Era melhor ter ido comemorar o Dia do Saci- CLTS 28
Violeta achou que seria uma boa ideia fazer uma comemoração de halloween estilo as festas americanas no condomínio em que morava, em sua mente imaginava como a decoração ficaria bonita e como as crianças iriam gostar. Ela era professora de inglês e na escola que dava aula sempre tinha esse evento para que as crianças aprendessem mais sobre a cultura de outro país.
Deu a sugestão na reunião de condomínio, pois quanto mais moradores quisessem participar melhor seria e mais envolvente se tornaria. Ela esperava uma recepção calorosa, e realmente teve isso, com poucas pessoas sendo contra. Sua ideia animou à todos, principalmente as crianças que em muitos casos iriam se fantasiar para pedir doces pela primeira vez e os adolescentes que teriam um baile temático no salão de festas. Mais animadas que eles somente as duas costureiras que iriam conseguir um bom dinheiro fazendo fantasias, pois estava um pouco em cima da hora para ir procurar nas lojas.
A animação ainda estava no ar, quando um morador levantou a mão e pediu para falar. Levou um tempo até que as vozes animadas se calassem para dá a vez para ele falar.
-Acho que a gente devia comemorar o Dia do Saci. É um feriado que valoriza mais o nosso próprio folclore nacional e é no mesmo dia.
-Como se comemora o Dia do Saci?-uma voz perguntou curiosa e logo outras vozes se juntaram a discussão. Algumas vozes concordando que seria a chance de ensinar mais sobre o folclore para crianças e outras discordando e outras simplesmente curiosas alimentando a discussão.
As costureiras que estavam muito interessadas que a festa ocorresse, foram as primeiras a saírem em defesa da ideia de Violeta e contra a nova ideia que surgiu. Elas não iam deixar a chance de ganhar um bom dinheiro com a fantasia das crianças escorrer por entre seus dedos. A defesa delas foi tão entusiasma que pareceu convencer até o homem que queria comemorar o Dia do Saci. E aos poucos as vozes foram se acalmando.
Quando Violeta achou que finalmente já tinha encerrado a reunião, outra mão se levantou pedindo para falar. Dessa vez foi uma adolescente que pediu para falar. Violeta sorriu aliviada, pois pensou que ela iria apenas se somar a defesa do feriado, porém ela falou algo que a surpreendeu:
-Não acho seguro fazer uma festa com tanta gente fantasiada e com máscaras. Qualquer pessoa ou coisa pode se esconder debaixo de uma máscara e aproveitar para entrar no condomínio.
A mulher notou curiosa que enquanto falava a garota parecia olhar para algum ponto atrás de Violeta, quase como se estivesse falando olhando para a parede e não para ela. Logo após a garota falar outras vozes se juntaram para opinar sobre a questão da segurança e se a festa seria somente para as pessoas do condomínio ou se teriam convidados. As costureiras se meteram novamente na conversa defendendo a comemoração do Halloween com todas as suas forças.
-Para evitar tudo isso seria mais seguro comemorar o Dia do Saci. - falou o homem que desde o começo queria comemorar o dia do personagem do folclore, aproveitando o momento e revivendo a discussão em que a sugestão dele tinha sido derrotada.
Logo várias vozes começaram a falar ao mesmo tempo e tudo ficou agitado. Violeta suspirou, abandonando toda esperança de que a reunião acabaria logo. Ainda estava pensando nisso quando sentiu a temperatura cair alguns graus, mesmo que estivessem em um dos dias mais quentes do verão e a sala de reunião estivesse extremamente cheia. Por um momento foi como se aquela barulho e as vozes ficassem mais longes. Teve a sensação que tinha quando dirigia na estrada há uma velocidade alta e a paisagem que passava na janela não passava de um borrão. Era como se as pessoas tivessem se tornado esse borrão, porém no meio desse quadro vivo embaçado viu um rosto infantil lhe sorrindo.
