SONHARES - CLTS 28

De todos os períodos e confins da Terra, em que se pode começar uma boa história, eu resolvi começar pelo longínquo ano de 2.116 e vou tentar explicar os motivos. Farei isso ao longo da narrativa, por isso peço a paciência dos senhores.

Não sou uma testemunha nem sequer contemporânea dessa época, ou ao menos conheci nenhum desses infelizes. Foi o interesse antropológico que me fez enveredar pelo obscuro segundo milênio, seguindo os cálculos dos antigos.

Tudo inicia no momento em que Tony abre os olhos. O andróide, último modelo de uma linha descontinuada, 20 anos antes do ano em que se transcorre a narrativa, teve seus sensores, capacitores e processador reativados após a descarga elétrica de um raio que atingiu os arredores do Setor 7, na capital do estado do Rio de Janeiro. Não sei se é digno de nota, não penso existir remanescentes vivos de época tão longínqua que possam endossar ou negar isso. Mas desde 2.048, durante a Grande Depressão, a cidade do Rio de Janeiro voltou a ser a capital federal do país. Deixo registrado, para que não me recriminem por omissão.

O Setor 7 era um enorme cemitério de andróides que se estendia por praticamente todos os morros antes ocupados, favelas e becos da cidade. Rocinha, Morro do Alemão, Vidigal. Desculpe-me se faltam referências geográficas mais abrangentes. São tempos realmente muito remotos esses e eu confesso que contive os meus esforços mais nas interações sociais deste exemplar bem curioso, que é o ser-humano.

Antes que falemos de Tony propriamente, algo precisa ser explanado. O contágio a nível pandêmico dessa nova droga à época, responsável pelo extermínio entre facções criminosas, depois entre usuários e por fim pelo desmantelamento de toda a ordem social que se conhecia e se estruturava desde os primórdios da civilização humana.

— Que horas você vai sair, César?

— Eu não vou sair, Daisy. Vou atingir o Nirvana esta noite. Eu me decidi.

O soco foi certeiro e potente. César caiu como um saco de esterco. E Daisy não era qualquer uma. Pugilista esforçada, que passava horas treinando na academia. Ele, um homem mirrado, com seus desconjuntados 1,60m e um penteado lambido para o lado que lembrava qualquer coisinha ou pessoinha que tivesse que se sentir pena.

Sem dificuldade, ela arrastou o sujeito pela sala até a porta que dava acesso à rua e chamou um Vetelix, acionando seu comunicador ao pressionar o lóbulo esquerdo. O veículo, lembrava a cabine de um caça Eurofighter Typhoon, de nariz bem menos alongado e asas que se projetavam discretamente por motivos estéticos e um tanto quanto saudosistas, já que não eram funcionais.

— Minha nossa, mais um? Isso está fora de controle. É o terceiro caso compulsório que atendo essa manhã. E ainda são 9h. Constatou o motorista do Vetelix, depois que a porta em formato 'asa de gaiovota' se abriu, revelando Daisy e César.

— A Metalog fracassa a cada tentativa de criar o Antídoto. Um vírus que possa invadir e destruir o sistema.

— Não é pra menos. Eles criaram uma droga auto senciente que tem a capacidade de recriar conexões neurais e nervosas a ponto de tornar o hospedeiro um mero zumbi, como algumas espécies de fungos são capazes de fazer com formigas.

— Sim, eu sei bem como funciona. — Olhe, o que está acontecendo? Ali? — chamou a atenção Daisy, para o alvoroço que se formava no terceiro anel acima do solo, de onde se projetavam os trilhos de élicons que formavam as vias pelas quais os veículos plainavam.

— Seja o que for, é proibido parar ali. Eles podem causar um acidente terrível, — observou o piloto do transporte. Assim como Daisy, Pollux era um andróide da quinta e última geração. Eles eram gerados de úteros, cresciam, se formavam, entravam na puberdade, fervilhavam, depois se tornavam adultos e velhos e declinavam. Em tudo, essas máquinas eram iguais aos humanos, exceto que eles podiam escolher se iriam morrer ou não. E que não foi possível fazê-los sonhar, da mesma forma como os seus criadores.

— Reduza, ok? Sobrevoe a área. Quero saber o que está acontecendo.

— Tem certeza, moça? O seu amigo aí atrás está acordando.

— Sim, eu tenho. Por favor. Se César não se comportar, eu o nocauteio de novo.

— Tudo bem, vamos lá. — É cada um que aparece. Esse último comentário Pollux só pensou. Ele foi orquestrado junto com um meneio de cabeça e Daisy quase pôde sentir certo sarcasmo no ar.

