A casa dos Sussurros

Na colina mais alta da cidade, cercada por árvores que pareciam sussurrar segredos antigos, estava a casa Derepente. Era uma mansão de tempos imemoriais, cujas paredes guardavam histórias que ninguém ousava contar.

Dentro da casa, havia três moradores: Mariana, Roberto e Joana

Mariana, uma mulher jovem, de olhar perdido e coração inquieto, que se mudara para a casa em busca de paz após um rompimento doloroso. Mariana vinha de um relacionamento que a deixou profundamente marcada. Seu antigo amor, Ricardo, era um homem encantador, mas suas palavras doces esconderam uma traição brutal que ela descobriu tarde demais. A revelação a devastou, deixando-a com um vazio que parecia impossível de preencher. Fugiu para a casa Derepente na esperança de encontrar um refúgio, mas a solidão da casa só intensificou sua dor. Ela se pegava olhando para o anel de noivado que ainda guardava, um símbolo cruel de promessas quebradas.

Roberto, um homem de meia-idade, com cicatrizes na alma, procurando um novo começo longe da agitação da cidade. Roberto trabalhava como médico em uma grande cidade, mas uma série de erros médicos o assombrava. Ele havia perdido um paciente durante uma cirurgia de rotina, e a culpa o consumia dia e noite. A imprensa local não poupou esforços em transformar sua vida em um inferno, levando-o a se isolar. Fugiu para a casa Derepente, acreditando que a distância e o silêncio poderiam curar suas feridas. Mas as memórias de suas falhas o seguiam, transformando os corredores escuros da mansão em espelhos de sua própria culpa.

Joana, uma senhora sábia e serena, que sempre dizia ouvir vozes ao vento e ver além do que os olhos mostram. Joana tinha um dom raro: desde pequena, ela via e ouvia o que outros não podiam. Sua avó, também uma vidente, ensinou-lhe a abraçar esse dom, mas a vida toda Joana foi considerada estranha e evitada pelos outros. Quando encontrou a casa Derepente, sentiu uma conexão imediata. As paredes sussurravam segredos, e as sombras pareciam contar histórias que apenas ela podia entender. Joana sabia que a casa estava viva, com uma presença que pulsava em cada tijolo.

Leopoldo, um gato preto de olhos amarelos brilhantes, apareceu na casa pouco depois que os moradores se instalaram. Ele era misterioso, silencioso, e parecia pertencer ao lugar. Enquanto os outros eram assombrados pelos eventos sobrenaturais, Leopoldo passeava calmamente pela casa, indiferente às portas que se fechavam sozinhas e aos sussurros no vento. No entanto, ele se arrepiava e fugia sempre que Mariana, Roberto ou Joana se aproximavam, seus olhos arregalados em um misto de medo e reconhecimento.

A casa Derepente, construída no século XIX por um industrial excêntrico chamado Amadeo, sempre teve uma aura de mistério. Amadeo desapareceu misteriosamente, e a mansão passou por várias mãos, cada uma trazendo novas histórias de assombração. Dizem que Clara, a última moradora, uma jovem atormentada por visões e que desapareceu sem deixar vestígios, deixou para trás um diário enigmático.

Na primeira noite, Mariana percebeu algo estranho. A cadeira de balanço na sala, que estava parada quando ela subiu para o quarto, agora oscilava lentamente, como se um fantasma se embalasse. "Deve ser o vento", pensou, tentando afastar o medo que se apoderava de seu peito. Ela também notou que o espelho da sala de estar, coberto de poeira, tinha marcas de mãos pequenas, como se uma criança tivesse tocado nele.

Roberto, por sua vez, ouviu passos leves no corredor. Ele se levantou, armado com uma vassoura, e percorreu a casa escura. Nada. Apenas o eco dos seus próprios passos, dançando nas sombras. "Preciso parar de imaginar coisas", murmurou, tentando convencer-se de sua própria sanidade. Porém, ele não conseguia explicar a sensação de déjà vu que o acometia sempre que entrava na biblioteca, como se já tivesse lido todos os livros ali.

