Jovens Cemitérios
Bernardo e seus amigos eram um grupo típico de adolescentes roqueiros. Viviam intensamente, entre festas, shows de rock e os excessos que vinham com essa vida: álcool, cigarros, e, para alguns, drogas. Mas, diferentemente de outros jovens, eles tinham um hábito incomum que os destacava. Gostavam de passar madrugadas em cemitérios, onde realizavam seus encontros mais excêntricos e até perturbadores.
No início, era uma brincadeira. Desafiar a coragem um do outro, rir das histórias de assombrações e zombar do medo da morte. Com o tempo, porém, isso evoluiu para algo mais sombrio. Aqueles encontros passaram a incluir rituais. Nada sério, segundo eles, apenas velas, incensos e provocações. Eles não acreditavam em espíritos ou no sobrenatural; para eles, aquilo era uma extensão de sua rebeldia, uma forma de rir da morte e do desconhecido.
Mas Bernardo via além. Desde o primeiro ritual, algo em seu espírito se perturbava. Ele sempre fora mais introspectivo que os outros, especialmente depois que seus pais faleceram em um acidente quando ele era ainda muito jovem. Morava sozinho, e essa solidão parecia atrair sombras que ninguém mais via.
Nas festas no cemitério, enquanto seus amigos riam e zombavam, Bernardo sentia presenças. No começo, eram apenas vultos, sombras sem forma vagando por entre as lápides. Mas conforme os rituais se tornavam mais frequentes, os espíritos se mostravam de forma mais clara para ele. Eles o observavam, sussurravam palavras que ele não entendia, e às vezes, pareciam implorar por algo.
Ele nunca contou isso a ninguém. Cada vez que pensava em compartilhar suas visões, lembrava-se das piadas, dos risos. Seus amigos já o chamavam de medroso por não querer se envolver tanto nos rituais; imaginava que, se contasse que via espíritos, seria ainda mais zombado.
Naquela noite, como de costume, o grupo saiu de uma festa em direção ao cemitério preferido da cidade. Era o lugar onde se sentiam mais à vontade para fazer seus "rituais", longe da vista de qualquer um. Entre velas e incensos, seguiram com suas provocações e risadas.
Por volta das 3:00 da manhã, todos caíram no sono, embriagados e exaustos. Mas Bernardo, sempre mais sensível ao que ocorria naquele lugar, despertou. O cemitério estava mais quieto do que o habitual. O silêncio era opressor, e uma sensação de frio percorreu sua espinha.
Foi então que ele a viu. A mulher de vermelho. Ela sempre aparecia, mas naquela noite, sua figura parecia mais nítida, mais real. Vestia um longo vestido carmesim, que contrastava com a palidez quase cadavérica de sua pele. Seus cabelos negros flutuavam levemente, mesmo sem vento. Os olhos, frios e profundos, o fitavam de uma maneira que fez seu coração acelerar.
Diferente das outras vezes, em que ele apenas observava de longe, algo nele o impulsionou a se levantar e ir até ela. Atraído por uma força que ele não compreendia, Bernardo caminhou em sua direção, como se estivesse hipnotizado. Quando ele se aproximou, uma densa névoa surgiu, cobrindo não apenas o cemitério, mas todo o bairro ao redor.
Aquela era a última coisa que Bernardo lembraria.
Às 6:00 da manhã, um dos jovens acordou assustado. O céu começava a clarear, e a preocupação habitual de serem descobertos pelos guardas do cemitério voltou à tona.
— Ei, pessoal, vamos sair daqui antes que nos peguem! — disse, sacudindo os outros.
Todos se levantaram, ainda atordoados pela ressaca. Como sempre, pularam o muro, rindo da loucura da noite anterior.
— Cadê o Bernardo? — perguntou um dos jovens, percebendo a ausência.
— Ah, deve ter ido embora antes. Aquele covarde nunca aguenta até o fim — disse outro, rindo. Todos concordaram, zombando como de costume, e seguiram para suas casas.
Dias se passaram, e Bernardo não apareceu. Sua ausência começou a ser sentida por sua família e amigos. Os dias viraram semanas, e com o tempo, sua família envolveu a polícia. Uma campanha para encontrá-lo foi lançada nas redes sociais, mas sem sucesso.
O delegado, sabendo do costume dos jovens de frequentar o cemitério, organizou uma busca no local. Algo parecia errado naquela história, e ele queria respostas.
Ordenou que todas as covas não lacradas fossem abertas. Os coveiros, temerosos, começaram o trabalho meticuloso, uma cova após a outra. Quando chegaram à sepultura número 666, os corações de todos ali presentes gelaram.
Dentro do túmulo, deitado inerte, estava Bernardo. Seu corpo sem vestígios de decomposição, um semblante de terror, e uma rosa negra em sua boca, coberto por um longo vestido vermelho, estava ali, como se tivesse sido colocado meticulosamente. A mesma mulher que ele sempre via, e nunca ousara contar a ninguém, parecia agora ser sua companheira na morte.
O delegado conversou com todos os envolvidos no cemitério àquela noite, mas, sua experiência comprovou que ninguém ali era responsável pelo fato. Os jovens nunca mais ousaram festejar em cemitérios, sob pena de prisão por parte do delegado!
O mistério envolvendo Bernardo e seus amigos no cemitério permaneceu, mas uma coisa era clara para todos que souberam daquela história: nem todas as almas naquele cemitério estavam em paz. E nem todos os rituais são tão inofensivos quanto parecem.