A poesia avassaladora do amor
Fui apaixonado por ela desde o primeiro momento que a vi. Se eu não acreditava no amor à primeira vista, passei a acreditar neste dia. Cada detalhe daquele ser humano passou a ser o mais promissor objeto de minha veneração. Quero aproveitar com ela todos os dias restante dessa nossa pueril existência. Não me satisfaço ainda, quero com ela viver também a eternidade no paraíso. Ou no inferno que seja, pois um amor tão absurdo assim deve ser um pecado mortal. Um pecado! Com um olhar ser capaz de paralisar o ímpeto do homem, deixá-lo atônito, cravado ao chão. Com um sorriso fazê-lo experimentar a mais doce vista da felicidade, um gozo incomparável de paz e satisfação, e com uma única palavra prostrar um pobre coitado a eterna submissão. Hediondo! Esse foi seu crime, esbelta criatura. As minhas ações passam a ser responsabilidade tua, no momento em que imobilizou-me com tamanha graça, simpatia inebriante. Esse olhar convidativo a um mundo de prazer e fantasia nunca antes alcançado, e que não seria alcançado uma segunda vez. Pois, a esse tipo de prazer e gozo, Deus não permitiria a um mesmo homem provar uma segunda vez, não acredito nem que exista uma alma capaz de suportar um deleite tão intenso uma, quem dirá duas vezes! Eis a dimensão do que essa coisa feminina é capaz de provocar num ingênuo e desavisado coração de um homem. Um homem que na verdade ainda é um menino, um menino que busca um refúgio de amor, carinho e compreensão real, num mundo já abandonado a tudo que é falso, decadente, depravado. Depravação. Depravado. Oh meu Deus! Foi assim que me senti, não, não…Foram esses o calibre dos devaneios que se apossaram de minha alma. Sim, fantasiei muito ao teu lado, teu sorriso, a tua voz, o teu toque, teu corpo…Noites, noites, e mais noites…Não dormia, de jeito nenhum! De um lado a outro da cama, andava pela casa, no momento em que a cidade toda dormia. Eu permanecia acordado, vivendo e revivendo memórias de um futuro distante e improvável. Era você lá, e eu. Dançávamos uma bela melodia romântica, meu rosto encostado no teu... Tínhamos o nosso desjejum na cama. Mais tarde, ao chegar do trabalho, tinha para mim, você e um jantar romântico pronto a me servir, a nos servir. Antes do negrume sumir do céu, dando espaço à luz de uma manhã nascente, nos amaríamos com o fogo dos mais fervorosos amantes, isolados de qualquer moralidade dispensável num fulgor de mais puro e nobre amor. Fantasias, iam, viam, cada vez mais forte, mais intensa, poderosa: real! Diga-me, como pode sentimentos tão verdadeiros serem frutos de meros delírios, como pude eu sentir o calor de teu abraço sem nunca tê-la tocado? Como podia reconhecer a melodia de tuas cordas vocais sem nunca a ter escutado? Era um absurdo…absurdo...um absurdo ou milagre! O milagre de um sentimento mais poderoso que a vida, que os poetas só puderam tentar idealizar, sem nunca poder vislumbrar, nem de relance. Mas eu o vi. Eu vi. E percebi que nada de fantasioso tem nisso, foi um presente. Do Altíssimo, Ele a trouxe diante de mim, não foi por acaso. O que sonhei acordado durante tantas noites, não foram meros sonhos, era a realidade. Uma realidade perdida, uma vida que nos foi prometida. Mas algo nos separou, nos lobotomizou. Almas que nasceram com único intuito de se unirem e enfrentar juntos as tormentas desse destino pavoroso que é viver nesse mundo. Mas juntos, essa tarefa torna-se mais leve, suave e prazerosa. Amaldiçoei-me por não tê-la contestado naquele ínfimo momento que tive para contemplar o teu singular rosto. Atestado essa grave violação de minha vontade, não demorei a ir ao teu encontro. O primeiro passo era acha-la, por isso retornei àquele lugar em que nos apaixonamos, naquele mesmo horário. Fiquei horas, até não ter mais uma alma viva em companhia ali. Sai em busca por comércios próximos da região, e perguntei por você. Não sabia teu nome, tua idade. Só podia descrever. As mulheres e alguns homens não compreendiam as palavras que usava para te discernir. Sentiam-se confusos. Elas, por serem mulheres, não sabiam como o amor apresentava-se um homem, e certamente nunca tiveram um que pudesse ensina-las. Eles, oh, tão deprimidos estes cavalheiros! Nunca tiveram esse privilégio vindo do céu, de contemplar a graça de Deus em forma de mulher. Não