Realize seu desejo
Já fazia um bom tempo que Lucinda estava tendo novamene aquele sonho que costumava ter quando era criança, no qual ela andava por um túnel escuro e uma voz lhe dizia:
-Venha para mim, Lucinda. Você pertence a mim.
Ela chegara a contar à mãe mas a mãe lhe dissera:
-Você devia simplesmente orar para não ter mais esses sonhos, Lucinda. Sabe que o Inimigo pode nos tentar através dos sonhos.
Lucinda dava de ombros. Quando criança, costumava se assombrar mas agora, que era uma estudante universistária, achava que não podia levar a sério as crenças da mãe, que era evangélica. Também não queria saber dos papos do pai, que havia sido ateu e recentemente estava voltando a se aproximar da crença católica de sua família. Ela tinha certeza de que religião não servia para nada.
-Deus nenhum me ajudou quando eu mais precisei, Léo. Dizia para seu gato amarelo.
Ela estava tendo uma vida muito ocupada como estudante de Comunicação Social, curso do qual seus pais não gostavam. O pai sempre quisera que ela fosse professora e a mãe, enfermeira. Porém, ela tinha horror a escolas e hospitais e queria atuar na área de Comunicação.
Naquele momento, em um dos corredores da faculdade, ela ouviu duas moças falando:
-Ouviu falar do jogo sinistro que dizem que a gente tem que acessar o site à meia-noite?
-Que jogo?
-Dizem que é o site realize seu desejo. Falam que a pessoa pode pedir qualquer coisa, só que não é de graça. Tem que dar algo em troca. Eu não acredito, claro, senão eu pediria para melhorar minhas notas.
Lucinda fingiu que não prestava atenção mas achou interessante. Seria um jogo tipo o Baleia Azul?
“O que não inventam na Internet.” pensou.
A moça teve um dia cheio e, como era de se esperar, depois do almoço foi estudar até à hora do jantar. Ela gostava muito do curso. À hora do jantar, o pai e a mãe conversaram sobre amenidades dizendo que a juventude estava perdida por causa dos jogos da Internet e, na televisão, passou algo que chamou a atenção de Lucinda:
- Pessoas estão falando do site www.realizeseudesejo.com, o qual falam que a pessoa acessa à meia-noite e pede qualquer desejo.
-Que horror! - falou a mãe - as pessoas, em vez de se apegar a Cristo, ficam se apegando a essas coisas que com certeza são do demônio.
-Hoje, o povo esqueceu de Deus. Veja nossa filha, que não quer mais ir às igrejas.
A moça respondeu educadamente:
-Pai, cada um faz suas escolhas na vida.
O pai rebateu com amargura:
-Um dia, você vai ver como é ruim se afastar de Deus.
De repente, os três ouviram um barulho de animal sofrendo e correram para fora. Pelo portão, viram que um pitbull esganava Léo, o gato de Lucinda e que o dono apenas assistia. Lucinda não aguentou e gritou:
-Seu filho da puta! Seu cachorro miserável está matando meu gato!
A mãe apenas chorava e o pai olhava, impotente. Depois que o cão largou o gato, a mãe saiu e soluçou:
-Meu bichinho!
Lucinda contemplou o gato de olhos abertos, morto, com o sangue escorrendo pela boca. Não conseguia chorar, sentia apenas uma ira imensa, uma vontade de fazer justiça. O dono do cachorro foi embora zombando dos três.
No dia seguinte, a mãe prestou queixa na delegacia, o que deixou Lucinda muito satisfeita, pensando que o miserável teria uma boa punição. Ele não podia ficar sem punição por ter matado seu querido gato, que era seu companheiro inseparável e seu melhor amigo.
Porém, dias depois, quando Lucinda voltou da faculdade, viu que os pais a esperavam e a mãe contou:
-Querida, preciso contar que os pais do rapaz vieram aqui e conversaram conosco.
-E...?
-A mãe do rapaz é hipertensa e o pai já tem ponte de safena. Bem, um processo seria demais para eles. Então, eu concordei em retirar a queixa. Além disso, por que arrumar inimigos por causa de um gato?
Desta vez, Lucinda se enfureceu e esbravejou, lágrimas de raiva correndo por sua face.
-Mãe, como você foi capaz?
