O Reflexo Vivo

 

           Jonas sempre foi um homem comum. Trabalhava como contador, morava sozinho em um apartamento pequeno, e sua rotina seguia os mesmos padrões dia após dia. No entanto, as coisas começaram a mudar de maneira sutil — tão sutil que ele quase não percebeu no início.

 

           Tudo começou em uma manhã comum, enquanto Jonas se barbeava diante do espelho. Ele passava a lâmina pelo rosto quando, por um breve momento, teve a sensação de que seu reflexo estava... atrasado. Não muito — uma fração de segundo, como um espelho com um leve atraso na imagem. Ele franziu o cenho, mas logo sacudiu a cabeça.

 

           — Deve ser cansaço — murmurou para si mesmo.

 

           Os dias passaram e ele esqueceu o incidente. Mas o que começou como uma pequena impressão se transformou em algo mais perturbador. Ele notou que, às vezes, ao sair do banheiro, o reflexo parecia observá-lo um pouco mais do que deveria, como se fosse uma entidade própria, consciente. A sensação era sutil, quase impossível de descrever. Algo no olhar de seu reflexo parecia... diferente.

 

           Uma noite, após um longo dia no trabalho, Jonas estava deitado no sofá, quase adormecendo, quando uma batida suave ecoou pelo apartamento. Ele abriu os olhos rapidamente, confuso. Parecia vir do banheiro. Hesitante, ele se levantou e foi até lá. A luz do corredor lançava sombras longas e fantasmagóricas pelas paredes enquanto ele avançava.

 

           Quando abriu a porta do banheiro, o espelho estava lá, como sempre, mas seu reflexo... ele não estava. O espaço refletido no espelho mostrava o banheiro vazio, mas Jonas estava parado ali, olhando fixamente para o vidro.

 

           Um calafrio percorreu sua espinha, e ele esfregou os olhos. Quando olhou de novo, seu reflexo estava lá, como deveria estar, seguindo seus movimentos. Jonas deu um suspiro de alívio, mas não conseguia se livrar da sensação de que algo estava profundamente errado.

 

           Na noite seguinte, o incidente se repetiu, mas dessa vez seu reflexo fez algo que ele não fez — sorriu.

 

           Jonas congelou no lugar. O sorriso era frio, malicioso. Ele tentou controlar a respiração, seus olhos fixos naquele rosto familiar, mas ao mesmo tempo, tão estranho.

 

           — Quem... quem é você? — perguntou, a voz trêmula.

 

           O reflexo sorriu mais ainda, mas não respondeu. Ele apenas imitou Jonas quando este se afastou, assustado, e saiu do banheiro, trancando a porta atrás de si. O coração de Jonas batia descontroladamente no peito. A partir daquele momento, ele evitou olhar para o espelho, temendo o que poderia ver.

 

           Nos dias que se seguiram, a situação piorou. Jonas começou a sentir a presença do reflexo, mesmo quando não estava no banheiro. Às vezes, ao caminhar pelo corredor, ele via, pelo canto do olho, o reflexo se movendo dentro do espelho, mesmo quando ele não estava diante dele. Era como se aquela imagem no vidro estivesse acompanhando seus passos, espreitando-o de longe, sempre à espera.

 

           Certa tarde, ao voltar do trabalho, Jonas ouviu o som de passos vindos do banheiro. Parou no meio da sala, tentando entender o que estava acontecendo. O som era nítido, como se alguém estivesse andando de um lado para o outro ali dentro. Sentiu o suor frio escorrer pela testa.

 

           — Isso não pode estar acontecendo... — murmurou, tentando se convencer de que era sua imaginação. Com as mãos trêmulas, pegou uma faca da cozinha e caminhou em direção ao banheiro, os passos ecoando no piso de madeira.

 

           Ele abriu a porta lentamente e o reflexo estava lá, como sempre. Jonas olhou para si mesmo no espelho, tentando não demonstrar o medo crescente, mas algo estava diferente. A sala refletida no vidro parecia levemente distorcida, como se fosse de outra realidade. O reflexo, porém, estava de costas para ele, olhando fixamente para o espaço vazio.

 

           — O que você quer? — Jonas perguntou, com a faca firme em sua mão, embora sua voz revelasse o pânico.

 

           O reflexo se virou lentamente, encarando-o com um olhar vazio, quase desumano. Ele então sorriu, um sorriso diabólico que fez Jonas recuar um passo.

 

           — Você — respondeu o reflexo, finalmente falando pela primeira vez. Sua voz era uma versão distorcida da de Jonas, como se viesse de um abismo.

 

           Jonas estremeceu. Sentia-se vulnerável, como se o reflexo estivesse prestes a atravessar o vidro e assumir sua vida, sua identidade. Ele precisava fazer algo antes que fosse tarde demais.

 

           Foi então que o reflexo deu um passo para frente, aproximando-se do vidro do espelho. Jonas sentiu o pânico tomar conta e, em um impulso, arremessou a faca diretamente no espelho. O impacto foi seguido por um som ensurdecedor de vidro quebrando. A lâmina cravou-se no espelho, fazendo o reflexo desaparecer instantaneamente em uma cacofonia de estilhaços que voaram por todo o banheiro.

 

           Jonas respirou pesadamente, o coração a mil. Ele olhou para o espelho agora quebrado, os pedaços caídos no chão refletindo fragmentos do ambiente, mas nenhum mostrava seu reflexo.

 

           — Acabou? — perguntou a si mesmo, quase sem acreditar.

 

           O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor, e Jonas sentiu uma onda de alívio o envolver. Contudo, ao se virar para sair do banheiro, algo estranho aconteceu. No chão, entre os estilhaços de vidro, algo começou a se mover.

 

           Jonas olhou para baixo, e viu, em um dos pedaços quebrados, seu reflexo... sorrindo.

 

           Antes que pudesse reagir, sentiu um puxão invisível, como se o chão tivesse desaparecido sob seus pés. Ele foi arrastado em direção ao pedaço de espelho quebrado, suas mãos tentando agarrar algo, qualquer coisa, mas não havia nada para segurá-lo.

 

           E então, num piscar de olhos, foi sugado para dentro do reflexo.

 

           Agora, ele estava preso, encarando o banheiro do outro lado do vidro quebrado, enquanto seu "eu" distorcido, do outro lado, caminhava pela casa, vivendo sua vida.

 

           Jonas gritou, mas o som não atravessava a barreira do vidro.

 

           Ele agora era apenas um reflexo, preso para sempre em um mundo onde jamais poderia sair... enquanto sua própria imagem vivia do lado de fora, livre para fazer o que quisesse.

 

           E toda vez que alguém entrava no banheiro, Jonas observava, impotente, tentando avisar a todos que olhavam o espelho... mas ninguém o escutava.

 

Fim

L Mandrake
Enviado por L Mandrake em 20/09/2024
Reeditado em 06/11/2024
Código do texto: T8156081
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