Onde o Mal se Esconde — CLTS 28.

Johnathan King

1.

Em 1882, Baltazar Archimedes, um explorador espanhol, partiu em uma jornada pelo Ártico em busca da lendária passagem noroeste. Archimedes era o comandante da expedição que contava com o Prometheus e o Khronos, duas corvetas de vinte e seis armas da Marinha Real Espanhola que foram selecionadas para a missão e convertidas em navios de patrulha.

Ambas as embarcações foram projetadas para enfrentar condições extremas e foram reforçadas com placas de ferro na proa e nas laterais para protegê-las dos danos causados pelo gelo, além de terem sido expandidas pranchas transversais diagonais para garantir uma maior estabilidade estrutural.

Os dois navios também receberam um sistema de aquecimento interno, além de hélices que mediam dois metros e meio, presas num eixo que percorria nove metros de comprimento das embarcações, que eram giradas por um motor à vapor que pesava quinze toneladas. Adicionando vinte e cinco cavalos extras para auxiliar na travessia no gelo.

Equipados com a tecnologia mais recente e melhor da época para expedições árticas, o Prometheus e o Khronos poderiam ser considerados os ônibus espaciais do seu tempo. Ambos os navios foram cuidadosamente abastecidos para uma viagem de cinco anos, assegurando que a tripulação tivesse acesso a todos os itens necessários para sobreviver nas difíceis condições árticas por todo o tempo necessário.

No início da "era heroica" da exploração do Ártico, quando grande parte do mundo já havia sido meticulosamente mapeada e bandeiras foram plantadas para o orgulho pessoal e nacional, restava uma área que ainda aludia os exploradores: a passagem noroeste.

Esse trajeto pelo ártico canadense se tornou alvo de diversas expedições infames e brutais. Um verdadeiro "santo graal" para os navegadores em busca de novas descobertas.

A passagem noroeste, uma rota marítima que conectaria o Oceano Atlântico ao Pacífico, ligando a Europa à Ásia, era um sonho distante desde 1497, quando a primeira expedição organizada pela Grã-Bretanha foi enviada para encontrá-la. Apenas alguns homens tinham visto o continente e ninguém ainda tinha posto os pés nele.

Em 1845, grande parte do leste do Ártico já havia sido mapeada e explorada, restando pouco mais de quinhentos quilômetros de área inexplorada. Foi nessa última área de terra desconhecida que muitos acreditavam firmemente estar a mítica passagem.

Archimedes foi o responsável por liderar a tripulação do Prometheus, tendo o seu grande amigo de infância Santiago Javier como segundo comandante. Por meio de ordens diretas do almirantado espanhol, o capitão Calixto Ortega assumiu o comando do Khronos.

Ao som da multidão aplaudindo e acenando, o Prometheus e o Khronos, junto com um navio de abastecimento chamado Hércules, foram rebocados por barcos a vapor ao longo da costa noroeste da Espanha, parando em Santander para transferir os suprimentos extras da embarcação menor para as duas maiores, antes de partirem para a missão de expedição.

Quando deixaram a escolta de barcos a vapor rumo ao Atlântico Norte, com cento e cinquenta homens divididos entre o Prometheus e o Khronos, Archimedes e Calixto se viram inevitavelmente desafiados a navegar por um território estranho e desconhecido até os confins da Terra, num mundo de gelo com temperaturas frequentemente abaixo de zero, luz do dia interminável e icebergs gigantescos.

Poucas semanas depois de deixarem o Porto de Santander para trás, os dois navios cruzaram o círculo polar ártico e se depararam com águas congeladas que mantinham o gelo intransponível. Os comandantes do Prometheus e do Khronos concordaram em abandonar o caminho original para o sudoeste, e como alternativa, ambos os navios se dirigiram ao norte em busca de águas mais favoráveis para navegar.

No céu polar, faixas de luzes coloridas - a aurora boreal - pulsavam pelo horizonte. Da proa do Prometheus, Archimedes e Santiago contemplavam o maravilhoso fenômeno da natureza completamente, encantados. Enquanto no Khronos, Calixto e a tripulação que o acompanhava também admiravam o belo espetáculo.

2.

Archimedes acordou assustado com a cama sendo arremessada com violência de um lado para o outro do dormitório, seguida por um som estranho e violento vindo de fora. Ao sair para verificar o que estava ocorrendo, foi surpreendido por uma forte tempestade que ameaçava levar os navios Prometheus e Khronos para as profundezas do mar gelado do Ártico.

Archimedes e a tripulação dos dois navios ainda não tinham conhecimento, mas algo naquela tempestade parecia maligno - como se os atingisse de maneira intencional. As rajadas de vento sopravam na noite polar. Havia um cobertor de neve no ar, enquanto a chuva congelava ao bater na água.

