Dança dos Espíritos

Sinopse:

Na pequena cidade de São Clemente, há uma lenda antiga que poucos ousam mencionar. Nos arredores de uma floresta densa, uma antiga cabana, onde uma misteriosa dança dos espíritos é realizada a cada 33 anos, se ergue como um aviso sombrio. Aqueles que são atraídos pelo som da música macabra nunca retornam os mesmos, se é que retornam. Um grupo de amigos, dispostos a provar que a lenda é apenas superstição, decidem passar uma noite no local sem saber que ao romperem o silêncio da cabana, despertam forças antigas e malignas. O que era para ser apenas uma aventura se torna um pesadelo de sobrevivência, à medida que as almas dos mortos clamam por companhia na eterna dança.

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Dança dos Espíritos

Capítulo 1: O Chamado da Floresta

O som do vento soprava suave sobre as folhas, criando um sussurro inquietante, quase como um aviso. Clara estava sentada em sua pequena sala de estar, observando a lareira crepitar enquanto seus amigos riam ao redor da mesa. A conversa fluía naturalmente, até que Maria, com certo tom enigmático, mencionou uma lenda antiga da região.

— Vocês já ouviram falar da Dança dos Espíritos? — perguntou, sua voz carregada de mistério.

Fernando, namorado de Clara, ergueu uma de suas sobrancelhas.

— Ah, não me venha com essas histórias de novo, Maria. — Ele riu. — Somos adultos, lembra?

Maria deu de ombros, mas Clara percebeu o brilho estranho em seus olhos.

— Eu ouvi isso quando criança — continuou Maria. — Dizem que na floresta de São Clemente, há uma cabana onde espíritos dançam a cada 33 anos. Aqueles que ouvem a música são atraídos para a dança... e nunca retornam.

João, cético como sempre, riu alto.

— Isso é só superstição. Vamos, Maria, fantasmas? Danças místicas? Você já passou dessa fase.

Clara, por outro lado, estava intrigada. Ela era jornalista investigativa e histórias como essa sempre atiçavam sua curiosidade. A ideia de visitar a cabana para desmistificar a lenda começou a crescer em sua mente.

— Por que não vamos lá amanhã? — Clara sugeriu casualmente, surpreendendo todos. — Podemos investigar e talvez até fazer um vídeo para o meu canal. Mostramos que tudo não passa de uma bobagem.

Maria ficou séria. Seus olhos escureceram, e ela murmurou algo inaudível.

— Acho que não deveríamos brincar com isso...

A decisão já havia sido tomada. Clara, Fernando, João e até Maria, apesar de sua ressalva, se prepararam para a aventura.

Capítulo 2: O Caminho para a Cabana

A manhã seguinte estava nublada, e uma leve névoa cobria a estrada enquanto o grupo seguia em direção à floresta de São Clemente. O clima frio e úmido trazia uma sensação de desconforto, apesar disso, eles riam e conversavam, tentando ignorar a tensão crescente.

— Sabe, essa cabana já foi usada para rituais pagãos, segundo a lenda — disse Clara, lendo uma pesquisa em seu celular. — A dança dos espíritos é uma manifestação dos rituais antigos.

— Isso é ridículo! — retrucou João. — São só histórias para assustar crianças.

Mesmo assim, conforme avançavam pela trilha, algo na atmosfera mudava. O ar parecia denso, e os sons da floresta ficavam abafados. Maria, que estava mais calada do que o habitual, começou a olhar ao redor com apreensão.

— Alguém sente que estamos sendo observados? — ela perguntou, sua voz trêmula.

João deu uma risada curta.

— É só a sua imaginação, Maria. Não tem ninguém aqui além de nós.

A sensação ainda persistia.

Símbolos esculpidos nas árvores, quase invisíveis sob o musgo, chamavam a atenção de Clara, que tirou fotos e fez anotações. Cada passo na floresta adentrava mais fundo em um lugar que o tempo havia esquecido.

Finalmente, após horas caminhando, eles encontraram a cabana. Pequena e decadente, com tábuas apodrecidas cobertas de trepadeiras, quase engolida pela vegetação. As janelas estavam sujas e estilhaçadas, e a porta rangia prestes a desabar.

— Bom, aqui estamos — disse Clara, ajustando a câmera. — A lenda diz que essa é a cabana.

João balançou a cabeça.

— Não acredito que estamos aqui por causa de uma história boba.

