A casa do lago

 

Acordei novamente com aquele barulho no andar de baixo. Há mais de um mês que isso vem acontecendo, mas sempre que desço até a sala não vejo nada. Será que estou enlouquecendo? 

Devo estar.

Michele me abandonou e levou as crianças e  nem sei o porquê. 

Ela não atende mais minhas ligações. Sumiu! E, agora esse barulho maldito!

 

Mudei-me para casa do lago depois que ela me deixou. Mi sempre quis morar aqui, tínhamos combinado que faríamos isso quando as crianças crescessem. “O lago é perigoso, querido”, ela sempre dizia isso.  E agora estou eu aqui sozinho, revendo meu passado, sonhando com um futuro que ela volte para mim.

 

Desde ontem  ou seria desde… não sei precisar os dias, algo de muito estranho aconteceu, um nevoeiro se instalou em volta da casa. Parece que vai além do lago, pois não consigo visualizar mais do que alguns metros de distância. O lago está ali, porém não vejo. Essa neblina levou embora meu ânimo, minha vontade de sair explorar a propriedade. 

 

Não quero ver ninguém, quero me perder nessa escuridão que se tornou minha vida. E agora além do barulho, as cortinas misteriosamente se abrem, tenho certeza que não sou eu. Não quero ver aquele nevoeiro da rua. Quero me esconder aqui até Michele voltar. 

 

Desço as escadas desesperadamente, pois ouvi um barulho que parece ecoar pelos corredores de madeira da casa. Os passos se aproximam da porta da frente, consigo chegar a tempo, a porta já está se fechando. Ao sair da varanda o nevoeiro denso envolve meu campo de visão, porém consigo ver Michele, já dentro do carro, pronta para partir com as crianças no banco de trás.  

 

— Michele! — chamo, ela não me ouve, ou não quer me ouvir. Nossos olhares se encontram e ela rapidamente desvia, evitando qualquer contato emocional, nervosa, com pressa de sair dali. As crianças visivelmente assustadas e confusas.  Bato no  vidro do carro, tentando chamar sua atenção, e ela simplesmente me ignora.

— Michelle, por favor, deixe-me falar com eles! — Eu imploro, enquanto ela dá partida no carro… simplesmente ignorando minhas súplicas, dirigindo lentamente pela estrada coberta pela neblina espessa. 

Acordo sobressaltado, sentindo uma pressão firme no  peito, como se algo ou alguém estivesse tentando me empurrar para fora da cama. Meu coração dispara enquanto abro os olhos, apenas para encontrar o quarto mergulhado na escuridão. Olho ao redor, meus olhos ajustando-se à penumbra, não há ninguém. 

A sensação de ser observado era palpável. Minhas mãos tremem enquanto tento acalmar minha respiração, me convencendo de que foi apenas um sonho, mas o peso invisível ainda parece pressionar meu peito. Ouço um leve sussurro ao meu ouvido, um som etéreo que se dissipa rapidamente. Um calafrio percorre minha espinha enquanto me esforço para me mover, tentando desesperadamente entender o que  aconteceu.

 

De repente, um grito estridente de medo, de  pavor irrompe o silêncio. Corro desesperado até o andar de baixo e me deparo com um menino chorando. 

Quem será esse menino? Nunca o vi por aqui. Não é amigo dos meninos, se fosse já teria visto com eles. Uma mulher de aproximadamente 30 anos abraça a criança, tentando acalmá-la.

— Mamãe, tem um homem na minha cama. 

 

Um homem na cama dele? Ele que estava na minha cama!

A mulher se abaixa para ficar na mesma altura do garoto, seu rosto cheio de preocupação e carinho. O menino, com os olhos arregalados e cheios de lágrimas, visivelmente atordoado, aponta para cima com uma mão trêmula, sua voz quase um sussurro, dessa vez no ouvido da mãe:

— Mamãe, tem um homem dormindo na minha cama.

 

Revisão e sugestões de Fabiana Nichelli

 

Juliana Duarte Honorato e Fabiana Nichelli
Enviado por Juliana Duarte Honorato em 10/07/2024
Reeditado em 08/09/2024
Código do texto: T8104209
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