Joana, no entanto, estava certa de que algo além do natural ocorria. Ela sentia uma presença, uma energia que pulsava entre as paredes. Certa manhã, reuniu os outros dois na cozinha e disse: "Esta casa tem vida própria, não estamos sozinhos aqui”. joana frequentemente encontrava suas cartas de tarô espalhadas pelo chão em padrões que pareciam contar uma história que ela não conseguia decifrar.

Os dias passaram em um borrão de eventos inexplicáveis. Portas que batiam sozinhas, sussurros indecifráveis que se espalhavam pela casa, e sombras que dançavam sem origem aparente. Mariana acordava frequentemente no meio da noite, com a sensação de dedos gélidos tocando sua pele. Ela notou que sua cama estava sempre levemente deslocada pela manhã, como se tivesse sido movida durante a noite. Roberto via reflexos distorcidos nos espelhos, figuras que não eram suas. Em uma noite, ele viu a imagem de uma mulher em um vestido antigo, mas quando se virou, não havia ninguém ali. Joana encontrou velas apagadas que voltavam a acender, sempre dispostas em padrões estranhos, que pareciam formar palavras em uma língua antiga. Leopoldo, o gato, observava tudo com uma calma inquietante, mas seus pelos se arrepiavam e ele fugia sempre que os três se aproximavam.

Decidiram investigar. As noites tornaram-se uma busca incessante por respostas. A cada passo, a tensão crescia. Uma porta que se fechava sozinha, um sussurro que surgia do nada, a sensação constante de estarem sendo observados. O som de passos correndo pelo sótão, embora soubessem que ninguém havia subido lá. As risadas infantis tornaram-se mais frequentes, agora acompanhadas de um murmúrio baixo, quase como uma cantiga de ninar macabra. Um dia, Mariana encontrou o diário de Clara no sótão. As últimas páginas eram confusas e falavam de uma escuridão crescente dentro da casa.

Mariana começou a notar que os alimentos na despensa estavam apodrecendo rapidamente, e o cheiro de carne podre infestava a cozinha, mesmo sem uma fonte aparente. Roberto sentia uma presença sufocante em seu quarto, como se fosse observado de perto por olhos invisíveis. Joana via silhuetas sombrias se arrastando pelos corredores, desaparecendo quando ela se aproximava. Ela também encontrou um relógio de bolso antigo, parado às 3h15, um horário que coincidia com os momentos mais intensos de atividade paranormal.

Então, numa noite de tempestade, tudo se revelou. Mariana, Roberto e Joana se reuniram na sala, onde a lareira crepitava, lutando contra a escuridão e o frio. As sombras dançavam nas paredes, figuras fantasmagóricas que pareciam rir de sua ignorância. Leopoldo observava do canto, seus olhos brilhando na escuridão.

Mariana, de repente, sentiu um arrepio na espinha. Não era o frio. Era algo mais profundo, algo que lhe apertava o coração. "E se... e se somos nós?" perguntou, quase sem voz. Os outros a olharam confusos. "E se somos nós que estamos assombrando a casa?"

Um silêncio pesado caiu sobre eles. A ideia era absurda, mas algo fazia sentido. Eles lembraram-se de como chegaram ali: sozinhos, sem memória clara de seus passos antes da casa Derepente. Lembraram-se das noites sem sonhos, dos dias que pareciam se arrastar como uma névoa sem fim.

Então, a verdade emergiu como uma maré avassaladora. Eles estavam mortos. Haviam morrido há tempos, mas suas almas, presas em um limbo de ignorância e medo, não sabiam. Eles eram os fantasmas, assustados por sua própria presença, assombrando a casa que pensavam habitar.

A última peça do quebra-cabeça se encaixou quando ouviram um carro se aproximar. Um novo grupo de moradores chegava, sem saber do destino que os aguardava. Mariana, Roberto e Joana, agora conscientes de sua natureza, observaram em silêncio. Leopoldo, o gato, mantinha uma distância segura, seu comportamento agora fazia sentido: ele sabia a verdade o tempo todo.

Eles sabiam que o ciclo recomeçaria, a casa Derepente continuaria sua dança de sombras e sussurros.

Os novos moradores, assim como eles, seriam os próximos a descobrir a terrível verdade: na casa Derepente, a verdadeira assombração vem de dentro. E assim, a história continuava, um ciclo eterno de medo e revelação, onde vivos e mortos se confundem em uma dança macabra.