Maria permaneceu em silêncio, com os olhos fixos na cabana. Algo estava errado, apesar de ela não conseguir explicar. Um sentimento de mal-estar se instalou profundamente em seu peito.

Clara abriu a porta com um empurrão, revelando o interior escuro e empoeirado. Tudo parecia abandonado há décadas. No entanto, havia algo estranho: no centro da sala, um velho gramofone repousava, intocado pelo tempo, como se estivesse esperando.

— Isso não deveria estar aqui — murmurou Fernando, caminhando até o objeto.

Sem pensar duas vezes, Clara girou a manivela do gramofone, curiosa para ver se ainda funcionava. Uma música antiga e estridente começou a tocar, ecoando pela cabana com um som que parecia mais um lamento do que uma melodia.

E então, as coisas começaram a mudar.

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Capítulo 3: A Cabana Viva

A música que saía do gramofone parecia se contorcer no ar, quase como se estivesse viva. O som, um tanto distorcido e arranhado pelo tempo, tinha certo efeito estranho sobre todos. Clara, que mantinha o olhar fixo no aparelho, sentiu um arrepio subir pela espinha.

— Isso é horrível — disse João, com olhar de repulsa, cobrindo os ouvidos. — Como isso ainda funciona?

Ninguém respondeu. Fernando olhava fixamente para o gramofone, hipnotizado pela melodia que se repetia em loops de notas agudas e perturbadoras. Clara, percebendo o silêncio dos amigos, olhou ao redor da cabana. A sala parecia ainda mais escura, fazendo parecer que a própria estrutura se fechasse ao redor deles.

— Vamos, desligue isso — pediu Maria, sua voz trêmula, dando passos para trás. Ela sabia, instintivamente, que aquela música não deveria ser ouvida. — Clara, por favor...

Antes que Clara pudesse fazer qualquer coisa, o som parou abruptamente, deixando um silêncio ensurdecedor no ar. A tensão na cabana ficou palpável, e a escuridão parecia se estender além do natural. De repente, o chão sob os pés de Maria começou a ranger, algo se movia por baixo da madeira envelhecida.

Fernando recuou alguns passos, o rosto pálido.

— Vocês ouviram isso? — ele perguntou, tentando parecer calmo, mas seus olhos estavam arregalados de pavor.

Inesperadamente, as paredes da cabana pareciam respirar. O teto movia sutilmente, como se fosse uma pele viva. As velas que Clara tinha acendido na chegada começaram a piscar e a arder em uma luz bruxuleante, lançando sombras que se estendiam e dançavam nas paredes como figuras humanas.

— Isso... não pode ser real — murmurou João, a descrença começando a desmoronar à medida que as sombras ao redor deles ganhavam forma e movimento.

Foi então que Maria gritou. Seus olhos fixados em uma figura no canto da cabana — uma sombra com a forma humana, mas seus contornos eram distorcidos. A sombra se moveu, dançando com uma graça macabra, e logo outras surgiram em todos os cantos da cabana.

A Dança dos Espíritos havia começado.

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Capítulo 4: A Dança Maldita

A atmosfera na cabana se tornou sufocante. Clara podia sentir o ar ficando pesado, e seu coração disparou no peito. As sombras dançavam numa graça macabra, rodopiando ao som da música que ainda ecoava em sua cabeça, embora o gramofone estivesse mudo. Era como se a melodia estivesse impregnada nas paredes, no chão, e até em seus ossos.

— Precisamos sair daqui! —Fernando gritou, correndo em direção à porta, e ao tentar abri-la, ela estava trancada. Não havia cadeado, não havia trava visível e mesmo assim a porta simplesmente não cedia.

— Não podemos sair — Maria exprimiu, sua voz distante parecendo em transe. Seus olhos estavam vidrados, seguindo o movimento das sombras. — Elas querem que dancemos...

Antes que alguém pudesse reagir, Maria começou a se mover. Seus pés, antes hesitantes, agora deslizavam pelo chão da cabana em movimentos fluidos, como se fosse conduzida por uma força invisível. Ela girava e rodopiava, seus braços movendo com precisão assustadora, acompanhando estranha coreografia há muito esquecida.

— Maria! Pare! — Clara gritou, correndo até a amiga, entretanto algo a impediu de tocá-la. Parecia haver uma barreira invisível entre elas, e Clara foi jogada para trás com força.

João tentava manter a compostura, mas o pânico estava evidente em seus olhos.

