O obsessor
Casei-me muito jovem, sem emprego nem condições, fui morar na casa dos meus sogros. Mudei-me então da capital para uma cidadezinha do interior, bucólica e pacata. O trato seria cuidar de minha sogra e da casa, era o que mais eles precisavam. Além dos meus sogros, minha cunhada também morava na casa. Infelizmente, recém-divorciada, ela perdera a guarda do único filho, caíra no vício das drogas e, além de se afundar, afundara seu casamento de quase 10 anos de união.
Ela não falava muito, com o olhar sempre cabisbaixo, ficava assistindo TV e duvido estar com a mente ali. Parecia perdida em meio aos pensamentos e sem forças para lutar contra o vício, apesar de dizer ter parado.
A casa em si era extremamente humilde, tipicamente uma casa do interior, com portão baixo e um jardim na frente, que agora, depois da minha dedicação, estava a florescer. Nos fundos da casa tinha um banheiro recém-construído. No lugar onde seria a janela, havia apenas um buraco, pois eles não tiveram condições de terminá-la. Confesso que ir de madrugada até ali me causava arrepios, porém nunca tinha visto nada, até aquele momento.
Eu desconfiava das saídas da minha cunhada à noite, porém ela jurava de pé junto ter largado as drogas, que iria apenas dar uma volta com amigos. Nesse dia algo foi diferente: ouvi a moto dela e o portão sendo aberto, depois silêncio. Esperei o barulho cessar porque precisava usar o banheiro, o único da casa. Saí na ponta dos pés e, chegando ao banheiro, sentei-me e comecei a sentir uma presença do meu lado direito. Virei lentamente a cabeça e olhei para o canto do buraco que seria a janela. Ali, parado com a cabeça baixa, havia um homem forte, de ombros largos. Tinha a cabeça raspada e vestia roupas de presidiário. Dele emanava um ódio, uma raiva que deixava o ar pesado e denso. Ele não se mexia, não falava nada, apenas parado no canto daquela parede. Cerrei meus olhos com tanta força e comecei a rezar, paralisada por tamanho medo. A figura sumiu, tudo parecia mais leve.
Isso passou a se repetir quase todos os dias. Conforme isso se repetia, as coisas de dentro da casa passaram a sumir. Minha cunhada tinha voltado a usar drogas e começara a vender tudo, até não lhe sobrar nada.
Aquele homem que eu vi era o que acompanhava ela em sua jornada de vícios, provavelmente um obsessor. Em vida, ele também usava drogas e, agora, depois de morto, continuava usando, porém por outra pessoa. Preso na terra, preso em seus vícios, perambulando por aí até encontrar a pessoa certa para ele grudar nas costas e continuar sua jornada que tivera em vida, um parasita. Minha cunhada não saiu do vício e, não tendo mais como sustentá-lo, começou a praticar furtos, e no fim acabou sendo presa, parando provavelmente no mesmo lugar em que seu obsessor vivera e morrera.
Às vezes, eles não sabem que já partiram e ficam aqui no meio dos vivos, continuando com seus pecados e vicissitudes. Não vão nem para o céu nem para o inferno. Temo em acreditar que aqui seja a sala de espera para o umbral.