Aiko: A Sombra da Montanha
Rafael nunca imaginou que sua tão sonhada viagem ao Japão terminaria em pesadelos. Apaixonado pela cultura e fascinado pelas lendas locais, ele decidiu se isolar por alguns dias em uma pequena cidade montanhosa, longe do caos das grandes metrópoles. A cidade, famosa por seus templos e sua arquitetura preservada, parecia o refúgio perfeito.
A pousada onde ele se hospedava era uma construção de madeira antiga, com tatames rangendo a cada passo e janelas de papel que deixavam passar o som do vento. A proprietária, uma senhora de idade, havia lhe contado histórias sobre a montanha, advertindo-o para não se aventurar nas áreas mais isoladas, especialmente à noite. Rafael riu, achando que aquilo fazia parte da tradição local, mas ao cair da tarde, algo na atmosfera parecia diferente. Havia uma tensão no ar.
Na segunda noite, ele decidiu explorar a região. Caminhou por uma trilha que levava a um pequeno santuário abandonado, coberto por musgo. O ar era mais frio ali, e uma sensação de desconforto começou a crescer em seu peito. Foi então que ele a viu.
Aiko estava sentada nos degraus do santuário, com longos cabelos negros caindo pelas costas, usando um kimono branco que contrastava com a escuridão ao redor. Rafael se aproximou, atraído pela aura serena e misteriosa da jovem. Ela levantou os olhos lentamente e sorriu, um sorriso delicado, quase triste.
— O que faz por aqui tão tarde? — perguntou ela, com uma voz suave e melódica.
— Eu... queria explorar a região — respondeu Rafael, sentindo-se repentinamente desajeitado. — E você?
— Eu moro aqui, nas proximidades. Venho ao santuário para pensar. — Ela desviou o olhar, como se tentasse esconder algo.
Aiko parecia deslocada naquele cenário, quase como uma figura de outro tempo. Nos dias seguintes, Rafael a encontrou diversas vezes. Sempre no final da tarde, sempre nas mesmas proximidades do santuário. A atração que ele sentia por ela crescia a cada encontro, e logo começou a se perguntar por que uma jovem tão bonita e misteriosa vivia isolada naquele lugar.
— Eu gosto da tranquilidade — disse ela certa vez, quando ele perguntou sobre sua vida ali. — A cidade grande não é para mim.
Quanto mais Rafael conhecia Aiko, mais estranhos se tornavam os acontecimentos ao seu redor. Nas noites seguintes, ele começou a perceber algo peculiar. Quando Aiko aparecia, a temperatura caía drasticamente, e a brisa trazia consigo sussurros que ele não conseguia decifrar. Algumas vezes, ele viu sombras nas montanhas, figuras que pareciam observá-lo à distância. E, todas as noites, sem falhar, ele tinha o mesmo pesadelo: uma cerimônia sombria, com figuras encapuzadas e gritos de dor.
Decidido a entender o que estava acontecendo, Rafael começou a investigar. Ao perguntar sobre Aiko aos moradores da cidade, ele recebeu olhares estranhos. Ninguém parecia conhecê-la, e aqueles que sabiam algo evitavam falar.
Certa noite, após mais um encontro com Aiko, Rafael foi até a biblioteca local, em busca de registros sobre a cidade e a montanha. O bibliotecário, um homem idoso e de olhar cansado, hesitou antes de lhe entregar um livro antigo, coberto de poeira.
— Você não deveria mexer com isso — murmurou o homem. — A família Himuro traz apenas desgraça.
Rafael folheou as páginas do livro, lendo sobre a tragédia da Família Himuro, conhecida por rituais de sacrifício que, segundo as lendas, mantinham o equilíbrio entre o mundo dos vivos e o dos mortos. Mas algo deu errado em um desses rituais, décadas atrás, resultando na morte violenta de todos os membros da família. Diziam que seus espíritos jamais encontraram paz, vagando pela montanha.
Quando Rafael viu o nome "Aiko Himuro" entre os mortos, seu coração gelou.
