O capataz
Murilo comprou uma fazenda que havia sido abandonada pelo tempo. O telhado tinha sido arrancado, algumas partes da casa principal tinham janelas abertas para o céu. Era uma fazenda esquecida, cheia de história, pela qual Murilo tinha pagado uma bagatela. O povo de Minas Gerais era supersticioso, e Murilo ouvira alguns boatos de que a fazenda era amaldiçoada pelo ouro.
O caseiro da fazenda, um senhor que beirava os 80 anos, era um dos únicos empregados daquela grande fazenda em sua melhor fase. Gostava de uma prosa e estava prestes a se aposentar. Ele queria explicar a Murilo como a fazenda funcionava, pois não entendia o que haveria de ser feito com uma fazenda que outrora fora próspera, mas que agora só restavam histórias.
A casa do caseiro era simples, rústica, feita de barro, com telhado de palha. Ele havia criado e sustentado seus filhos até quase a vida adulta e nunca deixara de trabalhar um só dia, mesmo quando sua esposa morreu vítima de tuberculose.
Murilo bateu palmas e foi recebido por alguns cachorros. Em contraste com o senhor caseiro, Murilo não saberia dizer quem teria nascido primeiro. O caseiro, com sua mobilidade reduzida, soltou um sorriso largo e disse:
— Oi, doutor Murilo, entre por favor, não repare na simplicidade de minha casa, nunca liguei pra luxo não. Vamos, sente-se, vou passar um café para o senhor.
Com as mãos trêmulas, o caseiro pegou uma antiga cafeteira moca e acendeu o fogão a lenha, já que não tinha eletricidade nem gás. Seu único contato com o mundo era um rádio de pilhas da Micro Hertz, presente de seu falecido patrão.
Ele puxou uma cadeira e começou a contar tudo que Murilo precisava saber sobre a manutenção, as máquinas que não funcionavam e as reformas da casa. Disse que a casa principal já tinha energia elétrica, mas que ele não queria aquela coisa na casa dele, pois achava perigoso.
Levantou-se e serviu café a Murilo. Enquanto bebiam, o caseiro, com suas mãos cheias de calos judiadas pelo tempo, colocou-as sobre a mão de Murilo e disse:
— O doutor precisa saber de uma coisa: aqui se tem uma regra que espero que o senhor siga. Todo dia, ao pôr do sol, tem que se fazer uma xícara de café e colocar na varanda, sobre o último degrau. Café que o capataz toma todo dia.
Murilo deu uma gargalhada alta, e o caseiro continuou:
— Sei que o senhor é da cidade grande, mas aqui as coisas precisam ser respeitadas. Esse capataz era um dos piores que essa fazenda já teve. Morreu muitos anos atrás, quando eu era um jovem roçador, torturado porque havia roubado ouro. Seu patrão fizera fortuna em Ouro Preto com mineração e comprara todas essas terras com esse ouro. Dizem que o capataz morreu sem falar onde o ouro estava enterrado, mas seu espírito ainda vaga pela fazenda, cuidando de seu ouro e bebendo seu café.
Murilo agradeceu pelo café e disse que iria começar a ajeitar as coisas, pois sua esposa e filho chegariam dentro de alguns dias. Havia muita coisa a fazer, e Murilo providenciou uma cafeteira para tirar a prova da lenda do capataz.
Ele arrumou muitas partes da casa, tornando pelo menos o quarto e a sala habitáveis. Olhou para o relógio e apressou-se em passar o café. Parado na varanda com a xícara na mão, disse em voz alta:
— Senhor capataz, sou dono de tudo. Agora sou o seu senhor. Queres ganhar seu café e eu ganhar seu ouro! Então me diga onde você enterrou seu ouro e eu te darei seu café.
Murilo tomou todo o café em um gole só, com satisfação. Contemplou o nada e se sentiu um besta por ter acreditado naquela baboseira toda.
Naquela noite, caiu uma grande tempestade. Murilo dormiu preocupado com o vento forte que poderia arrancar as janelas velhas da casa. Quando enfim pegou no sono, teve um pesadelo horrível. Viu um homem alto, corpulento, segurava em sua mão um lampião, vestindo uma calça marrom com grandes botas de cavalgar e uma blusa que um dia fora branca. Em sua cabeça, um grande chapéu cobria quase todo o rosto. Ele estava parado perto de uma grande árvore, apontando para o chão. No sonho também chovia, mas o capataz não se molhava.
Murilo acordou sobressaltado e viu que o dia já havia amanhecido. Não sabia até onde aquilo tudo era apenas sua imaginação fértil. Pelo sim, pelo não, pegou uma pá e procurou aquela árvore, que tinha um formato estranho e não seria difícil de encontrar. Andou, andou e enfim a achou. Sem pensar duas vezes, começou a cavar. Cavou tão fundo que mal conseguiria subir de volta, mas não encontrou nada.
Voltou para casa se sentindo mais tolo ainda e seguiu com suas obrigações. Chegando a hora do café, fez a mesma coisa. Foi até a varanda, vociferou e bebeu o café.
Aquele dia foi tão cansativo que Murilo pegou no sono deitado no sofá e teve o mesmo sonho. Desta vez, o capataz apontava para o lado da cova feita, mas não dizia nada. Murilo acordou e foi novamente cavar ao lado. Não encontrou nada e, ao sair, observou que pareciam duas covas. Sentiu um arrepio percorrer sua espinha.
Foi até a cidade, precisava ligar para sua casa para saber se sua esposa já estava pronta para a viagem. Ninguém atendeu, talvez já estivessem na pista a caminho. Mais tarde, naquele dia, recebeu a visita do chefe de polícia da cidade, que o convidou para entrar. Curioso com a visita, Murilo esperou.
O chefe de polícia tirou o chapéu, segurando-o em seu peito, e disse para ele se sentar. Infelizmente, não trazia boas notícias: sua esposa e filho morreram em um acidente de carro terrível. A morte foi instantânea, eles não sofreram. O motorista do outro carro havia dormido no volante.
Murilo colocou as mãos no rosto e começou a chorar copiosamente. Como assim, perdeu os dois? Não era possível, era mentira. O chefe de polícia abaixou a cabeça, sem ter o que falar, virou-se, caminhou rumo à porta e partiu.
Tudo era mentira, uma pegadinha daquele povo para ele. Eles não queriam um homem da cidade grande fuçando nas terras deles. Levantou-se rapidamente, pegou uma garrafa de pinga e começou a beber no gargalo. Bebia, chorava, gritava. Quebrou tudo o que tinha arrumado na casa que seria de sua família. Em meio àquela fúria, desabou no chão, bêbado demais para querer se mexer.
Teve o sonho mais lúcido de toda sua vida. Caminhava em meio à chuva, indo em direção àquela árvore. O capataz o esperava. Ao se aproximar dos buracos, Murilo gritou tão alto que sua respiração falhou. De joelhos, olhava dentro das covas. Ali estavam sua esposa e, na outra, seu filho. O espírito do capataz agora falava, com voz grave como um trovão.
— O único tesouro que o homem pode ter em sua vida é sua família. Eu te mostrei onde cavar para enterrar o seu, porque o meu nunca ninguém terá. Nunca roubei ouro nenhum. Fizeram-me ver minha família sendo levada. Fizeram-me cavar a cova deles e a minha. Paguei por algo que não fiz, e minha família também. Agora você terá seu tesouro, guardado que nem o meu. Um dia você também irá se unir a eles, mas até lá o senhor fará meu café todos os dias.