As pelotas de chuva gelada ardiam no rosto e nas mãos da tripulação dos dois navios ao tentarem levar as embarcações para longe do temporal. Enquanto Prometheus e Khronos eram arrastados para águas mais profundas e escuras, uma nuvem azulada cobria a superfície do oceano.

Algumas milhas depois, a tripulação notou uma luz se aproximando dos navios com velocidade. Utilizando uma luneta, Archimedes percebeu que se tratava de um grande redemoinho vertical, composto por uma poeira negra com camadas brilhantes e aleatórias.

À medida que Prometheus e Khronos se aproximavam daquela estranha forma, mais ela ganhava vida e uma força que vinha de dentro de sua fenda os atraia, irresistivelmente, para o seu interior. De repente, tudo parou, o som característico dos motores desapareceu, as luzes que iluminavam as duas embarcações piscavam intermitentemente como se estivessem retornando a qualquer momento e eles entraram em um túnel escuro onde não havia nada além de pequenas estrelinhas coloridas que voavam em torno dos navios capturados.

Durante algum tempo, os tripulantes flutuaram sem consciência dos próprios sentidos e se deixaram levar por uma realidade alterada no oceano. Em silêncio, os cascos de madeira dos dois navios arranharam o fundo congelado e pararam, sem poderem avançar mais ou se mover.

Ao despertarem, Archimedes, Santiago, Calixto e outros membros da equipe - muitos não sobreviveram - notaram que Prometheus e Khronos estavam presos a uma camada de gelo sólido em um deserto branco.

Após deixar Prometheus e Khronos para trás, Archimedes, Santiago, Calixto e mais trinta sobreviventes caminharam pelo gelo marinho com o objetivo claro de explorar o cenário desolador que se apresentava diante deles, tão diferente e familiar. Entretanto, o grupo não avançou muito em sua tarefa de reconhecimento.

Archimedes e seus companheiros avistaram uma geleira imponente e ameaçadora que parecia se erguer no vazio. Montanhas nevadas roxas se estendiam em todas as direções, com nuvens flutuando ao seu redor como se fossem cinturões. Uma barreira irregular de gelo se elevava do mar congelado, enchendo toda a garganta. A geleira era azul e branca com traços negros, como se estivesse acumulando uma quantidade enorme de neve suja em um único ponto. O pior de tudo era um som parecido com trovões que se espalhava pela água.

Archimedes percebeu que a temperatura diminuiu ainda mais. Como combinado, uma camada de gelo se desprendeu da lateral da geleira e despencou no oceano, liberando água e fragmentos congelados a uma altura considerável. Após um segundo, o som os atingiu - um BUM quase tão estrondoso quanto o barulho de um trovão.

O ar se tornou mais frio. O som do gelo se rompendo ficou mais alto. À medida que Archimedes e o grupo tentavam escapar do impacto, se viram completamente atraídos para o centro do abalo. Cerca de cinquenta metros de distância da geleira, um trovão atingiu os corpos dos homens e uma cortina de gelo se soltou em sua direção, arremessando-os para o mar frio. Mas, de uma forma estranha e indo totalmente contra as leis da física, os exploradores não caíram na água, mas era como se tivessem sido arremessados de uma montanha e tivessem caído para cima e não para baixo.

3.

Quando acordaram, o oceano estava sobre suas cabeças como se fosse um céu, enquanto a água havia desaparecido abaixo deles. E, sem dúvida, eles e suas roupas estavam secos. Um cemitério de navios afundados ondula no céu de água como estrelas erráticas. Diante deles, a entrada de um templo em estado de ruína.

Archimedes sentia uma aura opressiva de maldade no ar, como se à terra estivesse tentando despertar uma força demoníaca que consumiria tudo — como se as montanhas de ambos os lados quisessem esmagar tanto eles quanto toda a geleira. No entanto, a vontade de conhecer aquele lugar misterioso e fascinante o impediu de pensar de forma racional e partir com seu grupo para salvar suas vidas.

Sob a liderança de Archimedes, o grupo principal de homens deu alguns passos hesitantes na direção da entrada do templo sem questionar. Santiago e Calixto examinaram o entorno, apreensivos e igualmente atraídos. O grupo passou pela entrada e se deparou com um túnel estreito com uma iluminação fosforescente que fazia com que as paredes e o teto brilhassem de uma forma estranha.

A equipe seguiu pelo túnel fosforescente que terminava nos degraus de uma escadaria quase infinita, até chegarem à frente de uma porta feita de um material desconhecido com uma coloração vermelho-alaranjada vibrante. O grupo pensou um pouco, mas abriu a porta misteriosa e se viram dentro de um tipo de santuário. Ao investigar, descobriram que havia mais três santuários, um dentro do outro.