— Isso não é possível, isso é algum tipo de alucinação! — Ele falava para si mesmo, agarrando-se à lógica que o mantinha são. — Não existe isso de espíritos... não existe!

De repente, uma das sombras se aproximou de João. Ela estendeu sua mão esquelética na direção do rapaz, e antes que ele pudesse reagir, foi agarrado pelo tornozelo. A sombra puxou-o com força, arrastando-o para o centro da sala, onde as outras sombras giravam em sua macabra dança. João gritou, tentando lutar, era inútil. As sombras o envolviam como uma onda de escuridão.

Clara, desesperada, tentava encontrar uma saída. Seus olhos buscaram alguma janela, alguma forma de fuga, não obstante tudo estava trancado, selado pelo mal que habitava aquele lugar. E então, ela ouviu a voz de Maria, distante, quase em um sussurro.

— Elas querem que façamos parte da dança... para sempre...

Fernando, que até então estava tentando forçar a porta, parou e olhou para Clara. Seus olhos cheios de medo, e havia algo mais — uma vontade sombria.

— Clara — ele começou, a voz tremula. — Acho que não vamos sair daqui.

O desespero tomou conta de Clara. A cabana, com suas paredes vivas e sombras dançantes, parecia ter vontade própria. Era um organismo maligno, alimentado pela dor e pelo medo de suas vítimas. E agora, eles faziam parte desse ciclo macabro.

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Capítulo 5: O Pesadelo de Fernando

João estava paralisado pelo terror enquanto as sombras o arrastavam para o centro da cabana. Sua mente se recusava a aceitar o que estava acontecendo; fantasmas, espíritos, isso não era real... não podia ser. Mas a dor era real. A mão fria da sombra apertava seu tornozelo, queimando sua pele como gelo.

— Me soltem! — Ele gritou, chutando com força. Foi inútil. As sombras envolviam seu corpo, prendendo-o em uma dança macabra e distorcida.

De repente, ele começou a ter visões. A cabana desapareceu de sua vista, onde foi jogado em um lugar sombrio e enevoado. Estava de volta à floresta, mas não a mesma floresta que havia conhecido. As árvores torcidas e grotescas, e o chão coberto por uma névoa densa. Ao seu redor, podia ouvir risadas, sussurros e o som distante da mesma música que ouvira antes.

João correu. Ele não sabia para onde, só precisava fugir. Porém, não importava o quanto corresse, ele sempre voltava ao mesmo lugar — uma clareira no meio da floresta, onde figuras humanas dançavam em um círculo, suas formas esqueléticas se movendo ao som da música invisível. E então, ele os viu: seus amigos, presos naquela dança eterna, suas expressões congeladas em uma mistura de dor e aceitação.

— Clara... Fernando... Maria... — ele sussurrou, horrorizado.

Foi quando ele entendeu. A cabana não era apenas um lugar e sim uma prisão, uma entidade viva que absorvia suas vítimas, mantendo-as em um ciclo interminável de dor e sofrimento. Ele estava preso ali agora.

De repente, a floresta começou a desmoronar ao seu redor, as árvores se partindo como vidro. O rapaz gritou, tentando escapar, mas não havia para onde correr. João foi sugado de volta à cabana, onde as sombras esperavam, prontas para envolvê-lo na escuridão.

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Capítulo 6: Desespero e Revelações

Clara olhava horrorizada enquanto João desaparecia nas sombras, seus gritos ecoando pela cabana. O desespero crescia em seu peito. Ela precisava encontrar uma maneira de sair dali antes que todos fossem consumidos pela maldição.

— Fernando, ajude-me! — Ela gritou, mas Fernando permanecia imóvel, os olhos fixos na porta, como se tivesse aceitado seu destino. Clara correu até ele, sacudindo-o pelos ombros. — Não podemos desistir! Precisamos sair daqui!

Fernando finalmente olhou para ela, seus olhos estavam vazios, de modo que algo dentro dele já tivesse sido arrancado.

— Não há saída, Clara... A cabana... ela não deixa ninguém sair.

Clara sentiu um nó na garganta. Não podia acreditar que ele estivesse desistindo tão facilmente. Então, seus olhos caíram sobre Maria, que ainda dançava com os espíritos, seu corpo cada vez mais parecia ter movimentos erráticos e inumanos.

— Maria! — Clara correu até a amiga, tentando quebrar o transe. — Pare! Você precisa parar!

