A TERRÍVEL CÍNTIA
A história de Cíntia, a garota que morreu no banheiro feminino do Colégio Clóvis, era um dos assuntos favoritos entre os novos alunos do primeiro ano. Dizia-se que quem chamasse pelo nome de Cíntia por 3 vezes seguidas na frente do espelho daquele banheiro, iria se deparar com o cadáver loiro de pescoço quebrado da garota.
Já tinham se passado cinco anos desde que aquela tragédia ocorreu, e desde então, a história se espalhou entre os alunos. Sara, a jovem que enfrentou o espírito de Cíntia naquele tempo, agora iniciava sua carreira como professora. Tendo superado o trauma do passado, ela acreditava que não teria problemas ao retornar à sua antiga escola para lecionar. Responsável pelas aulas de Biologia do primeiro e segundo ano, Sara já era uma das professoras preferidas pelos estudantes do colégio.
— Professora, é verdade que a senhora foi a primeira a ver a loira do banheiro quando estudava aqui? — perguntou uma garotinha erguendo a mão.
— É verdade que ela morreu bem na sua frente? — um garoto aproveitou para perguntar também.
Naquele momento um rebuliço começou na sala de aula, com inúmeras perguntas sendo feitas de uma vez, todas sobre o caso da morte de Cíntia e seu suposto retorno como espírito no banheiro tempos depois.
— Pessoal! Por favor, vamos nos ater apenas a perguntas sobre a matéria! Não vou e nem quero falar sobre este assunto, tudo que posso dizer é que foi uma tragédia, um acidente! O resto são apenas histórias criadas pelos alunos para assustar vocês.
Em determinada ocasião, uma aluna do primeiro ano ouviu uma voz estranha ecoando pelos encanamentos do banheiro feminino. Movida pela curiosidade, ela já havia anteriormente tentado invocar a famosa "loira do banheiro" chamando o nome de Cíntia três vezes, porém nunca havia tido qualquer contato até aquele momento.
— "Traga ela para mim… Sara… traga-a até mim…"
A garota aproximou-se do ralo da pia e sentiu-se hipnotizada pela voz que vinha de dentro.
— Faça o que for preciso, traga-a para mim…
Em transe, a garota saiu em busca de atender o pedido da entidade que sussurrava.
Durante o intervalo, enquanto caminhava pelo corredor, Sara foi abordada pela aluna.
— Professora, preciso da sua ajuda, tem uma menina passando mal no banheiro.
Sara foi levada pela garota ao banheiro, disposta a ajudar, mas ao avistar o local, um arrepio se espalhou por todo o seu corpo. Embora afirmasse para si mesma que tinha superado aquele incidente, ela evitava aquele banheiro desde que retornou ao colégio, sempre optando pelo banheiro do piso superior.
— Chame o Zelador, para ajuda-lá…
Disse Sara hesitante.
— O Zelador já foi embora professora, você precisa ajudá-la, ela está passando muito mal!
— Tudo bem… vou lá ver, me espera aqui.
Assim que adentrou o banheiro, uma sensação estranha envolveu Sara, como se algo sombrio habitasse aquele lugar. Memórias de seus tempos de aluna inundaram sua mente. Quando se deparou com o espelho, levou as mãos à boca em choque ao deparar-se com a figura de Cíntia refletida. Seu corpo era cadavérico e sua expressão, melancólica. Apesar de tantos alunos terem mencionado a presença de Cíntia diante do espelho ao longo dos anos, o espírito escolheu aparecer somente para Sara.
— Veja o que você fez comigo, assassina... eu era apenas uma garota...
— Foi um acidente! — respondeu Sara com a voz trêmula.
— Eu era sua amiga.
— É mentira. Você me humilhava…
— Não importa! Isso não justifica você ter tirado a minha vida! Seu lugar no inferno já está garantido. Mal posso aguardar a sua chegada aqui, Sara. Vou te atormentar pela eternidade!
— Chega de mentiras Cíntia. Você não está nem no céu e nem no inferno. Sua alma está presa aqui nesse banheiro. Enquanto não se livrar de todo esse ódio por mim, você não descansará. Seu ódio te prende aqui Cíntia, você precisa me perdoar!
— JAMAIS! EU TE ODEIO! E VOU CONTINUAR TE ODIANDO PARA SEMPRE!
Os espelhos estilhaçaram-se com a ira do espírito, lançando fragmentos afiados em direção a Sara, causando cortes em seus braços e rosto. Num movimento veloz, um vulto negro avançou em sua direção, agarrando-a pelos cabelos. O cadáver loiro de pescoço quebrado arrastou Sara até a cabine do centro e a posicionou de frente para a privada.
— Lembra deste vaso? Foi onde parti o meu pescoço, você deve ter adorado não é mesmo, Sara?
Com violência, o cadáver mergulhou a cabeça de Sara na privada, enquanto ela lutava desesperadamente para se libertar, Cíntia gargalhava cruelmente enquanto a via sufocar.
— Te vejo no inferno.
***
Sara acordou em uma sala de aula, havia dormido em sua carteira. Quando percebeu, estava vivenciando uma cena de seu passado no Colégio.
— Psiu! — alguém atrás dela a chamou.
Ao virar o rosto, Sara viu Cíntia na carteira de trás.
— Ei, você estava dormindo durante a prova? Achei que você fosse uma nerd… será que você não pode me passar a resposta da quarta questão?
