O SEGREDO DO PROFESSOR OXFORD
O SEGREDO DO PROFESSOR OXFORD
INGLATERRA 1899
As alamedas estavam repletas de morangos silvestres, era primavera. A Inglaterra com seus cerrados e aspidistras sempre agradou os olhos de George.
- Como a vida é relativa, pensava Oxford, conforme caminhava dentro de sua casa. Viver próximo ao Lago Ness, já não era tão mágico.
George Oxford já havia esgotado quase todas as possibilidades de visualizar o lendário ser, apelidado de “monstro do lago Ness”. Sua curiosidade a respeito de tal figura misteriosa e icônica o fascinava, mas cansou de aguardar a aparição.
O ano de 1899 na Escócia, no Reino Unido estava em seu meado, e as notícias até aquele momento, publicadas - no The Times - já haviam saturado um pouco a mente do professor George Oxford.
As notícias pareciam sempre as mesmas, com exceção da última que leu sobre a morte do grande pintor alemão Adolf Schreber. George, além de admirar suas pinturas, era seu amigo, ele sentiu bastante tal perda. A notícia publicada no The Times, de certa forma soou como uma justa homenagem ao pintor preferido do mestre exigente.
”.
Londres não é muito longe dos arredores do Lago Ness, e o professor Oxford, mantinha residências tanto em Londres, como nas terras altas da Escócia, onde se situa o provável habitat do monstro.
Sua irmã Elizabeth o incentivou muito a tirar um tempo longe da rotina.
Três dias após a decisão do professor, de realmente viajar, o levou a caminhar até o lago. Levou uma lona pesada, e disse ao seu criado Arnold, que iria aproveitar a noite quase de verão para acampar. Queria se despedir daquela magnífica paisagem, e quem sabe ver o monstro.
A Oceania é um continente sui generis, com seu clima diversificado e natureza exuberante, e foi justamente: a terra dos cangurus, o lugar escolhido por Oxford para mudar de ares, inclusive por questões históricas, já que o historiador natural Charles Darwin, em meados do século XIX. De lá ele seguiria em um roteiro pela América do Sul, como fez Darwin. Sua irmã sempre falava sobre um lugarzinho mágico na Austrália chamado Zeitloser Wald, local onde uma casta dileta ao visitar: encontrou paz e rejuvenescimento.
Na realidade, Oxford tinha a intenção de realizar algum feito marcante no planeta, antes de partir, e perfazer o trajeto "darwiniano" de cinquenta anos atrás seria o ideal para começar a viver novamente.
O navio Beagle, emblemático na vida do cientista pai da evolução, saiu da Inglaterra, e após ele visitar a Oceania, ainda viajou por oito meses depois de deixar o continente. Durante o trajeto. Darwin coletou e despachou ossos, carcaças, pedras e plantas para especialistas ingleses.
Na verdade, o tour de Charles Darwin, a bordo do Beagle começou como missão de mapeamento da costa da América do Sul para atualizar as cartas náuticas britânicas e de quebra: deixar na Patagônia três indígenas argentinos que haviam sido catequizados.
O senhor G. Oxford aportou na Oceania em 14 de novembro de 1899, e logo foi recebido por um homem de estatura baixa, com cabeleira áspera, nariz largo, que usava luvas negras. Ele disse ao professor que sua irmã o havia recomendado como guia.
Dijugun havia estudado na Inglaterra, e se tornou amigo de Elizabeth. Depois ele voltou à sua terra natal para continuar em sua condição aparentemente submissa aos imperialistas, porém se tornou um espeleólogo de primeira. E nas horas vagas auxiliava “Homens ilustres” advindos do mundo desenvolvido em suas explorações no campo da ciência.
Oxford seguiu Dijugun, e só a partir do momento que ele entregou uma carta de Elizabeth expondo a surpresa que fez para o irmão, George confiou que realmente se tratava da letra e conteúdo produzidos por Elizabeth. Ambos entraram em uma carruagem que os levaria a um domicílio na cidade de Sidney, que seria habitado por George, ao longo de sua estadia naquele continente distante.
Durante a trajetória, o espeleólogo nada dizia, enquanto Oxford, parecia entediado. Foi somente quando chegaram ao local de destino. que Oxford transparecendo susto proferiu - O que você está pensando que eu sou para me oferecer um lugar medíocre como este para eu passar sessenta longos dias? Minha bagagem vasta e recheada de ferramentas raras, não podem ficar dentro dessa pocilga.