Ao se aproximar, Clara sentiu uma onda de frio atravessar seu corpo. A própria cabana pareceu empurrá-la para longe, forçando-a a observar enquanto sua amiga sucumbia ao controle dos espíritos. Desesperada, Clara olhou ao redor em busca de algo, qualquer coisa, que pudesse usar para ajudar. Foi quando ela notou algo gravado no chão da cabana: símbolos antigos, semelhantes aos que vira nas árvores durante o caminho.

Ela se ajoelhou, passando a mão sobre as marcas, tentando entender o significado.

— Isso... isso é um ritual... — murmurou para si mesma. — Talvez possa quebrar a maldição.

O som da música parecia intensificar, como se a própria cabana estivesse reagindo à sua descoberta. Clara se levantou rapidamente e correu até o gramofone, que estava silencioso, mas ainda carregava o peso da música em seu entorno. Ela tentou desligá-lo, não obstante, não havia alavanca ou botão visível. De forma que o aparelho fosse uma extensão da própria cabana.

— Clara, o que você está fazendo? — A voz de Fernando soou fraca e sem esperança.

— Tentando acabar com isso! — Ela respondeu, lutando contra a crescente sensação de pânico. — Essas marcas são parte de um ritual. Acho que podemos desfazer isso... preciso da sua ajuda!

Fernando hesitou, mas ao ver o desespero nos olhos de Clara, finalmente se moveu. Juntos, começaram tentar raspar as marcas do chão, apagando os símbolos com suas mãos e qualquer objeto que pudessem encontrar.

Enquanto isso, Maria parou de dançar. Sua respiração estava irregular, e seus olhos fixados em algo invisível no teto da cabana. Clara olhou para cima, seguindo o olhar de Maria, e viu o que parecia ser uma figura gigantesca, feita de sombras, observando-os com olhos vazios.

A música aumentou de intensidade, soando um grito final de agonia.

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Capítulo 7: A Revelação Final

A figura sombria pairava no teto, suas formas disformes se contorcendo enquanto observava Clara e Fernando. A tensão era quase insuportável. Clara podia sentir o peso da presença maligna pressionando seu peito, tornando difícil até respirar. Naquela situação não havia tempo para hesitar.

— Rápido! — Clara gritou para Fernando, enquanto ambos continuavam a raspar os símbolos do chão da cabana. — Temos que apagar todos antes que...

Antes que ela pudesse terminar a frase, um som ensurdecedor ecoou pela sala. O gramofone, que até então estava silencioso, explodiu em uma cacofonia de notas distorcidas e agonizantes. A música não era apenas um sussurro sombrio no fundo; agora, ela parecia viva, invadindo o espaço com uma força dominadora.

Maria, que havia parado de dançar, foi subitamente lançada no ar por uma força invisível. Seu corpo flutuava no centro da sala, erguida por mãos espectrais. Seus olhos estavam arregalados, a boca aberta em um grito silencioso, enquanto seus membros eram forçados a mover-se novamente em uma dança grotesca.

— Maria! — Clara gritou, já sabendo que sua amiga estava além de qualquer ajuda.

As sombras se agitaram ao redor deles, cada vez mais rápidas e agressivas, como predadores esperando o momento certo para atacar. Fernando tentava apagar os símbolos o mais rápido que podia, mesmo com o medo claramente tomando conta dele.

— Clara! — Ele gritou, os olhos arregalados. — Não vai funcionar! Eu sinto que estamos sendo vigiados... algo está... está nos prendendo!

Clara olhou ao redor freneticamente, tentando entender o que estava errado. Os símbolos eram parte do ritual, no entanto havia algo além, algo que ela ainda não havia descoberto. Foi quando seus olhos se fixaram no gramofone novamente. Encontrou um símbolo esculpido nele, diferente dos outros.

O coração da maldição.

— É o gramofone! — Clara gritou. — Precisamos destruí-lo!

Sem pensar duas vezes, Fernando correu até o gramofone e o agarrou com ambas as mãos. Era pesado e parecia quase preso ao chão, usou toda sua força erguendo-o. As sombras ao redor deles começaram a gritar, um som terrível e agonizante que fez os dois se encolherem. Como se o próprio mal estivesse sendo arrancado de suas raízes.

Num esforço final, Fernando jogou o gramofone no chão com todo seu vigor. O aparelho se quebrou em mil pedaços, e o som cessou imediatamente. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor, preenchido apenas pela respiração pesada de Clara e Fernando.