— Não, a professora vai tirar a nossa prova — sussurrou Sara.
— Não vai não. Vai logo, me fala rápido, ninguém tá vendo.
— Não posso.
Sara finalizou rapidamente a questão que faltava e entregou a prova à professora, logo depois disso se retirou depressa da sala.
Após algum tempo, enquanto caminhava para o laboratório de química, onde iniciaria a próxima aula, alguém a empurrou fazendo-a derrubar os cadernos.
— Custava ter me soprado a resposta? Agora me dei mal por sua culpa! — gritou Cíntia acompanhada de suas duas inseparáveis amigas.
— Eu já disse, a professora teria tomado nossas provas e seria muito pior!
— Você fez isso porque tem inveja da gente, não é sua gorda? Olha só para você, parece até uma porca!
— Ronc, ronc, ronc! — fez a amiga de Cíntia, imitando um porco — Você deveria ter feito assim Cíntia, quem sabe assim ela teria entendido!
As três garotas começaram a gargalhar em sintonia.
— O erro foi meu então — Cíntia levantou seu nariz com a ponta do dedo e prosseguiu tirando sarro — Oinc, oinc. Agora você está me entendendo, porquinha?
— Parem com isso!
Sara gritou e se retirou da frente das garotas correndo com lágrimas nos olhos. Aquele tinha sido seu primeiro encontro com Cíntia, a primeira humilhação de muitas que havia sofrido. Mas ao correr, uma mão segurou os seus ombros, ao olhar para trás, era o cadáver loiro e putrefato que a agarrava. Ela arrastou Sara pelos cabelos, a levou para uma nova visão. Desta vez estavam na saída do Colégio, uma maca com um saco preto estava sendo levado até um carro do IML. A garota morta tinha quebrado o pescoço ao cair em cima da privada em um terrível acidente, ocorrido após uma briga com Sara.
— Veja o que você fez comigo! E ainda mentiu para todos dizendo que tropecei no banheiro. Foi você! Você me empurrou!
— Mas não foi minha intenção... não era isso que eu queria... você me atacou no banheiro... foi a primeira vez que eu tive a coragem de revidar.
Cíntia agarrou o pescoço de Sara com as suas mãos em carne viva.
— Você vai sofrer em minhas mãos pela eternidade!
O espectro raivoso empurrou Sara para um abismo de escuridão que se formou por trás dela. Sara caiu na imensidão sombria, sentindo o gélido toque da morte se aproximando, mas aquele turbilhão de sombras logo se dissipou e ela se viu no banheiro da escola novamente, mas ainda em sua forma adolescente. Ela estava lavando suas mãos.
— Olha só! Achei que essa porquinha não lavasse as mãos! — disse Cíntia em voz alta, ao entrar no banheiro.
— Cala a boca! Para de encher o meu saco, Cíntia!
— Ah é? E se eu não parar, vai fazer o que?
Disse Cíntia se aproximando e dando um peteleco no nariz de Sara que em um reflexo rápido retribuiu aquilo com um tapa na cara.
Surpresa com a reação de Sara, a garota perdeu o controle, partindo para cima dela, puxando os cabelos e a enchendo de tabefes.
— TÁ LASCADA, SUA GORDA MALDITA!
Mas ela não contava que Sara iria se desvencilhar rapidamente de seus ataques, ela devolveu os tapas com um belo gancho de esquerda que a fez cambalear para trás, e num tropeço ela caiu e bateu a cabeça na privada. Cíntia morreu na hora.
Sara sentiu-se em choque ao reviver aquela terrível cena de 5 anos atrás, a visão começou a passar mais rapidamente, trazendo fragmentos de cenas posteriores àquele momento. Ela se via chorando a noite, via o noticiário relatando a morte em seu colégio, viu o zelador, Seu Adenor, encontrando o corpo e colaborando com a narrativa de Sara que aquilo fora apenas um acidente, a garota havia tropeçado e quebrado o pescoço ao cair. Semanas depois ao retornar para escola, foi quando Sara se deparou pela primeira vez com o cadáver loiro, que a olhava furiosa através daquele espelho. Se viu correndo dali e nunca mais voltou a pisar lá até se formar. O escândalo que fez ao sair do banheiro deu origem ao rumor da loira do banheiro que se perpetuou nos anos que se passaram.
Ao reviver aqueles momentos, finalmente as visões se dissiparam e Sara se viu envolta em uma escuridão sem fim, estava de frente para o espírito de pescoço quebrado que a observava de forma melancólica.
— Cíntia… por favor… me perdoe. Você era terrível com as garotas do colégio, mas não merecia ter morrido naquele infeliz acidente. Eu me formei com suas amigas, vi elas melhorando e seguindo um rumo excelente em suas vidas, o mesmo poderia ter acontecido com você. Gostaria de desfazer tudo aquilo que aconteceu entre a gente, por favor me perdoe Cíntia, me perdoe… me perdoe…
***
Sara acordou novamente no banheiro, com seus cabelos sujos e molhados devido ao mergulho forçado na privada. Cíntia ainda estava diante dela, porém, não mais em sua forma cadavérica e aterrorizante, mas sim, como um espírito que lembrava muito a sua aparência enquanto viva. O espírito brilhava e se desfazia lentamente. Sara tinha certeza que ao pronunciar por três vezes aquelas sinceras desculpas, o espírito de Cíntia finalmente encontraria o seu descanso.
— Descanse em paz Cíntia.