GEFIROFOBIA
As origens do Halloween, remontam ao antigo festival celta de Samhain. Esse dia marcava o fim do verão e o início do inverno frio, época associada à morte. Acreditava-se que nessa noite a barreira entre o mundo dos mortos e dos vivos era retirada, e as almas retornavam para visitar seus familiares. Para homenagear a presença dos espíritos sobrenaturais, eram feitas fogueiras sagradas, onde o povo se reunia vestindo peles, trajes de demônios, anjos, animais, máscaras com chifres, e coroas de flores naturais de Cempasúquio amarela, a cor simbólica destinada aos finados.
Anualmente no castelo de Bran na Transilvânia, conhecido como castelo do conde Drácula, é festejado em trinta e um de Outubro o famoso baile de Halloween, atraindo centenas de turistas e personalidades famosas de artistas e cantores na cidade de Brasow. Os ingressos são vendidos antecipadamente e sempre ficam esgotados. Na entrada fica uma placa luminosa proibindo uso de crucifixos, dentes de alho, estacas de madeira, e outros amuletos místicos, para não impedir a manifestação dos espíritos dos mortos, respeitando a lenda profética das almas libertas e autorizadas nessa noite, para visitar o mundo dos vivos. Ao lado há um Grimório, onde um mago mal encarado, profetiza as maldições escritas, com ameaças de sete anos de azar e toda sorte de infortúnios malignos para instigar medo nos visitantes, oferecendo também uma bebida escura, denominada "Licor de Desgosto " num cálice dum crâneo duma caveira.
O baile inicia com um show de magia feito por um ilusionista, seguido pelo desfile de fantasias, a mais original é premiada com uma viagem internacional, no transatlântico de luxo AIDA. O castelo é decorado com abóboras pintadas com tinta luminescente, envolto numa flutuante neblina artificial cinzenta, espelhos manipulados nas paredes que não refletem imagens das pessoas, figuras de fantasmas, esqueletos, bruxas, suspensas por fios transparentes, embaladas pelo vento, dando a impressão que estão voando, corujas e morcegos negros de silicone pelas árvores, cobertas de teias de aranhas reluzentes, tornando o cenário mais sinistro e assustador. Todos estão sujeitos a levar trotes macabros, como encontrar vampiros, caveiras, ceifeiros, bruxas, lobisomens, espantalhos, slender mans, zumbis, ocultos na neblina negra que envolve o imponente castelo sobre o rochedo.
Os turistas e amigos, Vadim, Arnol, Mirko, estavam instalados num pequeno hotel no outro lado da cidade, num bairro pacato.
Vadim tinha ido tomar parte num passeio de ônibus com outros turistas, visitar pontos turísticos da cidade, e avisou Mirko e Arnol que chegaria mais tarde no baile, perto de onze horas da noite.
Depois de apreciar a " Procissão das Múmias" pela rua principal, ele vestiu uma máscara de vampiro e uma capa preta, e foi caminhando para o castelo, onde era esperado pelos amigos.
Ao se aproximar do lugar, se deparou com algo apavorante, uma ponte sobre o rio que levava até o portal do castelo. Ele precisava vencer a sua fobia, seu medo irracional de pontes, a maldita doença Gefirofobia. Ele quase não podia enxergar, a densa neblina dificultava a visibilidade. Arriscou dar alguns passos, seu coração batia acelerado, o pavor tomou conta dele, um suor frio escorria pelo corpo todo, sofria tremores, espasmos musculares, calafrios, náuseas, vertigens, o marulho da água vindo do rio era ameaçador, sentiu a urina molhar as calças, não conseguia andar, suas pernas não se moviam, ficando paralisado, imóvel, como hipnotizado no início da ponte solitária, envolto nas trevas.
Escutou o ruído suave de passos se aproximando vindo da neblina, e o grasnado estridente dum uruvango vindo de longe.Ele não podia ver nitidamente a outra pessoa, apenas escutou uma voz gutural falar para ele :
— Voce está atrasado, o baile já começou.
— Sei disso, eu sofro de Gefirofobia, tenho ataque de pânico e medo mórbido de pontes. Na minha infância vi uma ponte desabar, carros despencaram na água, animais e corpos afogados boiando, desse trauma nunca mais me recuperei. O medo me domina , entro em surto gefirofóbico apenas em recordar as cenas horríveis de mortandade. É como um filme de horror que sou obrigado a assistir, contra a minha vontade.
— Voce deve ter medo é dos sêres de outro mundo, que andam vagando por aí nessa noite. Irei vendar seus olhos, segure na minha mão, eu o guiarei.
Com os olhos vendados por um lenço, segurando a mão do desconhecido, foi sendo conduzido pela ponte de pedras.
Notou que o outro usava uma atadura num ferimento na mão, exalava um cheiro de betume, ervas, ou pez mineral, tinha um mau hálito de mofo, como se tivesse usado recentemente a droga "Sopro do Diabo", a Burudanga, ou "Pó de Zumbi," como é batizada vulgarmente.
— Qual é a sua fantasia ? Acaso I.T o palhaço assassino do filme americano ?
— Continue sózinho, ignore o medo, voce tem coragem suficiente, trate de atravessar essa ponte de uma vez, vá se divertir no baile do Halloween com seus amigos, antes que seja atormentado e perseguido por um espírito trevoso. Essa noite é maldita, tem ocorrido muitos desaparecimentos misteriosos de turistas nessa cidade.