No último dos quatro santuários, Archimedes e os outros encontraram uma porta que levava a uma câmara subterrânea secreta e resolveram entrar nela também. À medida que iam se aprofundando mais no local, um grande espaço vagarosamente emergia das sombras. Eles foram confrontados com a descoberta mais estranha e misteriosa até então, uma catacumba longa e cercada por urnas funerárias, contendo corpos mumificados e extremamente ressecados.

O grupo estava apavorado, sem ter ideia do que pensar sobre aquilo. Ao final da catacumba, talvez estivesse a descoberta mais estranha e assustadora que eles poderiam ter, uma outra múmia. No entanto, ao contrário das outras que foram encontradas em urnas funerárias, esta última múmia estava em cima de um altar. Sua forma peculiar também chamou bastante a atenção dos exploradores espanhóis, que nunca haviam visto algo tão estranho em suas vidas antes.

A múmia tinha dimensões imensas, muito maiores que qualquer outro ser humano normal. A pele do indivíduo apresentava uma coloração marrom betuminosa, que foi sendo ressecada e emagrecida ao longo do tempo, resultando em uma aparência horrivelmente macabra.

Os exploradores encontraram ainda objetos estranhos nunca conhecidos e inscrições indecifráveis nas paredes e tetos da câmara subterrânea que abrigava a catacumba com a múmia gigante, sugerindo estarem diante de vestígios de uma civilização antiga e desconhecida.

Santiago arregalou os olhos e, por um instante, pensou ter visto a múmia se movimentando. Buscou afastar esses pensamentos da sua mente sem compartilhar com os companheiros. Calixto sugeriu que levassem uma parte do tesouro com eles e, em seguida, voltassem para buscar o restante. A ideia foi bem recebida por Archimedes, apesar de sua crença de que profanar templos e tesouros sagrados de divindades atraía maldições aos seus saqueadores.

O explorador não tinha a menor ideia de como eles poderiam escapar daquele mundo estranho em que foram jogados, que mais parecia um conto de terror do que qualquer outra coisa. O céu era um oceano com navios afundando em vez de estrelas. Sem contar a múmia gigantesca.

Contrariando suas próprias crenças em relação às maldições de quem rouba o tesouro de um deus, Archimedes, juntamente com seus companheiros, encheram seus bolsos do que puderam e fugiram. À medida que caminhavam em direção à saída da cripta, o grupo percebeu que o caminho se estendia como uma caverna ininterrupta, dando a impressão de que não deixavam o lugar.

Havia uma camada de neblina espessa e quase palpável no ar. Calixto sentiu um tremor e sua respiração ficou presa no ar frio. Ele tentou dizer algo, porém sua voz falhou. Ele aparentava estar apavorado. De todos eles, o comandante do Khronos parecia ser o menos corajoso. Não que os outros não estivessem também afetados pela situação que estavam enfrentando. Enquanto caminhavam, os exploradores se afastavam inexplicavelmente uns de perto dos outros, como se uma força invisível e maligna estivesse tentando separá-los a seu bel prazer, enquanto a densa neblina os envolvia completamente em um véu de escuridão e medo.

Calixto, ao perceber que estava sozinho sem seus companheiros, se desesperou, entrando em pânico e sentindo todo o tesouro roubado escondido em seus bolsos, pesando como se estivesse carregando grandes toneladas de ferro, impedindo-o de prosseguir com a sua caminhada.

Nesse instante, tudo ao seu redor começou a vibrar de forma estranha e figuras envoltas em uma aura de morte e loucura surgiram de dentro da névoa. Eram múmias. Seus corpos não passavam de fiapos de vapor negro cobertos por mortalhas de linho velho que flutuavam no ar. Contudo, o bastante para apavorar o explorador a ponto dele começar a chorar compulsivamente.

Calixto fechou os olhos completamente em pânico e começou a rezar, seus pensamentos se transformaram em uma tempestade de medo e desespero. Ele se deparou com algo mais maligno e insano que as múmias fantasmas.

A figura de quase três metros de altura, com um peito robusto e protuberante, membros ossudos e múltiplas articulações, foi vista por Calixto rastejando nas sombras. Era uma múmia gigantesca. Sua cabeça era parecida com uma bola de futebol americana, com um crânio inclinado para trás e narinas cavernosas que se alongavam e contraíam na escuridão. Os olhos da múmia se encontravam em cavidades profundas, completamente invisíveis, exceto por pequenas cintilações avermelhadas que pareciam flutuar em órbitas de uma caveira.

