A Orelha Eurídice
A arena foi tomada pelo cheiro acre de sangue e suor. Lawrence, o toureiro renomado, erguia a espada manchada enquanto o público aplaudia seu triunfo sobre mais um touro. Mas, naquele dia, sua mente estava distante, em outro lugar, inserida em uma única pessoa: Eurídice. Os olhos dela, a pele delicada, o cabelo que caía em cascatas suaves... tudo nela o fascinava, o enfeitiçava, o obcecava. Mas ela não o queria.
Euridice, a bela dançarina que iluminava qualquer palco que pisasse, nunca tinha dado a Lawrence mais do que um olhar educado. Não importava o quanto ele tentava impressioná-la com seus feitos na arena, ela sempre o tratava com a mesma indiferença cortante. Isso é uma corrosão por dentro.
As noites de Lawrence se transformaram em pesadelos vívidos, onde a figura de Eurídice dançava entre as sombras, sempre inalcançáveis. Em seus sonhos, ele a sequestrava, a levava para um local remoto onde ninguém mais poderia admirá-la, onde ela seria sua, e somente sua. Mas havia uma coisa que ele desejava acima de tudo: sua orelha, um símbolo de submissão, uma prova de que ela pertencia a ele, mesmo que apenas em suas fantasias.
Ele via o ato em sua mente repetidamente: o corte preciso, a pele macia cedendo à lâmina afiada, o grito abafado de Eurídice enquanto ele segurava a orelha ensanguentada em suas mãos trêmulas. A satisfação sombria tomou conta desses devaneios, como se finalmente tivesse conquistado aquilo que o atormentava.
A obsessão de Lawrence o consumia. Ele mal dormia, mal comia. Passava os dias em um transe, a visão de Eurídice dançando em sua mente o tempo todo. O público que antes o adorava começou a notar sua queda; seus movimentos na arena eram mais lentos, seus reflexos mais fracos. Mas nada disso importava para ele. A única coisa que importava era Eurídice e o que ele faria com ela.
Então, numa noite tempestuosa, Lawrence desapareceu.
A cidade estava em alvoroço. As pessoas cochichavam nos cafés e nas praças sobre o paradeiro do toureiro. E quanto a Eurídice? Ela estava desaparecida também? As histórias se espalharam como fogo, cada uma mais assustadora do que a anterior.
Mas a verdade era bem diferente.
Eurídice estava em casa, segura e completamente alheia aos devaneios de Lawrence. Ela nunca havia sido sequestrada, nunca tinha sido tocada por ele. Sua vida continuou normalmente, cheia de ensaios, apresentações e aplausos.
Lawrence, no entanto, estava preso em sua própria mente. Quando finalmente o retornou, ele estava em um canto de um sanatório, murmurando para si mesmo, as mãos manchadas de sangue... seu próprio sangue. Em sua loucura, ele cortou a própria orelha, acreditando que era a de Eurídice.
Os médicos o diagnosticaram com esquizofrenia grave. Sua mente, consumida pela obsessão e delírios, havia criada uma realidade alternativa onde ele era o algoz de Eurídice. Agora, preso em um ciclo interminável de pesadelos, ele passava seus dias revivendo o momento de sua "conquista", enquanto na realidade, Euridice vivia livre, intocada e feliz, sem saber que era a musa dos horrores na mente de um homem destruído.
E assim, o toureiro Lawrence, outrora um herói nas arenas, se tornou um prisioneiro de sua própria loucura, enquanto Euridice continuava dançando, livre e inatingível a Lawrence como sempre foi.