A besta de Acatan ( Conto de Lobisomem)

Em uma rota de mercadores, nasceram várias vilas e cidades cuja economia dependia inteiramente dos mercadores que, ao final de todo mês, chegavam com suas mercadorias diversas, quando a lua cheia clareava toda a região. Devido a essas condições, nas pradarias próximas a essas vilas e cidades, todos os meses se juntavam vários homens amaldiçoados que se transformavam em lobisomens. Entre esses homens havia um chamado Averon, o Torto, pois tinha uma deficiência física que o dificultava até mesmo quando se tornava lobisomem. Envergonhado, ele não participava da transformação coletiva. Onde a lua cheia era totalmente visível, nas suas caçadas, ele, por não ter agilidade, contentava-se em matar apenas porcos dentro de chiqueiros, animais amarrados, e era um perito em invadir galinheiros. Assim, Averon, o lobisomem, ia sobrevivendo.

Durante os dias sem lua cheia, Averon trabalhava como sapateiro, fazendo e consertando calçados. Era muito procurado, pois seus calçados eram bem feitos e baratos. Seu ofício o mantinha ocupado e era uma fonte de respeito e aceitação nas vilas, onde poucos conheciam sua maldição noturna. Averon encontrava uma espécie de redenção e normalidade em sua habilidade de criar algo útil e necessário.

Uma noite, Averon estava entediado, pois seu maior desejo era se transformar em um grande lobo nas pradarias de Acatan do Norte. Triste, saiu para fora de seu humilde lar e olhou para o céu, onde a lua estava em quarto crescente, metade iluminada. Faltava apenas uma fase para o horizonte despontar a grande e misteriosa lua cheia. Averon chorou, pois queria sentir toda a força do astro noturno, mas sabia que era impossível. Mesmo se tentasse se juntar aos outros lobisomens, seria expulso e machucado por sua ousadia em descumprir a ordem dos lobos. Ele era tido como a vergonha do clã dos homens-lobos de Acatan.

Depois de algumas noites ponderando, Averon lembrou-se de um velho lobisomem que já estava aposentado e vivia de doações de outros lobisomens, que lhe levavam presas semimortas nos dias de lua cheia. Decidiu ir falar com o sábio lobo, chamado Coriatão, o Grande Pai. Chegando em sua caverna escura, decorada com ossos humanos, onde muitos lobos selvagens faziam a segurança da velha fera, encontrou Coriatão sentado fora da caverna em uma pedra, admirando a gibosa crescente. Averon o cumprimentou com uma reverência sincera e respeitosa. Coriatão ouviu as lamentações de Averon com muita atenção e mandou que ele se sentasse de frente a ele. Olhando nos seus olhos, disse: "Fique comigo. Amanhã, levarei você a um local onde juntos esperaremos o renascimento do plenilúnio que ressurgirá no final do grande mar. Na areia da praia, você verá e sentirá todo o poder da lua cheia somente para você. Ela é sua mãe, lhe criou, mas os lobos de Acatan lhe esconderam. Eu lhe apresentarei e você sentirá todo o seu poder pela primeira vez."

Na beira do mar, Averon olhava o horizonte ainda avermelhado quando o sol adormeceu e a escuridão chegou. Aos poucos, uma claridade preenchia toda a linha do horizonte, frisando a linha limite entre o oceano e o céu. Averon abriu seus braços, e seus olhos foram aos poucos recebendo a claridade completa da lua cheia. Um tremor tomou conta de todo seu corpo. Ele se torcia e grunhia, pelos brotando de seu corpo. Seu corpo, que era torto, aos poucos foi se alinhando. Quando a lua encheu o céu, Averon já tinha triplicado de tamanho. Suas garras negras e oleosas reluziam. Averon chegou ao ápice da transformação e, nesse momento, liberou toda a sua força em um uivo desesperado e ao mesmo tempo prazeroso. Ao longe, na pradaria de Acatan, os lobisomens sentiram a força daquela criatura que tinha vencido sua insignificância e agora era a besta maior, mais valente e mais selvagem entre todas as bestas de toda a terra.

O velho Coriatão ergueu todo seu braço para tocar sua cintura. Averon olhou para baixo e escutou o velho lobisomem lhe dizer: "Minha missão aqui nesse mundo escuro está cumprida. Você conheceu o sabor amargo da vergonha e da humilhação. Hoje, você transitou de uma maldade atrofiada para uma maldade sem limites. Nenhuma outra criatura poderá cometer maior carnificina nem ter mais sede de matar. De hoje em diante, você só responderá a ela," apontando para a lua gigante a poucos metros da criatura. Dizendo isso, Coriatão foi entrando no mar. A cada passo que dava, o brilho da lua o tornava transparente. Quando sua imagem era apenas um espectro, olhou para trás e viu dezenas de homens-lobos ajoelhados diante do grande Averon.

Alexandre Tito
Enviado por Alexandre Tito em 15/06/2024
Código do texto: T8086521
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