CIDADE MORTA
Há meses que tudo o que Olga Kruchenko vê são destroços e corpos congelados...
Entre as ruínas do que havia sido um belo teatro ela se arrasta de maneira furtiva em busca de mais um nazista.
Seu corpo sente a inatividade forçada. Ela procura mexer lentamente os pés e as mãos. É importante que seus membros não fiquem dormentes. Seus movimentos são lentos e calculados, nada de gestos bruscos. É vital que ela não denuncie a sua posição. Sente o incômodo causado por uma pedra roçando em sua coxa direita, mas finge para si mesmo que é bobagem.
Calma e paciência é só o que lhe restam agora, mesmo sabendo que uma bala nazista pode acabar com a sua vida a qualquer momento. Ela havia sobrevivido a bombardeios, tiros, ao frio e a fome. Viu suas camaradas morrerem uma a uma. Para ela o dia seguinte nunca foi uma certeza.
Seu estômago ronca com fome, porém ela ainda não pensa em fazer uso da pouca ração que trouxera. Calcula que deve estar ali naquela posição a mais de oito horas. "Tenha paciência Olga, logo você terá a oportunidade de mais um tiro", ela repete mentalmente para si.
Seus olhos procuram observar qualquer movimento que indique a posição do inimigo. “Um tiro, uma morte!” ela lembra da frase preferida de seu instrutor.
Lentamente ela levanta o pescoço e, para sua surpresa, divisa a poucas centenas de metros uma coluna alemã. Seu coração dispara diante da possibilidade de mandar mais um nazista para o inferno. Seus olhos se estreitam atrás da mira: oficiais tem prioridade...”Um tiro, uma morte!”
Seu coração dispara! Instintivamente ela passa a mão na feia cicatriz em sua face direita. Ela reconhece o oficial que comanda a coluna. Foi o mesmo que há dois anos atrás havia massacrado a sua cidade e cortado o seu rosto.
- “Segura ela direito que vou cortar a cara dessa vadia comunista”.
O cheiro de bebida que se misturava ao odor que emanava da farda do oficial alemão ficou marcado para sempre em sua mente. A dor havia sido lancinante. Seus gritos se misturaram com as lágrimas e o sangue que escorreu de sua face destroçada.
E agora ela tornava a encontrá-lo!
Nunca o oficial ideológico de seu pelotão poderia saber que, para aquela atiradora, o fato de ter sido a única a escapar do massacre de sua aldeia devia-se muito mais a uma intervenção divina do que ao avanço do exército vermelho. E agora o bondoso Deus colocava novamente aquele monstro nazista em seu caminho. Só que dessa vez ao alcance de sua arma...
Ela posiciona bem o seu fuzil Mosin-Nagant. Pela mira ela divisa o horrível rosto avermelhado de seu inimigo. Observa que ele grita ordens aos seus comandados. Será a última vez que ele gritará ordens e também nunca mais irá destroçar o rosto de uma mulher.
A mira está posicionada bem entre os olhos do oficial nazista. Seu coração dispara. Em breve sua cabeça irá explodir...
Em um átimo de tempo tudo some de repente.
- Chega por hoje! - subitamente a imagem da sniper soviética desaparece quando o aparelho é subitamente desligado - Tu passas mais tempo na frente da porcaria desse jogo do que vivendo.
- Ah, mãe! Eu ainda não tinha chegado no chekpoint. Agora vou ter que começar tudo de novo! Poxa, vou morrer um monte de vezes...
- Não tem cheque e nem ponto e tu também não vais morrer. Vá brincar lá fora que é melhor pra ti!
Dona Cláudia falou isso e voltou para cuidar de seus afazeres domésticos. Lá fora a manhã estava ensolarada e Zezinho procurava algum coleguinha para brincar.