Violeta se viu encarada por uma menina que nunca havia visto naquele condômino e nem em lugar algum, tinha a idade de ser uma das suas alunas, mas tinha certeza que não era esse o caso, pois a professora não se esquecia de um rosto. Ainda mais de um como o da menina. Não que tivesse algo de errado com ele, era até bem bonito e delicado, o grande problema eram os olhos que pareciam dá uma sensação de vertigem devido a profundidade e intensidade. Como se estivesse em câmera lenta, a menina moveu o braço revelando uma máscara assustadora que estava escondendo em suas costas. Segurando o estranho objeto em uma das mãos, com a outra mão fez lentamente o sinal de silêncio encostando seu dedo nos lábios.
Violeta tentava desviar o olhar, porém não conseguia . Quando a menina olhou diretamente nos seus olhos,Violeta logo desmaiou.
-Deve ter sido o calor.- ouviu uma voz distante dizer.- O síndico antigo já teria trocado esse ar condicionado que não alivia em nada o verão.
Aos poucos as coisas foram ficando mais próximas. Depois do desmaio havia sido socorrida rapidamente pelos outros moradores do local. Muitos acharam que o desmaio era por causa do calor, mas ela sabia que não era. Logo após acordar, Violeta começou a ter uma sensação estranha e a euforia que estava pelo Halloween foi substituída por um certo medo e insegurança. A imagem da menina misteriosa segurando a máscara ainda estava em sua mente.
Tentou voltar atrás e retirar a sua ideia sobre o Halloween, mas era meio tarde para isso e o entusiasmo da maioria das pessoas, principalmente das costureiras, não permitiu que o Halloween que teria no prédio fosse cancelado. Violeta ainda tentou argumentar, mas no final acabou aceitando a vontade da maioria. Vendo que o Halloween iria ocorrer de qualquer jeito, tentava dizer para si mesma que aquela sensação estranha e a imagem da menina eram apenas consequências do calor. Aos poucos foi acreditando no que dizia a si mesma e voltou a ficar calma.
Os dias correram e logo chegou à grande noite. Muitos ajudaram na decoração que de dia pareceu extremamente simples, mas de noite, quando o vento batia, tinha algo de realmente assustador nas pequenas criaturas feitas de papel cortado que tremulavam com o vento. Assim como as luzes vermelhas que estavam pelo caminho que pareciam deixar o ar misterioso. Era como se de noite o condomínio tivesse virado algum outro lugar. Todo aquele ambiente fez Violeta se lembrar do que tinha visto antes de desmaiar naquela reunião de condomínio.
-Onde está a sua fantasia Violeta?- perguntou a sua vizinha que estava vestida de uma roupa comum, mas usava na cabeça orelhinhas de coelha. O questionamento dela a tirou de seus pensamentos. - Já sei, como você deu a ideia deve ter uma fantasia super especial guardada.
Violeta tinha perdido toda e qualquer vontade de se fantasiar. Pensava em como iria falar isso, sem que suas palavras soassem estranhas, porém algo chamou sua atenção antes que tivesse tempo de falar qualquer coisa. Sentiu sua respiração parar por alguns segundos quando viu aquela menina assustadora do dia da reunião, em pé perto de uma das luminárias que estava decorada. A mulher ficou aliviada que a garota agora usasse a máscara no rosto, ocultando parcialmente seus olhos marcantes, pois Violeta tinha a impressão que teria desmaiado novamente se visse aqueles olhos diretamente. Sob o manto da noite a menina parecia ainda mais assustadora.
-Olhe, parece que uma criança já se adiantou. Se aproxime, tenho muitos doces- disse a sua vizinha vendo a menina também.
Aquilo realmente surpreendeu Violeta, pois aquilo mostrava que a menina era real e estava realmente na frente dela. Saber disso tornava tudo mais assustador do que se ela descobrisse que somente ela via a menina, pois se fosse assim poderia dizer novamente que a criança era algum tipo de alucinação provocada pelo calor.
-Tenho certeza que vai gostar dos doces que comprei, pode vim pegar. Não precisa ter vergonha- a vizinha tentou novamente chamar a atenção da menina.
Novamente nenhuma resposta saiu da boca da garota que continuou parada como uma estátua. Um grupo de outras crianças passou perto dela e isso pareceu a despertar. De forma silenciosa começou a segui-las como uma sombra. Algumas luzes começaram a oscilar no caminho conforme ela andava.
-Acho que as crianças não gostam muito dos doces que comprei.- disse a sua vizinha conferido um grande pacote de balas, que realmente pareciam muito pequenas se comparadas com algumas que estavam entregando em outras casas do condomínio.