-Querida, nós temos que perdoar como Jesus Cristo nos ensinou.
-Nunca vou perdoar àquele infeliz! Mãe, vou dizer uma coisa: ainda bem que eu saí da igreja evangélica! Como você pode ser tão fraca?
O pai falou:
-Lucinda, deixe disso.
Revoltada, Lucinda se trancou no quarto e, da sua janela, olhou a cova que fizera para seu gato. Ela mesma o enterrara.
-Não era apenas um gato! Era meu gato! O desgraçado deve estar agora rindo da nossa cara por causa da fraqueza dos meus pais! Perdoar? Se eu nunca perdoei os que fizeram bullying comigo no passado, vou muito perdoar quem matou meu pobre gato que nunca fez mal a ninguém!
Lucinda não conseguiu estudar mas, à noite, jantou normalmente com os pais e então lembrou do site “realize seu desejo.”
“Será verdade?” pensou. Se fosse verdade, o que ela faria? Ela poderia desejar algo terrível para o dono do pitbull. Veria se tinha de pagar algo. Não custava tentar.
Esperou pacientemente dar meia-noite e foi se sentar diante do computador, acessando o Google.
-Será que é verdade?
Sentiu um calafrio mas seguiu adiante, digitando “realize seu desejo” e grande foi sua surpresa ao ver o site ““www.realizeseudesejo.com.” Imediatamente, entrou no site e viu o link “digite seu nome.” Digitou seu nome e logo veio o link: “o que você deseja?” Digitou: “quero que o desgraçado que colocou o pitbull dele para matar meu gato tenha uma morte horrível.”
Quase imediatamente, o ar ficou carregado e frio embora fosse tempo quente, Lucinda viu uma sombra se delineando entre as outras sombras que se formavam na escuridão e dois olhos vermelhos se fixaram nela. Uma voz grave e autoritária perguntou:
-É isso mesmo o que você quer?
Disfarçando o medo que sentia, Lucinda balançou afirmativamente a cabeça.
-Sim, é o que quero.
-Tem que me dar algo em troca. O que você me pede é fácil, faço num instante, mas não posso fazer de graça. O mundo espiritual nunca dá nada sem receber em troca.
A moça sussurrou:
-Posso dar meus cabelos.
-Eu quero algo mais.
Depois de pensar um pouco, Lucinda decidiu:
-Darei a minha alma, então. Quero justiça. Cansei dessa justiça dos homens, que nunca funciona e dessa justiça divina idiota, que nos manda perdoar quem nos fez mal!
A coisa riu e concordou:
-Já vi que você é decidida. Gostei de você. Darei o que me pede e, de agora em diante, já que sua alma me pertence, você poderá destruir quem você quiser.
Pela primeira vez, Lucinda riu e a coisa desapareceu. Em pouco tempo, a temperatura voltou ao normal e Lucinda estremeceu, esfregando-se e indo dormir.
Um mês depois, assistiam à televisão e Lucinda ficou pasma ao ver a notícia:
-O jovem Jean dos Santos foi violentamente atacado por seu próprio pitbull, que o mordeu na garganta, matando-o. O pai morreu imediatamente de ataque cardíaco e a mãe está desesperada. O animal foi recolhido e provavelmente será sacrificado.
A mãe e o pai ficaram horrorizados e Lucinda manteve o rosto inexpressivo, pensando: “Aqui se faz, filho da puta, aqui se paga.”
Ao ir dormir, Lucinda não conseguiu pregar o olho. Pensou no que a coisa dissera e no que ela prometera. Ela poderia destruir quem ela quisesse. Lembrou de seu antigo colega que fizera bullying com ela, Igor Assunção. Uma vez, ele inventara que a vira roubando da bolsa de uma colega. Lucinda deu um sorriso maldoso ao pensar na promessa da coisa. Ela lembrava bem de todos que haviam feito bullying com ela no passado. Nunca os perdoara e nunca os perdoaria. Olhou para o relógio. Ainda iria demorar para dar meia-noite. Mas ela tinha paciência. Igor Assunção seria o primeiro de quem ela se vingaria.
-Muito bem, Igor Assunção, prepare-se para o que eu vou fazer com você. Aqui se faz, aqui se paga. Como diz a lei de talião: “olho por olho, dente por dente”.