Um lugar onde Deus não ouve

Ao despertar, contemplei o relógio junto à minha cama; era chegada a hora de erguer-me e preparar-me para mais um dia de trabalho. O ponteiro já ultrapassava as 5 horas da manhã. Ergui-me, dirigi-me à cozinha e preparei um café reconfortante. Após desfrutar da minha bebida matinal, entreguei-me ao banho, vesti uma indumentária elegante e abri a porta para, enfim, dar início a mais uma jornada produtiva. Contudo, ao adentrar o limiar de minha morada, algo me pareceu fora do comum. A escuridão reinante insinuava que o relógio marcava apenas 4 horas; não havia um mínimo sinal do alvorecer. Verifiquei todos os relógios em minha residência, e todos apontavam 7 horas. Sem hesitação, encaminhei-me ao meu destino.

Após percorrer alguns metros na penumbra que mal me permitia discernir os contornos ao redor, deparei-me com uma figura. Sentado numa cadeira à beira da calçada, alguém se fazia presente. Ao aproximar-me, pude ouvir um assobio proveniente desse ser; um assobio que se assemelhava a uma melodia fúnebre. Prossegui minha caminhada e consegui identificar a identidade desse ser. Com a visão periférica aguçada, tentando dissimular minha curiosidade, constatei ser um ancião encurvado de tal maneira que sua coluna formava uma curva acentuada. Sua aparência denotava uma idade de pelo menos 100 anos.

— Jovem, o que o traz aqui nesse adiantado horário da noite, tão solitário? — indagou o ancião.

— Estou a caminho do trabalho; já são mais de 7 horas — respondi.

— Diga-me: o que saboreou no almoço de ontem?

Refleti, mas em vão, pois não consegui recordar, e o ancião prosseguiu:

— Venha até mim.

Eu nunca havia sentido tanto temor em toda a minha existência, no entanto, aproximei-me e o ancião começou a rir descontroladamente. Afastando-me, tomado pelo medo, iniciei uma caminhada apressada, buscando afastar-me o máximo possível daquele velho.

Após vários minutos de caminhada, encontrei-me novamente no mesmo local onde havia avistado o ancião. Teria dado a volta? Por que retornaria ao mesmo ponto? O velho permanecia na cadeira.

— Jovem, o que o traz aqui nesse adiantado horário da noite, tão solitário? — indagou o ancião.

Aproximei-me e questionei:

— O que está acontecendo? Quem és tu?

— Excelente pergunta, jovem.

O ancião ergueu-se, posicionou-se diante de mim, fitou-me nos olhos, pousou uma de suas mãos em meu ombro e, com a outra mão, retirou uma faca do bolso e desferiu um golpe em meu fígado. O sangue começou a escorrer, e o velho voltou a rir descontroladamente, como antes, como um insano, proferindo:

— Não temas, não perecerás.

O sangue cessou, meu corpo se curou, não senti dor alguma.

— Não morrerás, pois já estás morto — afirmou o ancião e prosseguiu: — Estás no caminho do inferno, jovem.

Sem reagir de imediato, sentei-me no meio-fio, tornando-me pálido. A situação era excessivamente estranha, porém não parecia ser falsa; acabara de ser apunhalado e, em instantes, meu corpo estava ileso. As lágrimas brotaram, pois não recordava quem eu era; as lágrimas fluíram em meio à confusão que me envolvia.

Após alguns minutos, pálido, contemplando a escuridão do céu, dirigi meu olhar ao ancião e questionei por qual motivo eu estava destinado ao inferno. O velho respondeu-me:

— Quando se morre, não se recorda de nada. Pode-se até acreditar que se lembra, que se trabalhava em determinado lugar, que se tinha certa vida, mas isso não é real. Não se recorda quem se foi ou quais foram os pecados cometidos, e não se recordará. Este é um dos castigos reservados aos pecadores mais excedentes. Sofrerá no inferno sem saber o motivo.

— Mas não poderei saber sequer como faleci? — indaguei.

— A única coisa que poderá saber é que foi um pecador e pagará por isso por toda a eternidade.

— E se você está aqui, também será condenado? — questionei.

— Não sei, mas creio que sim. Talvez Deus me tenha deixado aqui para receber os recém-chegados. Permaneço aqui há tanto tempo, testemunhei milhares de pessoas como você chegando e partindo, mas eu permaneço. Talvez minha hora ainda não tenha chegado.

O ancião tomou assento em sua cadeira e indagou: — Teme o inferno?

Aquela era a pergunta mais tola que já ouvira. Ergui-me, enxuguei minhas lágrimas e pus-me a caminhar. Desejava afastar-me daquele velho a todo custo.

Após alguns minutos, retornei ao mesmo local. Não havia para onde ir; aquele mundo resumia-se àquele lugar. Não podia regressar à casa onde estivera, não restava mais nada.

Distanciei-me do velho e refleti sobre o que teria feito para ser lançado ao inferno, porém nada me ocorria.

Ajoelhei-me no chão, cerrei os olhos e proferi em voz alta:

— Ó Deus, meu Pai celestial. Desconheço meus atos passados ou minha verdadeira essência, mas rogo por vossa clemência. Perdoai-me pelos pecados cometidos, concedei-me uma oportunidade única de redenção. Prometo tornar-me alguém melhor, alguém que jamais fui. Não me relegueis ao inferno. Imploro-vos.

O ancião escutou meu apelo a Deus e aproximou-se de mim com estas palavras:

— Todos fazem isso, mas acredite, não surte efeito. O arrependimento só poderia ser ouvido em vida. Aqui, nem mesmo Deus te ouve. Talvez a razão de não recordarmos de nossa vida seja exatamente essa: a impossibilidade de arrependimento. Como poderíamos nos arrepender de algo do qual não temos lembrança?

Permaneci de joelhos e dirigi-me ao ancião:

— Se eu soubesse quais foram meus pecados, compreenderia a decisão de Deus e seguiria para o inferno sem hesitar.

O ancião ergueu os olhos para o céu e proclamou: — Em breve, a escuridão que encobre o céu dará lugar ao rubro-sangue, a terra se abrirá e servos de Lúcifer surgirão para te buscar; para conduzi-lo à sua nova morada. Lamento, jovem.

— Como imagina ser o castigo no inferno? — indaguei.

— Talvez seja personalizado para cada indivíduo. Cada pessoa possui seus próprios temores, os quais podem ser utilizados como forma de castigo. Pode ser dor mental, física ou ambas. Aqui, não se sente dor física porque está em um estágio de preparação para sua nova morada. Talvez seu pecado acarrete uma forma distinta de penitência em relação aos demais pecados. As possibilidades são vastas.

Levantei-me, respirei profundamente, inclinei a cabeça para o céu, cerrei os olhos e murmurei mentalmente: "Este não é meu lugar".

Enquanto ponderava, ouvi ruídos, abri os olhos e testemunhei o céu transformar-se em tons de rubro-sangue; o solo começou a tremer e se abrir; os servos de Lúcifer emergiram e se aproximaram de mim. Era o fim.

Novamente cerrei os olhos, ajoelhei-me e clamei a Deus, prometendo tudo o que fosse possível se ele me ajudasse, se me perdoasse.

O silêncio envolveu o ambiente. Acreditava que Deus havia ouvido minhas preces. Abri os olhos e ali estava eu, imerso na profunda escuridão, deitado, com dificuldade para respirar, aprisionado em um caixão, a seis pés abaixo da superfície.

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Conto publicado na antologia "Réquiem: Preces para os mortos"

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