In your house

Em sua casa
I long to be

Eu desejo estar

Room by room
Cômodo por cômodo

Patiently
Pacientemente

I'll wait for you there
Eu vou te esperar lá

Like a stone
Como uma pedra

I'll wait for you there

Eu vou te esperar lá

Alone
Sozinho

 

Like a Stone

- Audioslave

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Despertou num breu infinito.

 

O susto e angústia de não saber onde estava foram atropelados pela dor que vertia do ventre quase no mesmo instante.

 

Caos.

 

A mente presa numa cabeça quase rachando de dor, os ossos rangendo como se trincados, e a barriga... sim a barriga doía uma dor nervosa, pulsando dolorida e impaciente naquele escuro mais do que onipotente.

 

Gritou.

 

Gritou um grito aterrorizado, engolfado quase totalidade pelo silêncio vestido naquele manto de nada.

 

Um segundo depois uma fresta com uma claridade moribunda rasgou parte do útero escuro quase sem pressa. Atrás de uma porta de madeira velha e desgastada alguém segurava uma maçaneta enferrujada enquanto a observava. Pode então ver como estava, jogada num chão poeirento, apenas envolvida por retalhos desfiados, puídos e úmidos, acorrentada por um dos pés junto do chão duro daquele quarto sombrio. Os poucos retalhos nada cobriam, estava totalmente exposta, machucada e ferida, mas o horror maior foi ver a barriga bizarramente grande, cheia de veias azuis abaixo dos grandes seios descobertos. 

 

Como poderia estar grávida?

 

E como poderia ser possível daquele tamanho?

 

Quem era? Aonde estava? Quem era aquele que a espreitava?

 

Nenhuma resposta se apresentou para sua mente encurralada pelo medo.

 

Olhou de volta ao seu observador enquanto a porta gemia em uníssono com seu gemido de pânico genuíno. Pelo que pôde ver era um homem alto e magro, que agora caminhava a passos calmos e curtos ao seu encontro. Cada passo alimentava o pavor de não saber o que iria acontecer no momento seguinte.

 

- Não.. – disse ela gemendo, entre lágrimas de dor e súplica doída.

 

O homem nada disse, apenas avançou mais dois passos na mesma marcha serena.

 

Ele estendeu a mão em direção a barriga excessivamente saliente enquanto ela se afastava, arrastando-se com dificuldade até a distância fornecida pela corrente que lhe prendia acabasse. Pode ver um pouco melhor a metade do homem através da luz azulada meio morta e piscante que teimava entrar vindo de fora do quarto. Ele tinha cabelos longos e olhos cinzas assustadoramente fixos naquela barriga imensa. Antes que tocasse a pele esticada se conteve dizendo:

 

- Sai tu cá fora, vem.

 

Foi então que a dor que o mundo dá a cada mulher que cede a luz de volta ao mundo lhe atingiu cem vezes mais num segundo que pareceu mil dias.

 

Algo queria sair dela.

 

A força de seu corpo lutou contra aquilo como pode, mas foi vencida em segundos. Os gritos saíram do tom humano e se tornaram tão animalescos quanto uma fera que é morta e batalha por outra fera ainda maior. Cada espasmo dava voltas de agonia em cada centímetro de seu ser, tal como ondas quebrando na praia, sempre indo e vindo, com cada uma revirando seus globos dentro de suas órbitas, cada vez mais violentos, cada vez mais brutais.

 

Ela sentiu então algo se quebrar dentro de si, algo de partir em vários pedaços e vazar para fora junto de seus gritos e berros. A dor se afunilou em direção da nudez de seu sexo e as portas de seu corpo começaram a expelir aquilo que não era possível ser humano. A grande barriga se retorceu em calombos tremidos e gemidos gritantes até que ela juntou as poucas forças que tinha e empurrou de maneira desesperada para que aquilo acabasse.

 

Sentiu como se a morte sussurrasse ao ouvido quando aquilo chegou ao mundo. A força descomunal da coisa que vinha de dentro quase lhe rasgou ao meio ao ganhar liberdade numa pequena explosão sangue e fluidos. Seu último grito quase lhe explodiu a garganta e agora sem força ela observava aquilo sem entender o que tinha colocado no mundo.

 

Naquele escuro a única coisa que se pode ver por cima da barriga agora murcha e deformada foram patas em apêndices e tentáculos ao redor de algo longo, escuro e aparência grotesca saindo lentamente da faixa de luz que vinha  de fora para o breu do fundo do quarto. A coisa guinchava baixo e fazia um barulho molhado ao rastejar debilmente seu corpo pelo chão enquanto ela chorava baixo, quase perdendo a consciência.

 

O homem por sua vez foi até a coisa e lhe pegou com carinho e cuidado no colo como se acolhe um filho recém-nascido. Por um segundo olhou a criatura e depois para mulher trêmula estendida no final de uma grande  poça de fluidos de cheiro pútrido. Ela não tinha forças para ficar acordada e com certeza não iria aguentar muito tempo mais. Ele olhou novamente para a criatura e viu que não se mexia nem fazia barulho algum.

 

Pareceu chateado por um momento, mas não se importou.

 

- Uma pena, uma grande pena mesmo.

 

E jogou o monstro do lado da mulher moribunda. A coisa então caiu num baque molhado de som gorduroso e pesado.

 

- É apenas questão de tempo minha pequena, apenas isso.

 

Ela ainda em agonia muda olhou pela última vez a cara daquele terror sem nome e sem rosto que jazia ao seu lado.

 

- Ele era quase perfeito, mas não se preocupe, terá outras chances. Um deles deve ser quem queremos que seja.

 

Dizendo isso ele se agachou, aproximou o rosto e a beijou na boca. Uma lágrima solitária desceu por seu rosto sem poder reagir ao homem enquanto lhe tocava os lábios. Sentiu algo de amargo descer a garganta enquanto ele levantava para sair.

 

- Nos vemos em breve.

 

Disse isso enquanto fechava vagarosamente a porta e a cobria com o mais profundo escuro daquela prisão. Pensou que a morte fosse cordial em levar seu espírito consigo, mas em vez disso sentiu algo..

 

Algo estranho..

 

Algo estranho e apavorante..

 

Algo crescendo..

 

Crescendo novamente dentro dela.    

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Obs1:

Esse conto foi pensado, criado e seu rascunho escrito em apenas uma tarde graças a inspiração de um conto de um grande amigo aqui do recanto e um escritor de mão cheia dessa comunidade. 

 

Jota Alves, um grande obrigado por seu apoio e sua conversa fiada de primeira no zap.

 

 

 

Obs2:

Esse texto foi escrito ao som de "Ana Maria" de Santanna, O Cantador

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Jeff Silva
Enviado por Jeff Silva em 27/09/2024
Reeditado em 27/09/2024
Código do texto: T8161391
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