A vizinha ainda tentou puxar mais assunto, porém Violeta teve que escolher entre ficar conversando com a sua vizinha ou seguir aquela menina. Escolheu a segunda opção, pois sabia que se algo ocorresse com aquelas crianças se sentiria culpada, pois aquilo havia iniciado com uma sugestão sua.
-Alguma mãe se animou demais.- escutou um comentário se referindo a máscara macabra que a menina usava.
Violeta não conseguiu encarar a máscara por muito tempo, mas a imagem ficou marcada em sua mente e ela compreendia o porquê dos comentários. A máscara era realmente um pouco assustadora demais para uma criança. O objeto parecia amarelado pelo tempo e tinha uma espécie de linha que a dividia pela metade, pois um lado da máscara sorria e o outro lado chorava. Do lado triste era possível notar pequenos traços como se tivessem sido riscados a mão.
Em um dado momento a menina se virou na sua direção e a encarou profundamente. Naquele momento foi como se o tempo tivesse parado e por mais que tentasse Violeta não conseguia fugir ou desviar o olhar como gostaria.
Sob a luz oscilante era possível ver que algo escorria da boca imóvel da máscara e manchava as roupas da menina. No acessório havia novos traços. A expressão assustadora parecia mais assustadora do que nunca e parecia lhe encarar, era quase como se o lado sorridente e o lado triste tivessem se juntado em uma careta macabra que parecia rir do medo de Violeta.
Durante aqueles momentos era quase como se a máscara fosse um ser vivente e a menina apenas responsável por lhe carregar, pois a garota seguia parada, mas a expressão da máscara seguia mudando.
A mesma sensação de desmaio voltou acompanhada do frio, mas dessa vez Violeta não apagou totalmente.
Ouviu com horror os passos da menina vindo em sua direção e todo o cenário ao seu redor ia ficando borrado, era quase como se conforme a garota andasse elas fossem transportadas para uma versão paralela do condomínio em que estivessem somente as duas. Tanto que quando tentou olhar ao redor não viu mais nenhum morador e ninguém parecia a ouvir quando chamou por alguém.
Violeta ainda tentou se levantar e correr, mas não conseguiu. Vendo que não conseguiria correr, tentou pelo menos se arrastar para longe da assustadora figura. Conforme ouvia os passos mais perto, mais rápido a mulher tentava se arrastar para o lado oposto. Até que de repente os passos pararam e um silêncio preencheu todo o local. Violeta olhou ao redor e aparentemente a menina tinha sumido, mas era como se a presença invisível dela estivesse lhe encarando de algum lugar.
Juntou todas as suas forças e se levantou para procurar um lugar mais seguro, praticamente correndo foi para onde era para está a sua casa. Durante todo o caminho não viu ninguém. Seu coração sentiu um alívio quando viu sua casa ao longe. Correu em direção a ela e com as mãos trêmulas pegou as chaves no bolso e abriu a porta rapidamente. Não conseguiu segurar um grito quando ao abrir a porta se viu frente a frente com a garota e sua máscara assustadora.
Se a garota era assustadora de longe, de perto era ainda mais. Ela estava a apenas poucos centímetros do seu rosto e era como se a máscara estivesse tentando atrair a pele do rosto de Violeta, quase como um ímã que atrai metal. A mulher tentou recuar, mas não conseguia se afastar e logo começou a sensação como se fosse desmaiar e uma sensação como se sua vida passasse diante de seus olhos.
Enquanto sentia que ia apagar ficava se perguntando
o que poderia ter feito de diferente que teria evitado esse cenário assustador. Pensou que aquela visão que teve da garota no dia da reunião de condomínio poderia ter sido um aviso sobre o encontro com a verdadeira garota no dia de Halloween. Pensava que devia ter levado a sério o comentário daquela adolescente que disse que comemorar o Halloween seria perigoso porque nesse dia qualquer pessoa ou coisa poderia se esconder atrás de uma máscara.
O último pensamento antes de Violeta apagar foi que a sua ideia de comemorar o Halloween no condomínio foi uma ideia muito ruim, que talvez nada disso tivesse acontecido se ela tivesse defendido a sugestão de comemorar o Dia do Saci.
Tema: Halloween