conhecem o nobre sentimento. Não podiam me ajudar a te encontrar. Algumas almas mais afortunadas, presenciaram a mesma dádiva que eu, pois conseguiram me apontar alguns endereços. Mas só dei de cara com a parede. Tratava-se de outras mulheres. Não era você. Bati em várias portas na esperança de você que surgisse diante de mim. Braços abertos. Pronta para me receber, e me aceitar, primeiro como noivo, até o momento de irmos em um altar, e eu me tornar teu marido, e tu, minha mulher. Mas não encontrei nada disso. Só coisas muito distantes de sua formosura. Fiquei mal, fiquei muito mal com isso. Mas não desisti. Continuei, dia após dia, sem me permitir qualquer descanso, correndo atrás de tua sombra. Meu esforço não foi em vão. Quando começava a perder a fé, achando que tinha me sido negado o direito de ser verdadeiramente feliz, tua luz acendeu diante de mim. Meus olhos lacrimejaram por ter tido o prazer de rever. Ali soube que Ele não me abandonou. Ao contrário, guardou para mim, a mais pura felicidade. Não perderia essa oportunidade uma segunda vez. Não perdi tempo em confessar a ti a revelação de uma vida que nos foi negada por um inimigo vil. Fiquei tão emocionado em te encontrar, sonhei tanto por esse dia, lutei tanto por ele, colocaria esse mundo de cabeça para baixo por ti. Aguentaria o calor do sol, a frieza em uma galáxia distante, se isso fosse para te trazer a mim. “Quem é você?” Não compreendi na primeira vez que ouvi. “Quem é você?” Uma dor profunda me atingiu. Nunca senti algo assim antes. “Mas quem é você?” Fez questão em repetir, sem se dar conta do quanto machucava meu coração. Como pôde…me pergunto: Como pôde? Agir dessa maneira fria, impiedosa. Me olhava com esses olhos embebidos de confusão, repulsa…Por mim!? O que houve com nosso amor? Me seduzindo de maneira tão ardilosa, com esse olhar provocativo, incutiu em meu coração - tão ingênuo - os mais profundos desejos da alma e da carne! E me trata com indiferença? Como se fôssemos estranhos se encontrando pela primeira vez. Não tive reação a não ser encará-la. Pasmo perante inédito absurdo. Nada mais fazia sentido. Precisava de uma resposta mais satisfatória. Me recusava crer que aquela visão tão linda não tenha sido mais que uma mentira. Segui teus passos, em busca dessa compreensão. E achei a resposta que desejava, e desejei não ter encontrado. Antes fosse um ingênuo ignorante. Que cena infernal aquela. O meu amor, nos braços de outro homem! Meretriz…
Tive uma terrível iluminação. Teu amor não foi uma dádiva, um presente de Deus a um pobre pecador como eu, não! Foi uma peça montada pelo diabo. E diabos! Eu caí. Perdi meu chão, minha sanidade, e qualquer esperança de encontrar nessa vida algum rastro de alegria. Tudo se foi naquele dia. E a culpa é sua. Me enfeitiçou, e me fez pular de um precipício. Puta maldita! Quantos, diga-me, quantos caíram igual a mim em teus encantos? Quantos dançaram feitos marionetes controlados pelo balançar dos teus dedos inescrupulosos? Quantos atraiu com este teu perfume sublime? Não passa de uma oferecida, indigna até da prostituição. Mais baixa casta de puta, isso é que tu és! Merecia ser deflorada por mil cães raivosos e jogada em qualquer desses lugares abarrotados de mendigos e pedintes! Essa é tua raça, teu destino. O que senti foi o mais frescor do ódio, sem dúvidas. No entanto, devo confessar, esse ódio nasceu do mais sublime amor. Na noite, em que te sequestrei, desejava tortura-la, machuca-la, violenta-la... queria te ferir, da mesma forma que me feriu. Mas não fui capaz de exercer tamanha brutalidade em um ser tão belo. Infernal, mas belo. A definição da beleza. Contudo, você sabia que sua promiscuidade não podia ficar impune. “Nunca prometi nada a você” ouvi você gritar, “Tudo isso foi coisa da sua cabeça” ouvi você mentir. Não cansa de me fazer mal? Tenta me passar por louca ainda? Percebe o quão maldita foram tuas ações? Fez um buraco enorme em meu peito. Nunca irá cicatrizar. Olho por olho, essa é a justiça absoluta. Esse buraco em tua testa, é a minha compensação. A condição de meu perdão. Agora podemos ficar juntos, em outro plano, numa dimensão eterna. Só peço a Deus que me mande para o mesmo lugar onde você descansa. Não se preocupe, minha querida. Mesmo que esteja no inferno, irei te acompanhar.
Já estou a caminho.