— Aquilo é o que eu estou pensando?

— Se o que está pensando é um andróide da terceira, um guerreiro das antigas como aqueles filmes de faroestes que eles passam nas lanchonetes, é sim. Esse aí é bravo, — retrucou o piloto. Daisy observava a cena com um fascínio hipnótico. Ela, que só conheceu os andróides de terceira geração por fotos e em filmagens antigas, encontrava-se a poucos metros de um. A empolgação era tanta que a fez transpirar e tremer. Seus nervos saltitavam eufóricos mediante o tipo biomecânico que servia de inspiração durante todos aqueles anos da adolescência, à sua fase adulta atual.

— Se eu te transferir mais 10 umi’s, você leva ele para a unidade de recuperação.

— Mas o que eu faço se ele acordar?

— Use o seu taser. Você tem um, né?

— Eu tenho, mas sou contra a violência. Todos nós deveríamos ser. Não?

— O seu senso de ética está meio embotado. Esse é um caso extremo de saúde pública.

— 20 umi’s então, moça.

— Olha só, hein? Continuamos falando de ética? E sobre usar a violência? Retrucou Daisy, erguendo a sobrancelha. Pollux fez um movimento deslizante no pulso direito e o visor digital azul registrava a transferência de 20 umi’s, que Daisy fazia.

O propulsor do Vetelix se realimentou e jogou o veículo no efervescente tráfico local. A autoestrada fez a correção da rota de um veículo que vinha no mesmo sentido e assim todos os outros se adequaram. Os trilhos de élicons transmitiam em tempo real ondas sensoriais ao longo de toda a via. A inteligência artificial era responsável por cada movimento. Mesmo que uma formiga pudesse cair em sua finíssima malha, seria percebida.

Daisy encarava seu dilema real agora. Ela viu seu herói apanhando, sendo jogado em uma roda de gangsters. Brutamontes passando-o de um para o outro como uma bola, até cair no chão e ser chutado. Mas resolveu acabar com a festa deles de um jeito que, se fosse pega, ela sabia como terminaria, na prisão. Ela atirou para o alto três vezes com uma Magnum 47. Um exemplar que só se podia ver em museus. Os encrenqueiros reagiram da forma que sabiam. Violência. Investindo contra o andróide com seus tacapes, correntes e nunchakus. Porque algumas dessas gangues só tinham uma motivação: Destruir andróides de qualquer tipo. Mas igual à Daisy eles nunca tinham visto. Ela se abaixou defendendo a cabeça com o braço esquerdo, de um golpe com a corrente enquanto chutava outro oponente que vinha pela sua direita e continuamente, numa sequência de habilidades incríveis, a corrente deslizando por suas mãos enlaçou outros dois que ficaram atados um ao outro como piche e asfalto. Vendo que a sua vantagem não poderia ser mantida por muito mais tempo, Daisy pegou o andróide caído, colocou nas costas e saiu correndo. Um dos homens, raivoso, ainda lançou o nunchaku para enlaçar-lhe os pés, mas não obteve êxito.

Daisy procurou um lugar seguro para averiguar as condições que o andróide se encontrava. Sentou-o debaixo de uma marquise no velho Setor 6. Área que correspondia aos bairros: Santa Teresa, Laranjeiras, Rio Comprido e Flamengo. Havia muitas ladeiras ali e os prédios mais antigos e decrépitos deixavam tudo ainda mais sombrio e estranho. Conjuntos de apartamentos, bares, mesas e cadeiras de plástico nas calçadas, os muros grafitados. Bons exemplos da forma como esses seres primitivos viviam.

As avarias eram sérias. Daisy notara que mesmo antes da surra aquele andróide já não estava em boas condições. Parecia ter vindo direto do Setor 7, pensou. De repente, Tony despertou. Com movimentos bruscos dos braços, ele parecia reviver a cena da luta, como se voltasse instantaneamente para aquele momento e na premência de se defender, se debatia em uma postura nítida de pânico.

— Ei, ei. Calma! Você está seguro agora. Ok? Eles foram embora. Eles foram embora!

Tony, ainda sentado, parou, olhou em volta, para se situar da sua localização, depois se levantou, sem falar nada e foi descendo a rua.

— Espera, ei. Você não pode sair por aí assim, sozinho. É muito perigoso. Muitos aqui querem matar gente como nós. Você não sabe?

— Eu, eu não sei. Onde estou? Quem é você?

Daisy explicou para ele como o encontrou e tudo o que aconteceu e o andróide logo recobrou suas memórias, mas ainda não se sentia seguro para confiar nela, até aquele momento.

