Eu a vi
Meu nome é Amélia, tenho 25 anos. Depois de passar quase um mês a procura de emprego, alguém resolveu me dar uma chance. Tratava-se de uma vaga de recepcionista em uma academia de ginástica num prédio antigo de dois andares localizado no centro histórico de João pessoa. Não foi fácil encontrá-lo, precisei sair perguntando a várias pessoas onde ficava o bendito prédio. Cheguei em frente, fachada quadrada e janelões estilo colonial com vidraças azuis. Até que o prédio de dois andares não estava tão acabado como eu imaginava. Subi as escadas, pois o salão de musculação ficava no primeiro andar. No térreo existia apenas uma loja de variedades.
Assim que entrei, um rapaz muito bonito, de porte atlético, aproximadamente uns trinta anos veio ao meu encontro. Muito simpático, pediu para que eu já assumisse o lugar na recepção, sentindo-se aliviado por eu estar ali. Parece que não havia tido sorte com as últimas funcionárias. Não o questionei, precisava do emprego.
Logo de início ele me levou para conhecer o estabelecimento. No primeiro andar, onde estávamos, ficava a parte aeróbica (danças e equipamentos funcionais) e a recepção; no segundo andar, o maquinário de musculação, onde as pessoas pegavam pesado. Fiquei impressionada com tudo aquilo. Enquanto me passava as instruções antes de voltamos à recepção, algo na escada chamou minha atenção: havia uma grade no lugar da parede lateral e dava para ver que ela continuava para o térreo, bloqueada apenas por uma parede frontal. Terminada as instruções, ele precisou sair e fiquei sozinha tentando aprender as obrigações que me fora designada.
Quando comecei a entender o funcionamento da recepção, os alunos do turno da tarde chegaram aos montes, todos quase no mesmo horário. O turno da noite também era bem agitado. Fiz amizade com várias pessoas. Sempre fui reservada, porém, ali naquele ambiente, não teria como ficar calada. Também conheci dois instrutores bem legais, o Diego e Aquiles, ambos já estavam trabalhando lá há três anos, mesmo período em que a academia foi inaugurada.
Passei a trabalhar das 14 horas até às 20 horas. O primeiro mês foi somente aprendizado. Jorge, o proprietário, teve bastante paciência comigo. Após três meses tudo ia bem, até que coisas estranhas passaram a acontecer. Às vezes, eu tinha a impressão de estar sendo observada, ou que simplesmente ouvia passos sem ter absolutamente ninguém por perto. Fiz alguns comentários com alguns alunos e a resposta deles que era “impressão minha”.
No início até quis acreditar nisso, mas algo bem concreto aconteceu que me deixou apreensiva. Estava tranquilamente na recepção preenchendo alguns formulários, quando ouvi passos vindo do corredor que ligava o salão das bicicletas ao banheiro feminino. Ainda não havia escurecido, estávamos no horário de verão, às 17 horas e era bem claro aqui em João Pessoa. O fluxo de alunos diminuía nesse horário, e no momento, havia apenas eu. Esperei o dono daqueles passos aparecer na sacada de acesso a recepção. À proporção que o som aumentava, eu ficava mais ansiosa para saber quem era. A portinhola de entrada para a recepção estava apenas encostada e quem se aproximasse daria para ver os pés. E olhei logo para abaixo, o que vi foram dois pares de pernas vestidas com calça preta e sapatos também pretos. Inicialmente, não tive medo pois acreditei que fosse algum cliente. À medida que olhei devagar para cima, não vi ninguém. Aquilo causou-me calafrios e quase me engasguei com a água que tomava. Quis acreditar que o indivíduo saiu rápido de perto de mim. Tinha uma lanchonete na entrada, fui lá e perguntei ao rapaz se alguém havia passado por lá e a resposta foi não. A ficha caiu, quis gritar, mas já era tarde para tal susto. Voltei para meu lugar e apenas meditei no que teria sido aquilo.