Nunca, nem nos sonhos mais delirantes de uma mente enlouquecida, nada mais aterrorizador e infernal poderia ter sido concebido. Calixto, com o rosto pálido e paralisado pelo medo, observava impotente a figura assustadora se aproximando lentamente dele. O homem apenas pegou sua arma, disparou contra a criatura e, para sua surpresa, percebeu que nenhum dos tiros atingiu o corpo da múmia.

Calixto atirou a arma no chão e tentou correr, mas suas pernas ficaram pesadas e seu vigor começou a diminuir. A múmia o puxou de forma abrupta com seus poderosos braços esqueléticos, o encarando com seus olhos profundos e malignos.

O capitão do Khronos soltou um grito terrível, um brado prolongado de horror e angústia ao sentir o seu corpo murchando feito um balão furado, que varreu o lugar.

4.

Santiago esbugalhou os olhos no exato instante em que ouviu o terrível grito. A expressão de medo em seu rosto ganhou forma ao reconhecer a voz como sendo de Calixto, o capitão do Khronos. No mesmo instante, um sussurro incompreensível soprou próximo ao seu ouvido, era gélido e assustador. Santiago se lançou para trás, caindo com força de costas no chão frio, fazendo um grande barulho quando o tesouro que carregava em seus bolsos tocou o solo. Logo se levantou, completamente apavorado.

O marinheiro demorou um instante para recuperar os movimentos do corpo, respirando com dificuldade e tremendo todo. Ele deu um passo para trás, as mãos apoiadas na parede, os olhos fixos no que estava à sua frente. Santiago sentia uma força opressora e maligna se aproximando dele sem qualquer receio ou hesitação.

O explorador percebeu dois olhos flamejantes brilhando de forma estranha, suspensos no vazio, encarando-o de volta, de dentro da névoa.

A múmia se revelou na sua forma mais cruel e repulsiva, com detalhes horrendos e enlouquecedores. A caveira começou a ser envolvida por uma massa viscosa e uma tromba protuberante com presas salientes na ponta e tentáculos ondulantes surgiram no lugar onde deveria ter um rosto humano. A criatura adquiriu uma aparência humanoide da cintura para cima, com a adição de uma boca com dentes extremamente afiados em sua barriga, e, da cintura para baixo, surgiram patas de aranha em vez de pernas. Duas asas membranosas de um morcego brotaram das suas costas.

Santiago percebeu a inclinação do solo sob seus pés e apoiou-se na parede para manter a estabilidade. Foi perdendo o fôlego, o peito ficou apertado, como se tivesse tendo um ataque cardíaco. O medo tomou conta dele e todos os músculos do seu corpo ficaram paralisados pelo horror indescritível. Mesmo assim, o medo que o atormentava era bem menor do que o medo de morrer pelas mãos daquela criatura que não conseguia identificar.

Concentrando todas as suas forças, o explorador tentou fugir da múmia, que se transformou num enigma grotesco de formas repulsivas e detalhes horrendos. Apesar do tamanho absurdo, a criatura era capaz de se mover com uma graça monstruosa, que desafiava a lógica e a física. E rapidamente se colocou entre Santiago e a saída, impedindo sua fuga.

5.

Archimedes não tinha ideia de quão longe andou até chegar à última cripta, mas parecia estar andando por aquele mundo subterrâneo esquecido por eras. O ar estava ficando mais fétido e irrespirável, com uma qualidade mais espessa e saturada, como se fossem sedimentos de podridão material.

Ao término de uma catacumba longa e cercada por urnas funerárias, o comandante do Prometheus foi confrontado por uma parede nua e teve uma revelação aterrorizante: seus companheiros de viagem estavam mumificados, em pé, contra a parede. No entanto, surpreendentemente, eles ainda estavam vivos, mesmo com seus corpos ressecados.

Archimedes jogou o corpo para trás, apavorado, e tentou fugir para o mais longe possível daquele pesadelo inominável. Deparou-se com a múmia, cujo olhar cruzava com o do monstro. Um pensamento repetido despertou-o para a verdade dos fatos. A sua vontade de explorar o desconhecido condenou ele e todo o seu grupo a um final terrível, onde os pesadelos assumiram formas tangíveis. Os gritos de agonia de Santiago, seu amigo de infância, e dos outros, penetravam em sua mente como um castigo trazido pelos ventos uivantes da loucura humana.

Archimedes ficou surpreso com a figura da múmia, e seus músculos do rosto foram imobilizados em um grito de horror eterno.

Fim.

TEMA: Múmia.

Johnathan King
Enviado por Johnathan King em 25/08/2024
Reeditado em 02/09/2024
Código do texto: T8136900
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.