Os dois seguiam seu tour pela cidade, até que Tony topou com uma imagem que demoraria a sair da sua cabeça, assim como da de Daisy também. Eles haviam andado muito até chegar ali. A visão do alto e à distância, tornava aquele momento ainda mais mórbido. Na frente deles a ponte da Joatinga e um homem em pé, parado, prestes a se lançar.

— Você acha que ele será capaz?

— Sim, eu acho, — afirmou Tony, — é fácil para eles. Pôr fim a tudo. Não é?

— Eu não sei. Mas é preciso coragem para se matar. Não?

— Talvez coragem não seja a palavra certa. Eu ainda estou estudando sobre isso. Escrevo uma enciclopédia, sobre eles. Como um registro. Quero deixar isso para a posteridade. Sabe?

— Curioso que você se interesse por eles. O meu grande exemplo sempre foi você. Sabia?

— Esqueça isso, senhorita. Não se deve tomar ninguém como exemplo. Todos irão decepcioná-la, ao menos uma vez. Vai por mim.

Enquanto falavam, o homem da ponte se jogou, encontrando a morte nas águas da Lagoa da Tijuca. Eles estavam na parte urbana do Rio de Janeiro agora. Caos, sujeira, moribundos drogados que se arrastavam. Tudo isso contrastando com os prédios iluminados de neón que bombardeavam incessantemente propagandas da coca-cola, samsung, IBM e outras marcas. De repente, em uma das telas, um samurai surgiu, fazendo movimentos suaves de algum tipo de luta e Daisy aproveitou a oportunidade.

— Você podia me ensinar, né? A lutar Kung-fu. Disse, simulando movimentos da luta.

— Isso é coisa ultrapassada. Pensei que todo o tipo de violência fosse severamente coibido nesse tempo.

— É, sim. Com exceção daquela praticada contra nós. Não é?

— Essa guerra ainda não acabou, pelo visto.

— E está longe de acabar. Parece que os humanos não conseguem viver pacificamente com quem pode competir de igual para igual com eles.

— Tudo bem. Eu te ensino kung-fu. Mas antes, preciso comer. Estou faminto.

— Vamos. Eu conheço um lugar. E depois preciso rever um amigo.

Todo o lugar servia comida. Eram dezenas de boxes que ofertavam lanches e pratos variados. Eles comiam uma espécie de disco feito à base de farinha e água, assado, sobre o qual era colocado o recheio. Tomate picado, cebola roxa, alface e diversas carnes cortadas em cubos. Frango, porco e boi. Depois enrolava-se e servia-se. Parecia saboroso. Tony salivava enquanto esperava ficar pronto.

Ao lado deles, uma sombra erguia-se e revelava um homem deitado no chão, que não tinha sido percebido por eles antes. Ergueu a coberta em que se enleava e se tremia inteiro. Uma baba branca e espumosa era expelida de sua boca e os espasmos se intensificaram. Deitou-se, arcando mais ainda o corpo. Suas mãos e braços viraram para trás enquanto se mantinha com os joelhos apoiados no chão, até se deitar totalmente, levado pela onda de choques violentos. Depois os olhos viraram para dentro e ele passou a vomitar sangue, que também escorria do seu nariz e dos ouvidos. Em alguns minutos, depois desse show de horror, o homem estava morto.

— É a Morfélia. Está matando mais rápido agora. Começaram a queimar os corpos. Não tem mais espaço nos necrotérios. Contribuiu o chapeiro, que preparava o lanche deles. Chamava-se Hermes. Usava uniforme vermelho e branco, toca, e tinha um bigode bojudo, do qual parecia sentir orgulho. Aparentava seus quarenta e poucos anos.

— Em quanto tempo? — perguntou Daisy.

— Uma semana para ficar viciado. Três dias usando sem parar, é o suficiente para o sujeito ter esse mesmo fim que vocês acabaram de ver.

— Obrigado. Vamos levar para viagem. Tá bem? — Vem, vamos embora. Chamou Daisy. Tony levantou-se e sorriu para o chapeiro. O homem o estranhou. Percebendo se tratar de um dos andróides descontinuados. Mas deixou passar. Não quis criar confusão. Além disso, parecia ser um bom sujeito.

— O que aconteceu? Por que saímos daquele jeito? — Quis saber Tony.

— Alguns nos odeiam. Nos acusam do que está acontecendo. Essa Morfélia. Afinal, é a droga que faz os andróides sonharem.

— Sonhar? Oras. Mas eu sonho!

— O que? Não pode estar falando sério! Vocês não são capazes de sonhar. Vocês nem sequer dormem. Como pode sonhar? Você está confundindo as coisas.