As sombras hesitaram, bem como perdendo força, começando a se dissipar lentamente no ar.

— Conseguimos! — Falou Fernando, caindo de joelhos.

Mas Clara sabia que ainda não tinha acabado. Algo estava errado. A figura sombria no teto ainda estava lá, observando-os com seus olhos vazios. A cabana ainda continuava viva.

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Capítulo 8: A Oferta

O ar na cabana estava denso com uma presença maligna, e mesmo com o gramofone destruído, Clara sentia que o pior ainda estava por vir. A figura sombria no teto começou a descer, suas formas nebulosas se aglomerando no centro da sala. Ela crescia em tamanho e força, enquanto os restos das sombras dançantes eram absorvidos por ela.

Maria, que ainda flutuava no ar, caiu no chão com um baque seco. Seu corpo, agora imóvel, parecia ter sido drenado de qualquer vida ou vontade. Clara correu até ela, tentando acordá-la, mas foi em vão. Sua amiga estava presa em um sono profundo, talvez já perdida para sempre.

— Clara... — murmurou Fernando, sua voz cheia de medo. — O que é essa coisa?

A figura se aproximou, criando forma diante deles. Já não parecia apenas uma sombra sem contornos. Agora, tomando forma de mulher, com um corpo esguio e longos cabelos negros flutuando ao redor de sua cabeça como serpentes. Seus olhos, vazios e brilhantes, estavam fixos em Clara.

— Vocês interromperam a dança... — a voz da figura era um sussurro frio, mas suas palavras ecoavam na mente de Clara como uma sentença de morte. — Agora terão que pagar o preço.

Clara recuou, o coração disparado.

— O que você quer de nós?

A figura inclinou a cabeça, seus olhos vazios brilhando com uma luz sinistra.

— A dança exige almas. — Ela sorriu, um sorriso cruel e distorcido. — Vocês devem escolher. Uma alma deve ficar... ou todos morrerão.

A realidade da oferta atingiu Clara como um soco. Para escapar da cabana, eles teriam que sacrificar alguém. Maria já estava em um estado crítico, e João havia desaparecido nas sombras. Restavam apenas ela e Fernando.

— Não... — murmurou Fernando, balançando a cabeça. — Não podemos fazer isso. Não podemos sacrificar ninguém.

Clara olhou para Fernando, o desespero crescendo dentro dela. Eles estavam sem opções. A figura os cercava, esperando por sua resposta, seu sorriso aumentando a cada segundo.

— Fernando... — Clara começou, mas foi interrompida pela voz fria da entidade.

— Escolham! Ou eu escolherei por vocês.

A pressão era esmagadora. Clara sabia que, se não fizessem algo rápido, todos seriam condenados à Dança dos Espíritos para sempre. Ela olhou para Maria, deitada no chão, e depois para Fernando. Uma decisão precisava ser tomada.

— Não há outra escolha... — Clara sussurrou, seu corpo tremendo. — Alguém tem que ficar...

O sorriso da entidade se alargou. Ela sabia que havia vencido.

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Capítulo 9: A Escolha de Clara

O ar na cabana estava imóvel, talvez o próprio tempo tivesse parado. Clara sentia seu coração martelar no peito enquanto as palavras da entidade ecoavam em sua mente. Uma alma deve ficar... ou todos morrerão.

Fernando olhava para ela, seus olhos cheios de medo e desespero. Ele ainda não conseguia aceitar a verdade, diferente de Clara que sabia não haver outra opção. A entidade, com seus olhos vazios e sorriso cruel, os encarava, aguardando sua decisão como um predador pacientemente observando sua presa.

— Clara, não podemos fazer isso — falou Fernando, quase implorando. — Deve haver outra saída.

Clara não conseguia responder. Algo dentro dela havia quebrado. Ela olhou para Maria, ainda inconsciente no chão, e depois para o corpo de João, perdido nas sombras. Todos eles estavam condenados, presos em uma armadilha que parecia não ter fim.

— Não temos tempo Fernando. — Disse Clara, com a voz fraca. — Ela vai nos matar.

Fernando balançou a cabeça, lágrimas escorrendo pelo seu rosto.

— Não. Não podemos sacrificar ninguém! Isso é o que ela quer... que nos destruamos!

A entidade riu, um som baixo e perturbador, e deu um passo à frente, sua presença tornando o ambiente ainda mais sufocante.

