A MORTE FAZ CARETA

Ana tinha um hábito estranho: ela adorava fazer caretas. Ela achava engraçado fazer caretas estranhas para as pessoas e ver a reação delas, especialmente para os seus amigos. Às vezes fazia caretas tão bizarras que as pessoas na rua a evitavam e a chamavam de "a garota das caretas".

— Nossa, essa garota parece a versão feminina do Jim Carrey!

Dizia um garoto rindo para um colega na saída do colégio onde estudavam.

Ana não se importava com o que os outros pensavam dela. Ela continuava fazendo caretas, mesmo que isso a fizesse parecer ainda mais estranha.

Um dia, Emília, sua melhor amiga, perguntou enquanto caminhavam nos corredores da escola:

— Por que é que você anda fazendo tanta micagem, Ana? Já tá demais, né?

— Você não entende Emília, não tô conseguindo parar!

Respondeu Ana que logo após terminar sua frase, olhou Emília entortando os lábios na diagonal e depois forçando um sorriso medonho.

— Hã? Do que você tá falando, amiga?

— Olha só, no começo era só palhaçada. Como costumava fazer de vez em quando. Mas teve um dia que eu estava no ônibus, voltando do colégio, e aí um rapaz da sala da Cíntia, estava no ônibus do lado do meu. Quando os dois ônibus pararam lado a lado no farol, ele começou a fazer caretas pra mim, e daí eu comecei a fazer de volta. Ficamos igual a dois tontos fazendo careta um para o outro durante aquele tempo no farol. O problema é que a cara daquele garoto começou a ficar estranha demais, de um jeito que deixou de ser engraçado e passou a me assustar. A boca dele começou abrir de um jeito que parecia que tinha quebrado a mandíbula e os olhos saíram das órbitas ficando pendurados pelos nervos.

— Você tá falando sério ou tá só zuando com minha cara, Ana?

As duas chegavam ao banheiro feminino, do lado de fora estava de passagem o zelador, Seu Adenor. Ana passou por ele botando a língua para fora e arregalando os olhos como se fosse vomitar, ele olhou feio e continuou caminhando. As duas entraram no banheiro e Ana que viu sua amiga fazendo cara de deboche para ela, mesmo assim prosseguiu:

— É sério Emília, juro por Deus. Quando cheguei em casa naquele dia, eu vi uma coisa bizarra no espelho do banheiro. Ela apareceu enquanto eu escovava os dentes.

Emília persistia no olhar debochado.

— Era como se fosse um espírito, ele olhou pra mim através do vidro, tinha uma cara toda contorcida, com um sorriso enorme e bizarro congelado em seu rosto, aquele espírito começou a sussurrar pra mim, ele me obriga a fazer caretas sempre, eu o vejo todos os dias!

— Que coisa bizarra, Ana! É um pouco difícil de acreditar, mas pelo seu desespero me contando isso, parece mesmo que alguma coisa esquisita está acontecendo.

Emília estava de costas para o espelho do banheiro enquanto tentava convencer Ana com alguma explicação lógica para aquela história toda. Mas enquanto discutiam, uma figura bizarra e sorridente surgia atrás dela de dentro do espelho. Ana sentiu um frio na espinha gigantesco, não havia careta nenhuma em seu rosto naquele momento, apenas uma expressão legítima de medo. Mãos pútridas saíam de dentro do espelho e se aproximavam de Emília, que ainda estava de costas para o espelho. Ana desesperada tentou forçar alguma careta rapidamente, mas os nervos de sua face pareciam paralisados de tanta tensão. A figura de cara deformada saía do espelho lentamente, suas mãos fechavam-se no pescoço de Emília, que começou a se debater assustada e desesperada. Ana não pode fazer nada além de assistir sua amiga ser estrangulada pela criatura sorridente, na medida que a vida de Emília ia se esvaindo, o sorriso da criatura se intensificava e ia se transformando em uma bocarra de dentes afiados. Ana estava atônita sentada sobre o chão, havia urinado em si mesma e permanecia com sua cara paralisada em uma careta de sofrimento puro. Seus olhos fitavam o cadáver de Emília e naquele momento os dedos podres da criatura dançavam sobre o rosto falecido dela, puxando suas bochechas e seu nariz, formando uma bizarra careta, a língua sem vida saiu para fora da boca escorrendo saliva, Ana olhava aterrorizada para aquele rosto cadavérico de Emília e num piscar de olhos ela estava viva novamente parada em sua frente com uma expressão de dúvida.

