O Diabo do Edifício Fidalgo

As luzes da televisão traziam à tona os semblantes de felicidade de Pedro e Marília, eles finalmente desfrutavam de mais um “cinema a dois”, assim eram chamadas as noites de sábado que aconteciam a cada 15 dias reservadas exclusivamente para filmes clássicos, cults ou favoritos do casal, naquela sessão foi a vez de Pedro, ele escolhera Babel, um filme que havia assistido anos atrás e sempre comentara com Marília sobre a genialidade do roteiro, ambos encontravam-se aconchegadamente acomodados no sofá, envoltos por uma coberta felpuda, abastecidos por seus snacks favoritos e Coca-Cola, como Marília costumava brincar aquela era a verdadeira felicidade do jovem adulto. Eram um casal que não possuía filhos, mas fazia parte dos planos, ele com 31 e ela com 33, estavam juntos há sete anos, sendo três anos de matrimônio. Economizaram bastante nos últimos meses e resolveram financiar um apartamento, um dos maiores sonhos do casal, transformaram um lugar sem graça e sem encantos, em um ambiente jovem, vivo e elegante: piso de madeira, plantas ornamentais, um painel com design moderno onde comportava livros, a TV com soundbar e uma Alexa, quadros de arte abstrata e um mural com fotos de viagens destacando-se na parede principal da sala, era um apartamento notável, que rendia vários elogios por parte das visitas. Pedro e Marília estavam felizes com sua conquista, gostavam bastante do lugar, sentiam que ali poderiam realmente chamar de lar.

Na bela sala do casal o filme transcorria diante de olhares dispostos e atentos, uma vez ou outra eles teciam comentários de maneira sussurrada sobre alguma cena ou algum fato que chamara atenção, isso fez Marília lembrar-se de Pedro nas querelas tradicionalmente acaloradas com os amigos, debates, esses, regados à cerveja, torresmo e boêmia, ele com certo um ar de professor, dizia: “o cinema é devoto do silêncio, cara! É fundamental, crucial, indispensável para uma verdadeira experiência cinéfila!”, Marília esboçou um leve sorriso com essa aleatoriedade de seus pensamentos, em contrapartida, Pedro suspirava profundamente de forma desacreditada ao constatar que o vizinho do 703 iniciara bem naquele momento uma social em sua varanda: conversas, risadas, músicas alta, a cacofonia vinda do apartamento ao lado fez com que o casal se entreolhasse desapontados com a infeliz coincidência que acontecia, não esperavam por isso, não durante o tão desejado “cinema a dois”, contudo estava ali, era real, o que levou Pedro a passos firmes até a varanda, fechando as portas, esperando que agora pudessem retomar ao filme sem maiores interrupções.

Por mais que se esforçassem em relevar e abstrair os ruídos indesejados dos vizinhos, o barulho do apartamento ao lado estava imerso na sala do 704, tal qual uma visita inoportuna, o som vindo do lado de fora sobressaía ao som da TV do casal.

- Como é possível esse povo ser tão inconveniente assim? - comentou Pedro de forma impaciente - Parece que estão fazendo de propósito, vou lá falar com alguém, sinceramente...

- Amor, deixa que eu falo, não esquenta com isso - Marília tentava tranquilizar o marido com seu tom de voz calmo e comedido - Vou pedir para baixar um pouco, para que fique de um jeito aceitável para nós e para eles.

- Tá amor, tudo bem...

Marília pausou o filme e seguiu até a varanda, ao abrir a porta deparou-se com um falatório generalizado, diferente do que ela pensava, não era apenas os vizinhos do lado que estavam promovendo aquela agitação, mas também moradores de outros andares e de prédios vizinhos.

- Oi, gente, desculpe-me, mas qual o motivo de todo esse alvoroço? - perguntou Marília com uma certa ressalva.

- Deus do céu! Você não viu? - Fábio, o vizinho do 703, exalava euforia em cada palavra.