Dizendo isso, o estranho se afastou em outra direção. O tlec-tlec como ossos estralando dos passos se afastando, ecoava pela longa ponte nebulosa de pedras frias.
Vadim continuou a caminhar, até que escutou a música vinda do castelo. Retirou a venda dos olhos, era apenas uma faixa velha de linho embolorada, enfiou no bolso e seguiu até o final da ponte. Ele havia conseguido finalmente superar sua fobia doentia de pontes. Estava curado para sempre, podia dispensar o uso de medicamentos ansiolíticos, era uma grande vitória vencer aquela tortura psíquica de Gefirofobia, que o aterrorizava há tanto tempo, sem trégua. Não precisaria mais fugir, nem se desviar de pontes. Seu segredo da fobia atroz que escondia dos amigos, não existia mais. Aquela pessoa desconhecida o havia ajudado a superar aquele medo medonho que sentia ao se aproximar de pontes.
Aliviado, entrou no castelo e foi até o wc, higienizar a urina da roupa, depois foi para a sala do baile ao encontro dos amigos, dançar com uma bela jovem ruiva vestida de bruxa Bába Yaga, com um chapéu de cilindro e um colar de dentes de animais.
O baile seguia animado e a pista de dança lotada. De repente todas luzes se apagaram, a música parou. De fora vinha o ruído de armas de fogo, as portas se fecharam, as pessoas corriam como cegas tateando no escuro, alguns procuravam uma mesa para se esconder, outros se benziam fazendo o sinal da cruz. Então um ganido de animalidade cortou o ar, se ouviam gritos apavorantes e gemidos de dor na sala. Depois de alguns minutos, as luzes se acenderam novamente, no chão haviam diversas pessoas caídas ensanguentadas, com orifícios na jugular e pulsos. Perto da portal havia um ser dantesco e cadavérico, de dentes pontiagudos como presas dum Kojak urso, segurando na mão ossuda e com longas garras uma corrente de ferro, mantendo preso um Cadejo, o cão negro enorme, guardião das portas do inferno. E o mostrengo passou a dizer com uma voz ameaçadora:
— Como se atrevem a invadir o meu castelo, atrapalhar meu descanso, e não me convidar para o baile ? Basta uma ordem minha e meu cão matará a todos, irão me fazer companhia no averno !
O público olhava pasmado a imagem mostruosa, tomados de medo. Muitos passavam mal e tentavam inutilmente fugir.
Então o ser infernal soltou uma gargalhada diabólica, retirou sua máscara perfeita de silicone, revelando ser uma conhecida cantora de ópera da Romênia, e passou a cantar a área A dança dos Vampiros, acompanhada pela orquestra.
Os outros levantaram-se sorrindo do chão, mostrando que eram participantes da brincadeira de Halloween, e as manchas de sangue eram apenas molho de tomate. Lá fora os seguranças continuavam a estourar balões, imitando um tiroteio, e se divertindo com a reação do susto pregado a todos. Um deles levou o grande cão negro, fantasiado de Cadejo para fora, indo serví-lo com atenção.
A orquestra continuou a tocar músicas góticas com efeitos sinistros.
Enquanto Vadim dançava, as palavras do misterioso desconhecido que o havia auxiliado a atravessar a ponte, pairavam na sua mente. " Voce deve ter medo é dos sêres do outro mundo, que andam vagando por aí nessa noite."
Eram quatro horas da madrugada, quando a orquestra anunciou o final do baile com a famosa Valsa das Bruxas e a Dança Macabra.
Os três amigos cansados retornaram juntos para o hotel e foram logo dormir.
Na manhã seguinte a firma de limpeza, avisou o segurança que uma porta que dava para o subsolo estava aberta.
Pouco depois a polícia fazia uma vistoria no lugar. Lá ficava o mausoléu dos últimos moradores do castelo, onde havia uma portela, porta secreta que conduz ao exterior, permitindo entrar e saír sem ser visto, usada como fuga de emergência em caso de guerras. De um dos nichos da parede de pedra, o caixão da princessa Aylene, herdeira da rainha Marie, e última habitante do castelo de Bran, havia sido retirado e a tampa se encontrava aberta. A múmia embalsamada da princessa estava recostada na parede ali perto, algumas faixas esfarrapadas espalhadas pelo chão. Como nada havia sido danificado, nenhum objeto de valor, nem joias reais haviam sido furtadas, usando roupas protetivas, eles recolocaram a múmia no devido lugar e lacraram a lápide novamente.
O policial disse sorrindo brincando :
— Parece que a múmia da princessa acordou com a música, levantou-se e foi também dançar e se divertir no Baile do Halloween. . .
Ele iria deixar de sorrir, se soubesse o quanto estava perto da verdade . . .
FIM
TEMAS- Ponte, Halloween, Múmia.
Vocabulário :
Ária- ópera cantada por uma só pessoa.
Área- cantada por duplas ou acompanhada por orquestras, ou coral de vozes.
Uruvango- Abutres e corvos gigantes
Cadejo- cão guardião do portal do Hades
Averno- sinônimo de inferno
Cempasúquio- flor de cor pálida em forma de sinos, flor dos mortos
Burudanga- Droga nociva feita de escopolamina, causadora de efeito cinderela
Licor de Desgosto- Gíria usada por ladrões que misturam droga na bebida para dar golpes