Eric viu os homens pintando calmamente, pedaço por pedaço, o ferro daquela grade da antiga casa.
– Finalmente… Atropelaram esse muro em 2021!
Quase todas as noites (melhor que fossem as que não fizessem frio), Eric se sentava em frente ao casarão e ficava encarando as estátuas. “São anjos?”, “Demônios?”, “… e por que fizeram os leões menores que eles? Meu gato é maior que esses leões!”. Pelo menos uma vez na semana sentia uma espécie de “necessidade” de estar lá, diante da casa. E junto daquelas estátuas.
Naquele dia já passava das três da manhã, ele estava cansado e estava com sono, só não queria dormir. Algo o mantinha encarando a estátua, havia outras mas Eric queria aquela. “querer…? QUERER ela?!” Eric encarou a estátua virando a cabeça de lado como uma criança curiosa, ele não conseguia piscar. De repente viu – ou, ao menos, teve a certeza de que estava vendo – a estátua se mexer também... virando a cabeça e o rosto em sua direção. Quando não se mexia, durante o dia, o fato de não ter olhos não causava agonia em ninguém; mas agora, ali se mexendo…Eric teve a certeza de que aquilo era não era bom. Era diabólico. E seu sorriso em seguida provava uma terrível má intenção quanto a ele e quanto a qualquer coisa daquela cidade. Eric se levantou do banco esfregando os olhos e quando olhou novamente, a estátua estava agachada com as duas mãos no queixo, rindo. Eric correu. Deveria ter corrido pra casa, mas era uma pessoa que não conseguia ficar bem, se não conseguisse uma “resolução” de um problema. Mesmo que essa resolução fosse um desastre. Andou até a lateral do casarão, onde ficavam praticamente todos os gatos da rua. “Os gatos… Eles podem me proteger…”, pensou sem muita certeza. Quando chegou na lateral, todos os gatos estavam acordados de olhos abertos, na mesma direção onde estava a estátua.
Eric não conseguia entrar durante a noite. Não havia ninguém. Talvez algum segurança estivesse do outro lado da casa dormindo e com certeza, chamaria a ambulância se escutasse um cara falando sobre estátuas possuídas que se mexem às três da manhã (e ainda por cima, pondo os gatos da rua como testemunhas oculares). “Será que devo olhar outra vez??”, pensou. Voltou correndo para o banco da praça onde estava, evitando qualquer tipo de olhar. Se sentou na posição em que se sentava todos os dias, pôs o fone de ouvido que tocava a música “The Other Woman” de Lana del Rey e abriu os olhos. A estátua nem estava mais lá… Agora estava na frente da casa sentada no meio-fio, com aquele mesmo riso sacana de antes. "É ISSO...!". Eric percebeu que cada vez que piscava os olhos, a estátua se aproximava ainda mais. Parou de piscar... Ao menos, tentou. Mesmo com o ar gelado que fazia seus olhos arderem. Não piscava e mais uma vez foi até a lateral da casa. Só que dessa vez, Eric foi devagar e sem tirar os olhos da estátua. Algumas vezes vacilava e a estátua se aproximava mais um pouco. Estava assombrado e literalmente passando mal de sono.
Talvez tenha dormido por uns dez segundos ou mais. Quando abriu os olhos estava com a mão enfiada num buraco. Não era um buraco qualquer... Aquela casa tinha sido uma espécie de “prisão provisória” numa época em que havia garimpo e comércio de escravos na cidade. E os “buracos” eram os espaços por onde os presos podiam respirar. Agora, nos dias recentes... Saía ódio dali de dentro. A mão de Eric estava presa dentro de um deles e a estátua estava do outro lado da grade, juntamente com os gatos, acariciando alguns, que não podiam – como ele tinha pensado – defendê-lo de coisa alguma, malmente conseguiam discernir um humano de uma estátua. Desesperadamente Eric tentou puxar, mas viu que cada vez que tentava, a estátua chegava mais perto e ele sentia-se ainda mais preso. Agora a estátua estava frente a frente com Eric, segurando as grades e sorrindo. Eric perderia o braço se continuasse tentando puxar. Começou a pensar que estava prestes a perder a vida também... Não conseguia mais ficar de olhos abertos…
– O que vai acontecer se eu dormir…? Ei!! Responda!
– …
– Você fala?! VOCÊ PODE FALAR?!! A estátua riu, sua voz era parecia ser a mistura de várias vozes, masculinas e femininas. Eric não aguentou mais... fechou os olhos e dormiu um sono tranquilo. Talvez o sono mais tranquilo que já teve na vida. Depois de algumas horas dormindo. Antes de amanhecer… A estátua o matou.
Seu braço fora arrancado, mas isso não o despertou. Continuou dormindo numa morte serena. Eric foi perdendo sangue até falecer. Seu corpo foi encontrado no dia seguinte e como em toda cidade pequena: A tristeza vinha acompanhada pela felicidade de se haver assunto. Um assunto tenebroso, porém... Um assunto. Um momento. Um movimento... Uma morte esquisita, de um cara esquisito, que gostava de roupas e músicas esquisitas. O braço decepado e um curioso "quase-sorriso" no rosto. Aquele "quase-sorriso" que podemos ver corriqueiramente em crianças de colo deitadas no berço, quentinhas... embaladas e protegidas… destemidas.