- Vi o que gente? Não, estávamos assistindo filme, o que aconteceu?

- Porra, nem sei como te falar isso... A gente estava aqui curtindo um pouco, tomando uma, então minha esposa ouviu um grito, perguntou se a gente tinha escutado também, sinceramente eu não ouvi nada na hora, então baixamos o som e ficamos de ouvidos atentos, só que pouco tempo depois gritaram novamente, vindo desse prédio a frente, daquele andar ali onde tem fumaça, está vendo?

- Estou - disse Marília apreensiva.

- Depois que ouvimos o segundo grito ficamos realmente preocupados, de olho em qualquer movimentação por lá, até porque se alguém tivesse sendo agredido já chamaríamos a polícia, mas foi aí que o negócio ficou estranho, vizinha! Começou a sair fumaça de lá, muita mesmo, uma fumaça clara e densa, tipo gelo seco, sabe? Ficamos sem entender porra nenhuma, o pessoal aqui de cima também viu e ficou comentando... Contudo, bizarra foi a risada! Aquilo não era uma risada comum, foi uma coisa bem macabra, sabe? A sensação era de que ela vinha de vários lugares ao mesmo tempo, nunca vi isso em minha vida! - Fábio prosseguia com olhos alertas e gestos excessivos, o que dava uma certa dramaticidade ao seu relato.

- A gente nem soube o que pensar diante daquilo, não sabíamos se era algo sério ou brincadeira, no entanto a nossa maior preocupação era com a fumaça saindo do apartamento, vai que começasse a pegar fogo? - Acrescentou Paula, esposa de Fábio - Mas aí surgiu uma coisa de lá, não conseguimos ver direito o que era, pois desceu bem rápido pela parede do prédio, bem por ali, entrando no apartamento de baixo... Meus Deus, eu estou aqui me tremendo toda e as crianças estão assustadas demais...

Pedro veio até a varanda e encontrou Marília em um estado de preocupação incomum, ele ouvira parcialmente o que seus vizinhos acabara de contar.

-Má, o que houve?

- Ah amor, não sei, mas tô preocupada... O pessoal aqui falou umas coisas bem estranhas que aconteceu no prédio da frente, agora tá todo mundo aqui sem saber o que fazer...

Pedro e Marília moravam no sétimo andar do edifício Atlântico, o apartamento ficava localizado na torre posterior do condomínio, sua varanda estava a poucos metros de distância do edifício Fidalgo, aproximadamente uns 05 metros, o que permitia ter uma visão ampla do que ocorria no prédio a frente.

- Má, não se preocupe, isso deve ser gaiatice de adolescente, você sabe que hoje em dia eles fazem de tudo para viralizar, fazendo pegadinhas das mais diversas formas - Pedro tentava tranquilizar a esposa claramente nervosa - Vamos deixar isso de lado, vamos voltar para nosso fil...

- Socorrooooooo! Socorroooo!

Pedro assustou-se ao ouvir o pedido de ajuda vindo do nono andar do edifício Fidalgo, a fumaça já estava quase dispersa por completo, quando surgiu na sacada diante de uma plateia absolutamente apreensiva, uma figura curiosamente peculiar, um senhor aparentando mais de setenta anos, semblante de traços firmes, bigode e suiças brancas, da mesma cor do pouco cabelo que ainda detinha sobre a cabeça, trajando roupão de seda roxa e detalhes dourados, colares com medalhões que remetiam símbolos esotéricos e em seus dedos alguns anéis com pedras.

- O que houve aí!? - Gritou Fábio.

- Eu cometi um terrível engano, preciso de ajuda, alguém chama a polícia rápido! Eu preciso sair daqui agora mesmo!

- Certo, vamos chamar! Mas diga-nos o que aconteceu para a gente tentar ajudar o senhor! - gritou Marília aflita, mas de forma prestativa.