— Você está me ouvindo, Ana??

Ana deixou de lado sua amiga e saiu do banheiro chorando. Assustada, porém aliviada por ver sua amiga viva, pensava qual seria a razão por estar passando por aquilo tudo. Teria sido aquilo uma visão provocada pelo espírito para ver do que ele era capaz? Tudo ficou em mistério.

No dia seguinte, Ana aguardava o começo da primeira aula sentada no pátio do colégio. Ao dirigir o olhar para o lado onde ficava a biblioteca, ela viu sua amiga Emília pressionando o rosto contra a janela de vidro, suas narinas levantadas lembravam o focinho de um porco. Meninas davam risada do outro lado da janela. Ana achou um pouco estranho o comportamento da amiga que geralmente era um pouco mais séria. Ao longo daquele dia, ela viu Emília fazendo caretas diversas vezes em momentos inapropriados, e ao final da aula, tentou perguntar:

— Amiga, tá tudo bem?

— Não, Ana, não está! Você passou aquela coisa pra mim! Ela tentou me matar na minha casa enquanto eu olhava o espelho! Eu quase morri!

Quando Emília disse a palavra "passou", Ana se deu conta de que naquele dia não teve vontade de fazer nenhuma careta até aquele momento.

— Desculpa Ana, agora eu acredito em você, o que é que eu faço?

Perguntava desesperada enquanto lágrimas escorriam de seus olhos.

— Eu sinto que vou morrer se não obedecer essa coisa, e às vezes parece até que ela toma conta de mim, não consigo controlar.

— Eu sei, eu sei...

Dizia Ana enquanto abraçava a amiga, tentando a consolar.

— Sabe Emília, eu estava aqui pensando. Acho que entendi o que aconteceu. Quando aquele garoto no ônibus começou a fazer caretas pra mim, ele devia estar possuído pelo demônio das caretas, e eu retribuí. Naquele momento essa coisa deve ter passado pra mim. Ontem quando estávamos entrando no banheiro, você fez uma cara de deboche pra mim, sei que parece besteira, mas você costuma fazer uma cara de deboche tão forçada às vezes, que aquilo pode ter sido considerado uma careta para aquele demônio! Eu devo ter passado esse monstro para você naquele momento.

Emília parou de prestar atenção por um momento e olhou franzindo o cenho e ficando vesga para um grupo de alunos que passava ao lado delas. E logo prosseguiu.

— Você tem certeza? Eu estou desesperada! Não paro de ver essa coisa em todo lugar.

— Olha, segundo essa minha teoria, tudo que você precisa fazer é continuar fazendo caretas para não ser morta pela criatura, até o momento que alguém fazer careta de volta e você se livrar de vez dessa situação.

— E se ninguém fizer de volta, Ana?

— Calma, eu tenho uma ideia.

Naquele mesmo dia, Ana foi passar a noite na casa de Emília e sugeriu de navegar num site de bate-papo online via webcam. Muitas pessoas passavam por ali, e fazendo caretas para diversas pessoas aleatórias pela internet, na certa alguém em algum momento iria retribuir. As duas começaram a fazer palhaçadas e caretas em frente as pessoas que entravam no chat pela webcam, mas a maioria apenas ria e saia da sala rapidamente. Emília sentia como se seu tempo estivesse se esgotando com a criatura sorridente a encarando na porta de seu quarto e começou a entrar em desespero.

— Como você aguentou isso por tanto tempo, Ana?

— Calma! Não surta agora, é só continuar que vai dar certo!

As duas iniciaram um novo chat e finalmente um garoto retribuiu mostrando a língua para as garotas que faziam isso desesperadamente. Assim como Ana, Emília teve uma terrível visão, ela pode ver a criatura deformada na tela do computador, agora estava aparecendo na webcam com a face colada no pescoço do garoto. Se sentiu culpada instantaneamente por fazer aquilo. Mas Ana estava certa, o espírito foi passado adiante e nunca mais foi visto por elas. As duas nunca mais sentiram vontade de fazer caretas na vida. Não se sabe se o garoto conseguiu se livrar da criatura ou se ela já passou para muitas outras pessoas adiante. A única coisa que é certeza, é que nesse momento alguém em algum lugar está fazendo careta desesperadamente.

Feh Bastos
Enviado por Feh Bastos em 28/08/2024
Código do texto: T8139102
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