O local aparentava bucolismo, e o anfitrião afirmou - Aqui é um lugar muito tranquilo para o senhor estudar e descansar durante sua estadia. Eu costumava utilizar este espaço quando estava cursando minha graduação em Oxford, foi um tempo ótimo, excelente, com Carlos I no trono. A casa onde os naturalistas ficariam era de madeira pintada de azul, e de belíssima fachada antiga.
O doutor Oxford nada respondeu, porém ficou pensativo. O cansaço da viagem, o levava a desejar um banho, mesmo que fosse precário. E um pouco de comida também cairia muito bem. Então, ele questionou “Índio” sobre um possível jantar. A alcunha em questão era a forma a qual Oxford resolveu dispensar no tratamento ao professor Dijugun; mas o tranquilo guia e intelectual australiano não se aborrecia com tal denominação. Por dentro, ele sorria. E por fora, ficava impávido mantendo sua educação e ética no trato ao irmão de sua grande amiga Elizabeth.
Dijugun informou ao pesquisador que ele teria que se conformar com um gostoso pão australiano com queijo, amoras e ovos, e afirmou - Pelo menos neste início de noite teremos esta maravilha to have lunch meu nobre Oxford.
A edificação era perfeita, tinha até dois banheiros, e dentro de ambos havia duas grandes tinas, bem asseadas, e prontas para receber corpos cansados e empoeirados de viagem. A água poderia ser fervida, e havia um escovão para o esfrega-esfrega.
Quando raiou o novo dia, o professor inglês acordou bem mais ativo, ele estava curioso para conhecer Zeitloser Wald. Ele tinha sonhado com o Lago Ness a noite toda; e em seu sonho o “monstro” havia sido morto por aborígenes, que transportaram seu cadáver para a Austrália. Então ele lembrou de seu amigo Freud, e sentiu vontade de lhe contar o sonho para ver se ele conseguia decifrar.
Depois de lembrar do doutor Freud, que lançou “A interpretação dos sonhos no ano corrente de 1899, George se vestiu e procurou o “Índio”, só que não o achou no interior de nenhum cômodo, então saiu pela porta que desembocava em um alpendre simpático e bem varrido, onde jazia uma cadeira de balanço de madeira maciça coberta por pele de animal. Oxford se aproximou da peça rústica e percebeu um volume sobre ela.
Algo que se mexia muito rápido, quando ele se virou e foi a frente da cadeira, que balançava, ele recebeu uma dentada em seu nariz, que fez jorrar sangue, ele correu para dentro da casa gritando socorro. Trancou a porta, e subiu as escadas chamando Dijugun, só que ele percebeu que o homem não estava. Ele olhou sua imagem em um espelho pequeno pendurado no quarto onde dormira e viu seu nariz muito ferido, quase arrancado, ele então gritou o nome do aborígene, e escutou uma voz fraca, respondendo “espere já vou”, o som parecia vir debaixo.
Passados alguns segundo Dijugun entrou no quarto com um bicho sangrando nas mãos, e disse ao apavorado e machucado doutor George. – Ele era de estimação, trouxe ele da Tasmânia, quando era filhote, cresceu aqui, porém ao atacá-lo, ele não poderia continuar vivo. Oxford ficou estático diante daquela cena, e o guia então disse a ele – Tem um ótimo médico aqui perto, vou buscá-lo, ele saberá o que fazer. Oxford com dores intensas, e visão um pouco embaçada, pensou ter visto; que uma das mãos do “Índio” estava esquelética, mas atribuiu o vislumbre ao seu estado de saúde.
Dito e feito o médico chegou em quinze minutos, junto com Dijugun. Ele fez um curativo no nariz de Oxford, e recomendou repouso, deixou pílulas contra a dor, e disse estar à disposição se o irmão de Elizabeth tivesse febre. Oxford descansou, mas sua cabeça rodava, provavelmente a dor intensa fez sua pressão arterial subir. No final da tarde daquele dia fatídico, o distinto pesquisador tomou um banho prolongado, para combater a febre, que sobreveio.
No dia seguinte, o professor da Universidade de Oxford estava bem melhor, apenas com o nariz um pouco inchado. De novo, ele levantou da cama e se deparou com a ausência de “Índio”. Então, ele resolveu explorar o casario, o que o levou a um porão grande, lá ele se deparou com muitos móveis antigos, objetos científicos, como bússolas, esqueletos, bichos empalhados, e por força da curiosidade: ele espiou atrás de uma cortina e viu em cima de uma mesa ensanguentada o corpo do demônio da Tasmânia, ou melhor, a pele do ser, e olhando mais minuciosamente enxergou sua ossada na outra extremidade da grande mesa.