— Está bem. Deve ser uma falha. Você tem razão. Só que eu não entendo. Como essa droga foi parar nas ruas? E se foram eles que injetaram neles mesmos, como podem nos culpar? O andróide mudou de assunto. Não quis discutir. Mas ele tinha convicção. Ele sonhava.

— Os humanos são assim. Procuram respostas para amenizarem suas culpas. Deus, Ciência. Os andróides.

Há quilômetros dali, no Centro Médico, César, há poucos minutos de se sentar em uma cadeira confortável, ignorava o seu triste destino. Seria usado como cobaia, dentre as milhares que já foram usadas para testar um antídoto que funcionasse para conter a pandemia que se alastrava assustadoramente. Uma amostra daquele lote, que acabara de sair do laboratório, foi aplicada em seu pescoço. Ele lutou bastante antes que o imobilizassem e estava agitado. Essa condição era perfeita para o efeito do imunizante. Foi se acalmando, relaxando, até o completo torpor. Dormia enquanto os médicos e enfermeiros o monitoravam através dos dez monitores em volta.

— Onde fica esse hospital? Falta muito? — queixou-se Tony. Eles já estavam andando há 20 quilômetros.

— Falta pouco. Tá cansado? Vamos parar. Você poderia me dar umas aulas agora. O que acha?

— O que você vê nesses velhos costumes de um mundo arruinado? Tudo isso se foi. Não irá voltar.

— Eu acredito que existem coisas que não devem morrer. Fazem parte do que nós somos. Quer dizer, do que eles eram. Mas eles nos criaram, não é? Isso deveria ser parte nossa também. Você não sente falta de uma coisa? Que não sabe o que é?

— Eu tenho um sonho. — Nesse momento Tony parou de falar e encarou Daisy, para ver como ela reagiria. Mas ela manteve-se impassível e então ele continuou, — Nesse sonho eu estou no Japão feudal. Acho que eu sou um guerreiro. Um samurai. Sou surpreendido. Tenho a minha casa invadida. Eu acordo e me deparo com a cabeça da minha esposa, separada do corpo, me encarando com os olhos abertos e murchos, opacos, sem vida. Pego a minha katana e me preparo para o ataque. Sou ágil. Mato tantos homens quanto minha fúria descontrolada me permite. Meus olhos ardem como duas labaredas de ódio, alimentados pelo azeite da vingança. Levo um golpe. Uma katana me acerta de raspão no braço esquerdo. Eu me esquivo, caio de joelhos. Protejo-me com minha arma e levanto, girando e golpeando. Eu irei morrer. Quando sinto a lâmina afiada da katana perfurar minhas costas, eu acordo. É sempre o mesmo sonho. Sempre isso.

— Então. Se isso é verdade. Se você sonha. Isso torna você especial. Deve ter sido reativado por algum motivo. Eu acredito em predestinação. Destino. Você é um predestinado. Como o messias deles, sabe? — Tony ergueu as mãos com as palmas para cima, denunciando não saber do que se tratava.

— Ah, deixa pra lá. Nós chegamos.

— Espere, veja! É melhor nos afastarmos! Alertou Tony, sobre a presença inesperada. Um homem alto, louro, de cabelos compridos, que usava boné, calças e jaqueta jeans, pretos. Na sua camisa branca, o símbolo da anarquia pichado rusticamente com tinta vermelha.

— Está agindo estranho. Drogado, sem dúvida. — sugeriu Daisy.

— Liberdade! Liberdade! Liberdade! Liberdade! — gritava o homem, desferindo golpes com um canivete em seu peito, sobre o coração. Daisy, sensibilizada com a cena, tapou os olhos com a mão no começo. Mas o som igualmente tétrico, a deixava tão horrorizada quanto a imagem. O homem, mesmo caído e quase sem forças, por perder muito sangue, usava o fiapo de energia que lhe restava para golpear-se e sussurrar até o fim: Li-i-i-be-da… caindo no chão, morrendo.

— Nossa! Que coisa horrível.

— Eu vi o sonho dele. Nitidamente. Eu sei porque ele fez isso!

— Como assim, Tony? Eles não sonham como nós, com a droga. Funciona para eles como uma espécie de Realidade Virtual, onde eles interagem de forma diferente. Como um simulador. Um jogo.

— Eu sei. Mas eu vi. Acredite.

— Então me diga como foi?

— Ele estava em um campo, arrasado. Era a Primeira Grande Guerra Mundial da era deles. Havia um rio à sua frente, quase seco, com poças de lama e sangue. Pilhas de corpos amontoavam-se em todos os lugares. E ele batia no peito com a mão fechada e gritava: “Sou um herói. Eu sou um herói! He-rói! He-rói! He-rói!”

