A Vigília de Mel
A Vigília de Mel
Texto por Victória Koehler, adaptação Sidnei Nascimento.
No silêncio absoluto da noite, quando as sombras se alongavam pelas paredes e a casa se envolvia na escuridão, algo sempre acontecia. Victória, uma jovem de trinta e poucos anos, deitada em sua cama, lutava para manter os olhos fechados.
A serenidade era quebrada por um som familiar e inquietante: arranhões incessantes na porta do quarto...
Era Mel, sua cachorra de pelos brancos como a neve e olhos brilhantes, aparentemente tomada por uma compulsão perturbadora.
No início, Victória tentava ignorar os ruídos, virando-se na cama e puxando o cobertor até os ombros. Mas Mel não desistia.
As patas raspavam a madeira, enviando arrepios pela espinha de Victória. Exausta e no limite da paciência, ela chamou pela cachorra.
- "Mel, pare com isso e venha aqui!"
O som cessava por um momento, mas logo recomeçava, mais intenso. Victória chamou de novo, desta vez com mais firmeza. Sem resposta.
Ela repetiu a chamada várias vezes, a voz tingida de frustração e cansaço. Nada parecia acalmar Mel.
Decidida a pôr fim àquela situação, Victória lançou um travesseiro contra a porta, na esperança de assustar a cachorra e fazê-la parar.
Foi então que ela ouviu um latido, mas não do outro lado da porta. O som veio de perto, muito perto.
Victória virou-se, o coração batendo acelerado. Ali, ao lado de sua cama, estava Mel, deitada tranquilamente, com os olhos grandes e inocentes olhando diretamente para ela.
- "Como é possível?", pensou Victória, com um frio percorrendo sua espinha.
A cachorra, que ela jurava estar arranhando a porta, estava ali ao seu lado o tempo todo. Ela acariciou Mel, que respondeu com uma lambida carinhosa, como se quisesse tranquilizá-la.
Naquela noite, Victória não conseguiu mais dormir. Algo não fazia sentido, e uma sensação estranha tomava conta dela.
Será que Mel estava tentando avisá-la de algo?
Será que havia algo, ou alguém, do outro lado da porta?
Os dias passaram, mas Victória não conseguia esquecer o incidente. Mel continuava a agir de forma estranha durante a noite, seus olhos seguindo algo invisível pelo quarto.
Victória, agora mais atenta, notou como a cachorra parecia alertar para algo além da compreensão humana.
Uma noite, a inquietação de Mel se tornou insuportável.
A cachorra não apenas arranhava a porta, mas rosnava baixinho, os olhos fixos em um ponto específico no quarto.
Victória, com o coração batendo descompassado, acendeu a luz do abajur.
Foi então que viu: uma figura pálida, indistinta, parada no canto do quarto. Ela não tinha olhos, apenas órbitas vazias que pareciam sugá-la para um abismo de escuridão.
Victória tentou gritar, mas sua voz não saiu.
A figura começou a mover-se lentamente em sua direção, flutuando acima do chão. Mel, ao lado de sua dona, começou a latir freneticamente, mas o som parecia ser abafado pela presença opressora do espírito.
Victória sentiu um frio intenso invadir seu corpo, cada vez mais perto da paralisia.
Com um esforço supremo, ela estendeu a mão para a luz do quarto, mas a figura alcançou-a primeiro, envolvendo-a em um abraço gélido. De repente, tudo ficou escuro.
Quando acordou, estava amanhecendo. Mel estava ao seu lado, lambendo seu rosto, como se tentasse acordá-la.
Victória olhou ao redor, mas a figura tinha desaparecido. Ela sabia, no entanto, que aquilo não tinha sido um sonho. Mel estava lá, para protegê-la.
E a partir daquela noite, Victória nunca mais dormiu sem a luz acesa e Mel ao seu lado, guardando a porta, o quarto e seu coração.
Mel, a fiel cachorra, era agora sua guardiã contra os horrores que espreitavam na escuridão.
E assim, noite após noite, a vigília continuava, com Mel protegendo Victória do desconhecido que tentava invadir sua paz.