Chegando em casa, comentei com minha irmã mais nova, a Anna, a respeito do que eu supostamente vi na academia. Ela sugeriu investigar o prédio. Após um banho quentinho, tranquei-me no quarto e fui pesquisar no Google algo a respeito do antigo edifício de dois andares da rua General Osório. O que encontrei foi surpreendente. Não tinha nada detalhado, apenas que as construções dos edifícios daquela rua datavam entre as décadas de 1930 a 1940, com o objetivo de modernizar o centro a cidade. Contudo, o que acabou por transformar-se em bordeis ou “casas da alegria” como eram assim chamadas. E num dos prédios, ou seja: cujo estou atualmente, havia sido palco de vários conflitos e até assassinato. O ambiente era bem carregado.
Depois de saber que pessoas haviam, supostamente, morrido ali, fui dormir pensativa. Não adiantava falar para o proprietário a respeito das minhas pesquisas, ele não acreditaria. Preferi guardar para mim. Passei a colocar a bíblia em cima do balcão e a orar sempre que podia. Pelo menos eu tinha em que me agarrar, às minhas crenças.
Após um mês do ocorrido, estávamos eu e os dois instrutores no final do expediente, às 22 horas precisamente. Os alunos preparavam-se para irem embora. Fiquei tentada a contar sobre as coisas estranhas que pelas quais fui vítima ali. De repente, decidi desabafar, afinal de contas, eles também eram funcionários e talvez tivessem visto algo suspeito. Eles estavam pondo em ordem o salão, próximos a escadaria. Fui ao encontro deles, fiquei em frente a grade que bloqueava a escada, e no exato momento em que iria perguntar para eles, quase desmaiei com o que vi. Presenciei um ser todo branco, parecia uma mulher de cabelos presos, de cabeça baixa subindo pela parte bloqueada da escada, e o mais impressionante foi que ela atravessou a parede de acesso ao salão onde estávamos, desaparecendo em seguida. Um vento frio esfriou o salão e calafrios percorreram todo o meu corpo. Paralisei, fiquei pálida. Olhei para eles e perguntei:
- Vocês viram?
Pelos olhares assustados deles, sim eles também viram.
- Meu Deus, o que foi aquilo? – Aquiles perguntou nervoso.
- Um vulto, só pode ser. – Respondeu Diego.
- Desde que vim trabalhar aqui, coisas esquisitas vêm acontecido comigo. – Falei aflita.
Apesar do vulto ter desaparecido, ainda sentíamos a presença de algo no salão. Olhei ao redor e vi um reflexo no espelho passando tão rápido que fechei os olhos imediatamente.
- AHHH, está aqui, vi pelo espelho. – No desespero agarrada aos meninos, sugeri orar. E foi o que fizemos. Unidos, eu orei com todas as minhas forças, pois estava com muito medo. As luzes começaram a piscar e uma ventania do nada quase derrubou-nos ao chão. Mesmo assim, passei a orar bem alto, de olhos fechados, repreendendo todo o mal que nos assolava naquele momento. Quase sem forças, fomos empurrados para o assoalho e ao mesmo tempo tudo cessou. As luzes voltaram ao normal e o frio passou. Ainda estávamos abraçados, caídos, sem acreditar que tudo havia passado, o telefone tocou. Fui atender ainda trêmula.
- Alô!
- Por que ainda estais aí? Os rapazes estão com você? – Perguntou o Jorge preocupado. - Passei próximo e vi as luzes acesas.
- Estão comigo sim. Estamos fechando, apenas atrasamos um pouco. Pode ficar tranquilo. – Respondi sem falar o verdadeiro motivo de ainda estarmos ali.
- Por que não contou para ele a verdade? Este lugar é assombrado. – Nervoso, Aquiles argumentou.
- Se ele está há três anos aqui é porque ou não acredita, ou simplesmente, acostumou-se ao mal. Por isso é melhor seguimos nossas vidas em paz. Vamos sair logo daqui! Vocês decidam o que irão fazer depois disso.
Após ocorrido, descobri que eles também ouviam coisas estranhas, mas não levavam a sério até aquela noite. Dos instrutores, apenas Aquiles decidiu sair. Resolvi pedir demissão também, pois ali não era lugar para mim. Sem contar que foi a experiência mais aterrorizante de toda minha vida.
DÉBORA ORIENTE