- Por favor vocês não podem deixar escapar nenhuma palavra em inglês, durante a visita de Oxford, mantenham o dialeto de sempre, não esqueçam! Ele precisa pensar estar em Zeitloser Wald, a ordem vinha de Dijugun, e fora direcionada a três homens que serviriam de guarda-costas durante o passeio exploratório.
Oxford estava vestido a caráter para visitar a terra da atemporalidade, sua esperança de revigoramento, ou alguma coisa similar lhe movia especialmente neste dia; ele só lembrava do ferimento no nariz, feito por aquele diabinho, quando o nariz doía. Seu objetivo mais premente era explorar Zeitloser Wald, mas como de costume, no terceiro dia de sua viagem e hospedagem em Sidney, seu anfitrião atrasava e o deixava esperando. Oxford, era um homem exigente e carrancudo, e isso, desde tenra idade. Hoje, aos oitenta anos, temia por demais a visita da senhora morte, ele desejava viver.
Um carro de bois parou em frente ao alpendre, hoje mais empoeirado, George fitou o veículo com desdém, colocou a mão no nariz e percebeu que ele ainda sangrava, apesar do curativo bem feito pelo médico. Dijugun acena para ele, e diz quase sorrindo – Vamos doutor... e não se irrite com o transporte, foi o melhor que consegui, chegaremos de manhã e não se importe com o tempo, com certeza não choverá, aqui as chuvas nesta época são escassas, ah, e fique tranquilo pois temos provisões.
Oxford estava sério, e assim permaneceu até adentrar a carroça, seu anseio pelo destino era motivador, desde que sua irmã lhe revelou a existência desta Floresta, ele se maravilhou. As florestas tropicais de Gondwana foram alcançadas por George e Dijugun em menos tempo do que o previsto. Oxford estava cansado, mas muito atento, seus olhos se encheram de mar durante parte do percurso, a paisagem era exuberante, porém ele não sentiu a emoção esperada, ainda.
- “Índio” aqui é Zeitloser Wald? tudo parece abastoso, porém nem tanto quanto imaginei. Pareceu muito familiar, comum mesmo, a exuberância de este lugar. – Muita calma meu nobre Oxford, vamos andar um pouco. Apear nossos animais aqui nesta sombra, lhes dar água do rio Mel. Oxford caminhava lentamente, atrás de “Índio”, e então, os três aborígenes fortes, com cabelos queimados pelo sol vieram em sua direção e o cumprimentaram utilizando uma linguagem indecifrável. Então, o anfitrião sorriu, e traduziu para Oxford a saudação de boas-vindas advinda dos amigos que ali surgiram.
- Aqui Charles Darwin passou e ficou maravilhado. Ao ouvir esta afirmação, o doutor em história natural inglês, deixou escapar um sorriso pela primeira vez. Mas perguntou aos homens – aqui é Zeitloser Wald?
Um deles em um inglês fluente respondeu impensadamente - fica atrás do abismo. Neste momento “Índio” fez um sinal para George: um sinal que demonstrava que o homem estava louco. Oxford estranhou. Anoiteceu. E os cinco montaram barracas improvisadas para passar a noite no lugar aprazível, porém cheio de onomatopeias assustadoras. Oxford cochilou, e Dijugun avisou aos homens que deviam ficar em vigília durante o sono dos visitantes ilustres.
Oxford acordou no meio da noite, e ouviu a conversa dos capangas de Dijugun, que falavam em inglês, e o que descobriu era aterrorizante.
INGLATERRA 1642
Às margens do Lago Ness, em plena madrugada, um homem admira pacientemente o belíssimo ambiente, o tempo está nublado, e há um traço tímido de sol incidindo sobre o todo líquido, não há como não se extasiar com a natureza ao redor, o silêncio está a pino e aquele “quase humanoide” está em guarda, assim como os felinos ficam quando expectam suas presas.
Em meio a clamaria do momento um som de borbulhas enfrenta a paz daquela hora. Logo um estrondo aniquila a quietude com seu alvoroço. O que se vê é inaudito, assombroso. O homem com cabelo de fogo, trazia uma carabina de pressão em sua bagagem, ele mirou a cabeça do que ele chamava de fera. O ser parecia uma mistura de leviatã e pleisiossauro imenso, mais ou menos uns vinte metros. Mas a cabeça bem menor que o corpo. E a cauda longa e grossa.
