O homem acorrentado à meia-noite, e a costureira.
O ano era 1951. Rosa, uma senhora costureira e viúva, dedicava-se à costura, à casa e ao seu único filho, que afirmava que não se casaria para cuidar dela. Ela possuía uma clientela fiel de senhoras finas que confiavam apenas em suas habilidosas mãos para confeccionar lindos vestidos. Naquele dia em questão, as nobres damas lhe confiaram a reforma de alguns vestidos e alertaram que tinham pressa, pois teriam um compromisso social da igreja. Rosa trabalharia até tarde para não decepcioná-las, mesmo com seu filho dando duro na empresa, pegando turnos de colegas e fazendo horas extras quase todos os dias. A vida após o falecimento de seu marido estava sendo difícil.
Ela não gostava de costurar tarde, já que suas vistas não eram mais as mesmas, mas precisava daquele dinheiro para passar o mês. Era quase meia-noite quando seu filho chegou em casa. Rosa, em sua saleta de costura, se dedicava a cada detalhe das peças. Seu filho passou pelo corredor, parou na porta e contou como tinha sido o seu dia. Disse que iria tomar um banho e dormir, pois estava sem fome para jantar. Assim que seu filho foi até o quarto arrumar suas roupas, Rosa ouviu no corredor barulhos de correntes sendo arrastadas, acompanhados de um gemido sofrido, um som assustador.
Nesse momento, ela parou sua costura e ficou olhando para a porta aberta que dava para o corredor. Uma grande sombra se apresentava na frente de uma figura grotesca, de um homem muito grande. Suas roupas, ou o que restava delas, eram rasgadas e sujas. Em suas mãos, correntes que prendiam seus pulsos aos pés de um homem que pousava de bruços em seus ombros largos. A figura grotesca não possuía um rosto com feições humanas; parecia que usava uma grande máscara para cobrir o verdadeiro horror que havia por baixo. O homem olhou para ela e disse:
— Por favor, não deixe seu filho tomar banho agora. Eu preciso lavar o corpo dele todos os dias à meia-noite em ponto, minha penitência por ter tirado a vida dele antes do tempo, tudo por esse par de sapato. Meu castigo só acabará quando o tempo que ele teria de vida se exaurir.
Rosa, chocada, não conseguia falar. Apenas com a boca aberta, em um formato de "O", prestes a gritar, balançou a cabeça em sinal de positivo. Acompanhou com os olhos arregalados a figura desaparecer no corredor escuro rumo ao seu castigo. Ela jamais conseguiria costurar novamente a fenda entre a realidade e o inexplicável.