração batia descompassado, e ele olhou ao redor, tentando entender o que estava acontecendo. O quarto estava escuro, mas tudo parecia calmo. Sua esposa dormia ao seu lado, e as crianças estavam no outro quarto, todas profundamente adormecidas.

 

Ele respirou fundo, tentando se acalmar, mas o grito ecoava em sua mente. Era como se a própria casa estivesse viva, ressoando com aquela voz de ódio. De repente, sentiu uma pressão no peito, como se algo invisível estivesse sentado sobre ele, o sufocando. Ele tentou se mover, mas seu corpo estava paralisado, preso por uma força invisível.

E então ele viu — no canto escuro do quarto, uma figura encurvada, de cabelos grisalhos e pele enrugada, com olhos brilhantes de puro rancor, o encarando com um sorriso perverso. Era a velha. A mesma velha que ele tinha visto antes no casarão.

Você achou que destruiria tudo? Queimou a casa, mas não me destruiu! Você não conseguiu matar a vovó! — a figura disse, sua voz um sussurro maligno.

 

Roberto tentou gritar, mas a pressão no peito o impedia. Ele lutava para se libertar, mas seu corpo estava preso. A velha deu um passo à frente, aproximando-se lentamente, enquanto ele sentia o ar ficando mais denso e pesado.

De repente, algo se quebrou. O crucifixo que estava na parede ao lado da cama caiu no chão, o som ecoando pelo quarto. A figura hesitou, recuando como se tivesse sido atingida por um golpe invisível. A pressão sobre o peito de Roberto aliviou, e ele conseguiu se mover novamente. Em um ato de puro desespero, ele pegou o crucifixo do chão e o ergueu na direção da velha.

 

Saia daqui! — ele gritou com toda a força que lhe restava, sua voz ecoando pelo quarto.

A velha recuou mais um passo, seu rosto contorcido de ódio, mas sua forma começou a desvanecer, as palhas de seu corpo caiam no chão, junto de alguns adereços do voodoo. Ela continuou a sussurrar maldições e promessas de vingança enquanto sua figura se dissolvia na escuridão, até que desapareceu completamente deixando apenas trapos de roupas, capim e um pequeno punhal ao chão.

 

Roberto caiu de joelhos, exausto, ofegante e suando. Ele sabia que aquilo não havia acabado. O mal que cercava aquela casa era antigo, profundo, e não se desvaneceria tão facilmente. Ele precisava proteger sua família.

Roberto, ainda tremendo pelo que havia presenciado, sabia que fugir não resolveria o problema. Ele era o tipo de homem que enfrentava as situações de cabeça erguida, e não iria permitir que sua família fosse intimidada por algo que ele mal conseguia compreender.

 

Na manhã seguinte, após contar tudo o que aconteceu à sua esposa e tranquilizar as crianças, ele tomou uma decisão firme. Precisava de ajuda espiritual. Algo muito maior estava em jogo.

Pegou o telefone e ligou para a igreja da cidade. Explicou ao padre local, um homem de fé profunda e reconhecido por suas bênçãos em lugares assombrados, o que havia ocorrido nos últimos dias. O padre ouviu atentamente, e ao final disse com calma:

— Roberto, irei à sua casa amanhã. Faremos uma bênção e colocaremos a casa sob a proteção divina. Nada pode contra o poder de Deus.

 

No dia seguinte, o padre chegou. Ele estava vestido com sua batina, carregando um frasco de água benta, um rosário e uma Bíblia sagrada. Sua expressão era serena, mas Roberto sabia que o padre já tinha lidado com situações semelhantes antes. Juntos, eles caminharam pela casa, o padre murmurando orações enquanto aspergia água benta em cada canto, de cada cômodo, das janelas às portas. Ao chegar ao quarto onde Roberto havia visto a velha, o padre fez uma prece especial, pedindo proteção e que qualquer mal fosse expulso dali.

Ao fim da bênção, o padre olhou para Roberto e disse:

— Sua casa está protegida agora. Você sabia que naquele casarão incendiado morava uma empregada doméstica praticante de Vodoo?

- Não! Disse Roberto!

- Sim, morava! Dizem que ela livrou-se da dona da casa para ficar com seu esposo ali. O esposo faleceu poucos dias após a morte da esposa e a amaldiçoou a nunca sair daquela casa que ela tanto queria! E contratou um mago poderoso para destruí-la naquele local. E até hoje ninguém sabe de seu paradelo.

  Mas recomendo que continue a fortalecer essa proteção. Virei aqui uma vez por semana para abençoar a casa novamente. O mal pode ser persistente, mas a luz de Deus é imbatível.

 

Roberto sentiu um peso sair de seus ombros. Sabia que as palavras do padre tinham força. As semanas se passaram, e toda vez que o padre retornava, a casa parecia mais leve, mais tranquila. A presença maligna, que antes o assombrava, desapareceu por completo. Não houve mais gritos na noite, nem aparições de velhas sinistras, nem pressões sufocantes no peito.

 

A casa, que antes parecia amaldiçoada, tornou-se um refúgio de paz. A família de Roberto voltou à sua rotina normal. Ele escrevia seus artigos, as crianças brincavam, e sua esposa cuidava da casa com alegria e para se sentirem mais protegidos compraram um casal de pastores alemães, agora já crescidos e cuidadores da segurança da família. E toda semana, pontualmente, o padre vinha, benzia o lar e deixava sempre uma palavra de conforto.

 

Aquela antiga casa no campo, antes marcada pela escuridão, agora estava cercada pela luz da proteção divina. E embora Roberto nunca mais tenha ouvido falar da "vovó", sabia que, enquanto mantivesse a fé e a casa abençoada, nada de mal voltaria a acontecer.

DengosoRock
Enviado por DengosoRock em 06/10/2024
Reeditado em 08/10/2024
Código do texto: T8167560
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.