— O tempo está acabando, crianças... — ela sussurrou. — A dança... não pode ser interrompida por muito tempo. Façam sua escolha.

Clara olhou ao redor, em busca de qualquer outra solução, mas havia apenas escuridão e a presença esmagadora daquela criatura. Ela sabia que, sem um sacrifício, todos pereceriam, presos para sempre na Dança dos Espíritos.

— Eu... — ela começou, com a voz trêmula.

Mas antes que pudesse completar a frase, algo inesperado aconteceu. Fernando se aproximou dela e segurou seu braço com força, seus olhos fixos nos dela com uma determinação desesperada.

— Clara, se tiver que ser alguém... que seja eu.

Clara arregalou os olhos, o choque tomando conta de seu rosto.

— Não! Fernando, você não pode. — Ela tentou afastá-lo, mas ele a segurou firme.

— Eu não posso viver com isso... — ele sussurrou, seus olhos cheios de tristeza. — Eu não posso viver sabendo que deixei você ou Maria morrer. Vou ficar, por vocês.

Antes que Clara pudesse reagir, Fernando se soltou dela e deu um passo em direção à entidade. A criatura sorriu, satisfeita, e estendeu a mão, pronta para selar o destino de Fernando.

— Não! — Clara gritou, correndo para impedi-lo, mas era tarde demais.

A entidade envolveu Fernando em seus braços sombrios, e ele foi puxado para a escuridão. Seus olhos encontraram os de Clara pela última vez, cheios de aceitação e dor. Num instante, ele desapareceu, e a cabana ficou em silêncio.

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Capítulo 10: A Última Dança

O silêncio após o sacrifício de Fernando ficou ensurdecedor. Clara caiu de joelhos no chão, o coração em pedaços. Lágrimas escorriam pelo seu rosto, mas a dor dentro dela era maior do que qualquer lágrima poderia expressar. Fernando tinha se entregado para salvá-los, e agora, ele estava perdido para sempre.

A entidade, satisfeita com o sacrifício, começou a se dissolver lentamente, suas formas nebulosas se espalhando pelo ar como fumaça. As sombras que antes preenchiam a cabana também começaram a desaparecer, o laço que as prendia àquele lugar estava sendo desfeito.

— A dança está completa! — Afirmou a entidade, sua voz ecoando enquanto ela se desvanecia.

Clara ficou imóvel, olhando para o vazio onde Fernando estivera momentos antes. Ela não sabia o que fazer, não sabia como seguir em frente. Tudo ao seu redor parecia perder o sentido. Maria estava deitada no chão, ainda inconsciente, e João... bom, ele estava perdido nas sombras desde o início.

Mas, então, algo mudou. A cabana, que antes parecia viva e pulsante, começou a desmoronar lentamente. As paredes começaram a se desfazer, como se fossem feitas de poeira, e o teto, que uma vez movia como pulmão, agora desfazia em fragmentos flutuando no ar.

Clara olhou ao redor, presenciado a casa desintegrando.

— O que está acontecendo? — Murmurou, levantando-se com dificuldade.

Ela correu até Maria, sacudindo-a com força.

— Maria, acorda! Precisamos sair daqui!

Maria começou a se mexer, seus olhos se abrindo lentamente. Ela parecia atordoada, mas, ao ver o estado da cabana, a urgência começou a tomar conta dela.

— O que... o que aconteceu? — Perguntou, com a voz fraca.

— Fernando... ele se sacrificou para nos salvar — disse Clara, com a voz quebrada. — Precisamos sair antes que tudo isso desmorone.

As duas se levantaram com dificuldade e correram em direção a porta da cabana. Surpreendendo Clara, a porta, que até então estava selada, agora abriu facilmente. Ao saírem, perceberam que o mundo ao redor da cabana também havia mudado. A floresta, envolvida em uma névoa sufocante, ficou iluminada, como se a maldição que pesava sobre aquele lugar finalmente estivesse sido quebrada.

Mesmo assim, Clara sabia que o preço pago havia sido alto demais.

Ela e Maria caminharam em silêncio pela floresta, deixando para trás os destroços da cabana e o sacrifício de Fernando. A noite ainda estava densa, contudo, havia uma sensação de libertação no ar. O horror da Dança dos Espíritos terminou, no entanto, as cicatrizes jamais desapareceriam.

