O túmulo na estrada
O engenheiro Miguel estava parado diante do túmulo, olhando fixamente para o epitáfio e a estrutura onde jaziam os retos mortais de Henriqueta Mendes, nascida em 1850, morta em 1868. A grande questão é que aquela sepultura não estava no cemitério, mas às margens de uma rodovia federal, com um movimentado fluxo de automóveis.
Sempre que passava por ali, Miguel parava o seu carro na lateral da estrada e dedicava uns minutos a contemplar o túmulo.
Em todas as ocasiões depositava algumas flores. Esse hábito também era cultivado por outras pessoas, já que muitas flores podiam ser percebidas ao redor do local do repouso eterno de Henriqueta.
Miguel não sabia explicar porque havia se tornado um visitante assíduo daquele local, tudo que podia dizer era sobre a sensação estranha que o envolvia quando estava ali. Hora calorosa, hora melancólica. Essa melancolia combinava com a sua natureza.
Embora o túmulo datasse do século XIX, estava bem conservado por causa dos moradores da pequena cidadezinha que fica nas proximidades. As pessoas cuidavam do local e não permitiam nenhum ato de vandalismo.
A história
Quanto a Henriqueta, não constavam muitas informações na lápide além do nome e as datas de nascimento e morte, contudo, todos conheciam a sua história.
Ela foi uma bela jovem, de cabelos negros, traços finos e pele delicada, órfã de pai e mãe, sem parentes, que trabalhou por alguns meses como doméstica na casa do rico coronel Fagundes. Acontece que, por ser muito ingênua, Henriqueta se apaixonou pelo filho do mandatário local, de nome Joaquim Fagundes. Dessa relação, resultou uma gravidez.
Quando a gestação de Henriqueta se tornou do conhecimento da família de Joaquim, ela foi expulsa da casa. O homem a quem amava não teve consideração por ela. Diante de tanto sofrimento, desalento e dor, a jovem, mesmo grávida, decidiu morrer pela própria mão.
Pela forma como pereceu, ela não teve velório nem pode ser sepultada no cemitério – “solo sagrado”. Os moradores da época então lhe enterraram às margens da estrada, zelando ano após ano, década após década, século após século, pela derradeira morada da mulher injustiçada.
De volta ao presente
Talvez por causa da triste história, Miguel se compadecia e sempre parava ali, com flores. Solteiro e sem filhos, apesar dos seus 35 anos, ele ficava concentrado, absorto nas próprias ideias e devaneios.
- Ela foi uma mulher esplendorosa.
A voz atingiu os ouvidos de Miguel que saiu do seu devaneio e se deu conta da presença de um moço ao seu lado. Não havia notado a chegada do estranho. O engenheiro franziu o cenho e olhou para ele.
O homem vestia uma roupa preta, fora de moda, parecia bem antiga, e era muito branco com cabelos pretos. Não havia nenhum veículo parado na estrada além do que Miguel andava. “Como terá chegado aqui?”, pensou.
Miguel virou-se para o túmulo e disse: - Acredito que tenha sido mesmo.
Os dois ficaram parados diante do túmulo por alguns segundos sem dizer nada. A temperatura caiu um pouco naquela manhã ensolarada. Até que o estranho disse.
- O sofrimento que a abateu foi insofismável.
- De fato! – Concordou Miguel – O sujeito que a abandonou foi um grande canalha!
- Talvez ele também tenha sofrido em demasia por ela – retrucou o homem.
- É provável que não. Na certa, não a amava, não a merecia. Ele a abandonou, a deixou morrer! – Despejou Miguel.
- O senhor parece ser um homem inteligente, mas julga sem conhecer os fatos em sua completude.
- Conhecer os fatos? O que mais há para conhecer? Ele não foi digno dela! Nem deve ter chorado! – Disse Miguel inicialmente olhando para o homem e depois virando-se para o túmulo.
Após alguns segundos de silêncio o homem estranho disse:
- Eu choro até hoje...
Miguel fechou a cara e pensou “Que palhaçada é essa?”.
- Mas ao se virar para o lado, não havia mais ninguém.
“Joaquim Fagundes?”, pensou!
Um arrepio correu pelas suas costas e seu coração acelerou. Um suor frio brotou pelo seu corpo, Miguel olhou para todos os lados, e não viu mais ninguém. Havia dialogado com uma alma penada? Ou estaria ficando louco?
Tomado por um grande mal-estar, decidiu ir embora. Saiu caminhando lentamente, virou-se para o túmulo uma última vez e sussurrou: eu volto depois.
Enquanto entrava no carro, Henriqueta, parada ao lado do juazeiro, o contemplava com uma expressão de dor.