A imersão do animal não durou muito tempo, sua cabeça, não parava de sacudir quando foi estourada por uns três tiros. Quando ele viu que o animal tombara, o homem entrou em um barco e foi até ele, e ficou ali vendo o seu corpo afundar. Passados três dias, o assassino do monstro voltou ao lago com vinte homens, de madrugada; naquela época os arredores do local não tinham quase nenhuma habitação, a empreitada de retirar o monstro do lago não foi fácil, depois que o desossaram: jogaram os restos no próprio lago.
FLORESTAS GOWDWANA AUSTRÁLIA
1899
George teve vontade de vomitar ali mesmo, seu coração disparou, ele sabia que seria morto e desossado para terminar a ponte de ossos que levaria Dijugun, seus capangas e Elizabeth à terra prometida de Zeitloser Wald. O plano beirava a perfeição.
- Agora ficou cristalino para mim, que Dijugun é imortal, ou coisa que o valha, especialmente, quando ele citou ser contemporâneo de Carlos I, ali se entregou; pensou alto o professor de Oxford – Como Elizabeth pode ser tão sórdida, uma verdadeira traidora, cruel, e invejosa mulher. – Bem, o que me resta agora é fingir que durmo, afinal só irão me matar à tardinha, como bem ouvi, e será após um ritual xamânico, onde Elizabeth estará presente. O pior é saber que o grande Charles Darwin será indiretamente um dos culpados do meu passamento. Quem sabe não tentaram assassiná-lo, afinal ele tinha ossos de um proeminente.
O que não poderia supor, é que minha irmã fosse amante daquele cientificista fajuto e ambicioso. E agora, querem usar meus ossos eminentes para reconstruir o segmento perdido da ponte, meus ossos junto com os ossos do demônio da Tasmânia irão revigorar o feitiço, e Dijugun, Elizabeth e os capangas irão atravessar para Zeitloser Wald. e se tornarão imortais e poderosos para sempre, depois de reconstruída a ponte se tornará invisível de novo, aos olhos mortais.
Na manhã seguinte Oxford levantou às cinco horas da manhã e encontrou três corpos estirados no chão, eram os capangas, que foram punidos por falarem inglês, na noite passada, Dijugun não perdoou. Mas ele não sabia que Oxford havia ouvido o que eles falaram. Oxford fugiu dali, porém deu de cara com sua irmã, que atirou em sua perna.
Ele caiu no rio Mel, e sumiu, eles acharam que ele havia morrido, e gritaram desesperados e desapontados, pois precisavam dos ossos a qualquer preço.
INGLATERRA 1900
Dois homens tomam chá em um chalé bem próximo ao Lago Ness, um deles é Oxford, e o outro é um comerciante local, que quer vender binóculos para os turistas verem melhor o monstro do lago.
Ele também pretende fundar hotéis ao derredor do lago. Oxford sentiu um profundo pesar pela morte do monstro, porém para o bem de todos, e felicidade geral do bom lucro, ficou sócio do comerciante e morreu aos noventa e dois anos, muito rico. Em seu enterro havia um homem com uma capa escura, que debaixo de chuva, se escondia atrás das catacumbas, ele estava sem luvas, o que deixava a mostra sua mão feita apenas de ossos. Depois que Elizabeth morreu afogada no rio Mel, quando mergulhou atrás do irmão, ele ficou solitário, mas não menos desejoso de poder.
Elizabeth, não era uma eminente intelectual, apenas uma mulher burguesa inglesa: portanto seus ossos não tinham nenhuma serventia para o grande encantamento, no caso específico do grande feitiço.
O tal homem deseja desesperadamente remendar a ponte, atravessá-la e voltar a ser eterno, antes que seja tarde; por isso está ali ávido para roubar os ossos do professor George Oxford. Afinal, monstros imensos e professores ilibados são ingredientes raros, e necessários, junto, é claro a uma "pitada única" da ossada de um Sarcophilus harrisii, nome científico do diabo da Tasmânia.
Dijugun precisa ser rápido, para voltar para Zeitloser Wald, antes que ele seja totalmente desintegrado, ele precisa ser imortal novamente, para reencontrar alguns amigos lá, como por exemplo, Adolf Schreber, e Arnold (o criado de Oxford, que era exímio pianista), mas principalmente Jean- Baptiste de Lamarck, já que ambos possuem assuntos em comum para colocar em dia, especialmente sobre a Evolução das espécies...