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Capítulo 11: O Peso da Sobrevivência

O caminho de volta pela floresta era silencioso, exceto pelos passos pesados de Clara e Maria. A floresta, livre da névoa e da presença maligna, parecia um lugar completamente diferente, mas isso não trouxe conforto para as duas. Clara caminhava à frente, com os ombros curvados e o olhar fixo no chão, enquanto Maria seguia atrás, ainda atordoada pelo que havia acontecido.

Nenhuma delas conseguia falar. O sacrifício de Fernando pairava entre elas. Clara revivia aquele momento repetidamente em sua mente: o rosto de Fernando antes de ser engolido pela escuridão, suas últimas palavras, seu olhar de despedida. Representava uma culpa que ela não sabia como carregar.

Eventualmente, as árvores começaram a se abrir, revelando o início da estrada de terra que levava à cidade. As luzes distantes das casas eram visíveis agora, tudo voltava a normalidade. Mas, para Clara, a sensação de normalidade parecia impossível. O mundo havia mudado, e ela não sabia se algum dia poderia voltar a ser quem era antes de entrar naquela cabana.

Quando finalmente pararam na beira da estrada, Maria desmoronou no chão, abraçando as próprias pernas, o corpo tremendo. Clara a olhou, sem saber o que dizer ou fazer. Ela queria confortá-la, entretanto também estava quebrada por dentro.

— Ele se foi — disse Maria, sua voz fraca e trêmula.

Clara assentiu, com os olhos cheios de lágrimas que ela tentava conter.

— Foi por nós... — sussurrou Clara, sentindo a culpa rasgar seu peito. — Ele se sacrificou para que pudéssemos sair.

Maria levantou a cabeça, seu rosto pálido e marcado pelo horror, encarou Clara com uma expressão de dor profunda.

— Por que nós? Por que eles? — Ela balançou a cabeça, como se tentasse afastar os pensamentos. — Eu não consigo... eu não consigo entender por que isso aconteceu. Por que eles nos escolheram... Por que...?

Clara não tinha respostas. Havia uma parte dela que também se fazia essas perguntas incessantemente. A entidade havia falado de almas, de uma dança eterna, mas no final, o sacrifício parecia arbitrário, cruel. Clara se sentia presa em um ciclo de culpa e impotência.

— Talvez... — Clara começou, sua voz vacilante. — Talvez... não haja uma razão. Talvez... seja só o que aquela coisa fazia. Alimentava-se de nós, de nossos medos, nossas escolhas. Não sei se vou entender algum dia, Maria.

Maria ficou em silêncio, as lágrimas escorrendo pelo rosto. Ela parecia uma sombra de si mesma, e Clara temia que o trauma tivesse destruído qualquer parte de Maria que ainda pudesse se conectar com o mundo.

Clara, por sua vez, sentia uma necessidade crescente de fugir. Fugir de tudo aquilo, de seus pensamentos, de sua própria mente. Mas, não havia para onde ir. Estavam presas em suas memórias.

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Capítulo 12: Marcas Eternas

Na pequena cidade, os rumores começaram a circular. As pessoas falavam sobre o sacrifício de Fernando e o desaparecimento de João, e embora ninguém soubesse o que realmente de fato havia acontecido, Clara e Maria se tornaram o centro das atenções indesejadas. A curiosidade mórbida dos outros só piorava o fardo que as duas carregavam.

Clara se isolou. Ela não suportava o olhar de pena ou as perguntas constantes. Em sua casa, fechada para o mundo, ela revivia a cabana todas as noites. Os pesadelos a perseguia, acordando-a no meio da noite, suando frio, com a imagem de Fernando sendo tragado pelas sombras.

Os meses passaram, e a vida continuou de forma estranha para Clara e Maria, tentavam reconstruir suas vidas fragmentadas. A Dança dos Espíritos nunca desapareceu completamente.

De tempos em tempos, quando a noite ficava mais escura e o vento soprava pelas árvores, Clara sentia uma presença. Não a entidade maligna da cabana, no entanto, uma presença familiar. Um sussurro, um eco distante. Talvez fosse Fernando. Talvez fosse sua mente brincando com ela.

— Clara, eu não posso voltar sozinho...venha me buscar — disse uma voz fraca. — Minha alma já pertence a este lugar... Por favor, me ajude!

Continua.

P.H.Petters.

P H Petters
Enviado por P H Petters em 09/09/2024
Código do texto: T8147690
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