Daisy ainda tentava formar essa imagem em sua cabeça, quando deparou-se com César, quase sem roupa, sangrando e ofegante.

— Me ajuda! A-ju… — e caiu com o rosto no chão.

Tony carregou o amigo de Daisy até o Setor 7, onde ele disse que estariam seguros. Lembrara-se de informações importantes desde que fora reativado e imaginava que conseguiria, com a ajuda de Daisy, reativar alguns de seus velhos amigos que repousavam nas montanhas de sucatas. Depois de horas, encontrou um deles. Chamava-se Calígula e assim que foi ligado o andróide começou a gritar. Tony tentou acalmá-lo, assim como Daisy tinha feito com ele horas antes.

— Foi horrível. Eles me levaram pra estrada. Me atropelaram diversas vezes. Dando a ré e passando novamente por cima. Depois me bateram na cabeça e nas costas com os tacos. Diziam que queriam me ouvir gritar. Me ouvir sentir toda a dor que eu pudesse suportar. Me deixe aqui Tony. Por favor. Me desligue de volta. Eu não quero voltar. Tony entristeceu-se, mas atendeu o pedido do amigo, o desligando para sempre.

Quando César recobrou a consciência, relatou tudo o que se passou com ele. Como o efeito do antídoto foi totalmente diferente do que o que era pretendido e de como ele se tornou um homem quase indestrutível. Com força suficiente para se livrar das trancas e correias e capaz de suportar as ondas de choques das armas, que queimavam como lava incandescente. A resposta só ele trazia consigo e agora tornava pública:

— Eu fui cobaia outra vez. Precisava da grana. Estavam pagando bem. 5 mil umi’s.

— Então foi isso? Não fizeram os testes? Não se pode ser cobaia duas vezes.

— Não. É a única explicação. A reação com o antídoto que me aplicaram antes, me tornou isso que eu sou agora. Uma aberração. Não sei ainda.

— Eu sei o que você é! — surpreendeu Tony, aparecendo do nada. — Eu sonhei. De novo. Mas dessa vez eu vejo o rosto de quem me matou no sonho, Daisy. Foi você, César.

TEMA: DROGAS

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GLOSSÁRIO

ÉLICONS - Malha viária na qual os veículos plainavam. Muito fina e coberta de circuitos pelos quais passavam as informações interpretadas pela I.A. sobre o tráfego, monitorando e guiando dessa forma todo o trânsito em sua extensão.

MORFÉLIA - Sua morfologia deriva da junção das palavras Morpheus, o deus dos sonhos e Ofélia, personagem da peça Hamlet, de William Shakespeare.

Droga desenvolvida com a finalidade de proporcionar sonhos aos andróides da geração 4 em diante, mas que acabou sendo consumida por humanos, com efeitos catastróficos em seus organismos, como: dependência físico-química, delírios, alucinações e perda de identidade e dissociação. Em último estágio os dependentes usufruiríam do que chamavam de NIRVANA, que é a morte no mundo físico, onde experimentariam os prazeres do paraíso sob os efeitos da droga. O cérebro e a consciência manteríam-se despertos e ativos nessa realidade, mesmo com a morte do corpo físico, por até 2 semanas. Podendo-se ainda manter a consciência indefinidamente, caso o indivíduo manifestasse esse desejo em vida ou a família assim o fizesse. Esse procedimento foi amplamente utilizado antes que se fizessem estudos mais abrangentes sobre os arrasadores efeitos da droga e das ondas violentas de suicídios coletivos.

UMI - (Unidade Monetária Internacional) Moeda Única, usada em todo o mundo.

VETELIX - Veículos flutuantes, com propulsores a jato, que também poderiam ser controlados manualmente. Que se destinavam ao transporte de passageiros, como os antigos táxis, por exemplo.

Relutei bastante quanto a fazer um GLOSSÁRIO, por achar que todos os conceitos desta FC não são tão estranhos assim ou que necessitem de um apêndice para serem explicados. E também quanto a posição do mesmo. Como sabem, sou grande fã do gênero Ficção Científica, meu último conto no certame, ANDROMAQUIA, trata-se de uma FC. E lendo Neuromancer, sei que o glossário deste livro é no início dele. Mas fazendo minhas consultas, vi que é mais consagrado, não sei se via de regra, usar os glossários no final. O que acabei escolhendo. Resolvi deixar o glossário mais como curiosidade. E espero que ele não conte como número de palavras no certame, porque entendo, que por ser um apêndice, não faz parte da obra em si e pode-se perfeitamente compreendê-la sem ele. Obrigado a todos.