Confuso e sem acreditar no que acabara de descobrir, ele correu de volta ao santuário. O céu começava a escurecer, e uma névoa fina subia da floresta ao redor. Ele chegou ao templo, ofegante, esperando ver o rosto familiar de Aiko... e lá estava ela, sentada nos degraus, como sempre. Mas algo em seus olhos havia mudado.
— Aiko... — Ele hesitou, incapaz de dizer o que havia descoberto.
— Você descobriu, não é? — perguntou ela, sem levantar a cabeça.
Rafael ficou em silêncio, sua mente girando em torno das revelações do livro. Ela levantou os olhos lentamente, e, pela primeira vez, Rafael notou algo que sempre esteve ali, mas que ele se recusava a ver. O ar ao redor dela parecia mais frio, quase congelante, e sua pele tinha um tom pálido, translúcido, como o de uma sombra.
— Eu... estou morta, Rafael — disse ela, sua voz trêmula. — Morri há muitos anos, vítima da maldição que assombra minha família.
Rafael recuou um passo, sem saber como reagir. Aiko parecia tão viva, tão real. Mas agora, à medida que o crepúsculo avançava, a verdade se revelava diante de seus olhos.
— Eu estou presa a esta montanha — continuou ela, olhando para o horizonte. — Minha alma nunca encontrou paz. A maldição nos mantém aqui, presos entre o mundo dos vivos e dos mortos. E agora que você sabe, eles virão atrás de você também.
Antes que Rafael pudesse responder, Aiko começou a desaparecer, como um suspiro sendo levado pelo vento. Ele correu em sua direção, tentando alcançá-la, mas sua mão passou por ela como se estivesse tentando agarrar o próprio ar.
— Não! Aiko, espere! — gritou ele, mas era tarde demais.
Ela havia sumido.
Desesperado, Rafael olhou ao redor. A névoa se tornava mais densa, e a noite se aproximava rapidamente. As árvores ao redor pareciam fechar-se sobre ele, e o silêncio que antes era tranquilizador agora se tornava opressor.
Foi então que ele ouviu. Primeiro, um sussurro distante, depois passos suaves nas folhas. Não os passos de Aiko, mas algo... mais pesado.
Rafael se virou lentamente, e o que viu fez seu sangue congelar. Figuras encapuzadas emergiram da névoa, seus corpos se movendo de maneira antinatural, como se fossem puxados por um fio invisível. Seus rostos, cobertos pelas sombras de seus mantos, pareciam cintilar à luz fraca do crepúsculo.
Eram os fantasmas da Família Himuro.
O terror de Rafael cresceu conforme eles se aproximavam, seus sussurros ficando mais altos, mais insistentes, como uma prece antiga sendo repetida sem fim. As palavras eram incompreensíveis, mas o significado estava claro: eles vieram buscá-lo.
Ele tentou correr, mas seus pés pareciam presos ao chão. As figuras se aproximavam cada vez mais, cercando-o, seus braços espectrais se estendendo em sua direção. O vento ao redor deles uivava, e Rafael sentiu o frio da morte se aproximar.
— Aiko! — gritou ele, em desespero, mas não houve resposta.
De repente, um lampejo de dor atravessou sua mente. As imagens de seus pesadelos se tornaram realidade: o antigo ritual, os gritos de dor, o sangue derramado no santuário. Aiko havia sido uma vítima. E agora, ele também seria.
No último instante, Rafael sentiu uma presença familiar. Uma brisa fria soprou em seu rosto, e a figura de Aiko apareceu novamente, à distância. Seus olhos estavam cheios de tristeza.
— Eu não posso te salvar — sussurrou ela, sua voz carregada pelo vento. — A maldição é forte demais.
Rafael quis correr até ela, agarrá-la, mas os fantasmas o rodearam, suas vozes crescendo, seus toques gelados se aproximando de sua pele. Ele sabia que seu fim estava próximo.
A escuridão tomou conta de tudo, e então, o silêncio.
Dias depois, um grupo de turistas encontrou um corpo no santuário. Não havia sinais de luta, apenas um jovem deitado no chão, seus olhos fixos nas montanhas distantes, como se estivesse vendo algo que os outros não podiam. Ao lado dele, um pequeno símbolo, gravado na pedra: o emblema da Família Himuro.
Ninguém mais viu Aiko...
Fim