- Vocês não podem me ajudar, estou condenado, perdido, completamente perdido... Meu nome é Baltazar, sou ocultista, perdi minha esposa há algumas semanas e isso me matou por dentro, ela era meu raio de sol, minha luz, minha primavera… Não era justo, com tanta gente má por aí, tanta gente cruel, mesquinha, mas porque a minha flor? Ela sempre foi boa, sempre teve uma alma bonita, espalhando alegria por onde passava, não era justo! Pedi tanto a Deus que me ajudasse, todas as noites me ajoelhava e rezava, meus joelhos sangravam, mesmo assim eu pedia para que Ele a trouxesse de volta, só esse milagre… Diante de incontáveis milagres que Ele já realizou… No entanto Ele não me ouvia! Por mais que minha alma e meu coração chorassem, Ele não ouvia! porque Ele havia tirado ela de mim!? - Gritava Baltazar emocionado da sacada de seu apartamento - No entanto eu estava disposto a fazer qualquer coisa que a trouxesse de volta, nem que eu vendesse minha alma, mas ela voltaria para os meus braços… Busquei ajuda através de alguns contatos do meio ocultista, a procura de informações que me ajudassem a localizar um artefato o qual ouvi falar há muito tempo, um livro antigo e poderoso, uma peça única e restrita a poucas pessoas nessa terra, um livro com encantos capazes de trazer alguém de volta do mundo dos mortos! Como disse a vocês, eu estava disposto a qualquer coisa! Felizmente ele chegou em minhas mãos, era uma dádiva, ele continha centenas de invocações escritas por magos profanos, não importava, era tudo o que eu precisava… Jejuei durante três dias nos preparativos do ritual, deixei o ambiente hermeticamente isolado conforme as orientações, no entanto quando realizei a conjuração, algo deu errado… Não sei o que fiz de errado… Segui todo ritual da maneira correta, como o livro indicava, mas... Mas… Acabei invocando algo bem pior… Me perdoem!!!

Aquela revelação deixou vários moradores atônitos, era possível ouvir um burburinho crescente nos andares próximos, alguns questionavam a veracidade das palavras daquele senhor, porém os gritos constante de socorro e o desespero de Baltazar davam toda credibilidade a situação. Pedro, não teve dúvidas, foi até o sofá e pegou o celular para ligar para polícia, enquanto discava, seu coração descompassou ao ouvir Marília gritar, ele largou o celular e correu ao seu encontro, a esposa estava atormentada, às lágrimas, antes mesmo do marido perguntar qualquer coisa, ela estendeu a mão trêmula e apontou em direção ao edifício Fidalgo.

Pedro viu, através das plantas e da rede de proteção, uma criatura surgir a passos lentos no andar abaixo de Baltazar, era o motivo do imenso terror de sua esposa. A criatura tinha estatura baixa, corpo esquelético e postura curvada, toda sua pele era de um vermelho intenso, escarlate, com manchas pretas espalhadas pelo corpo, semelhante a uma salamandra, no topo de sua cabeça havia várias protuberâncias pretas no lugar dos cabelos, o que dava um aspecto macabro a sua aparência, seus olhos amarelos tinham um brilho profundamente nefasto e na sua face pairava um sorriso maliciosamente sádico, Pedro sentiu um desconforto enorme ao olhar para aquele ser, sabia que estava diante de algo que não era desse mundo.

- Meu Deus… - Pedro deixou escapar enquanto abraçava sua esposa como forma de protegê-la.

A criatura encavara o mundo diante de si, os prédios ao seu redor criavam um panorama de luzes e cores, o que lhe causou uma certa curiosidade, ela olhava em várias direções, absorvendo a sensação causada pela novidade, olhava para aquelas pessoas, muitas exalavam medo, outras se mostravam eufóricas, seguras, registrando a besta vermelha com seus celulares. A criatura deu alguns passos e olhou para baixo, analisando o abismo criado pela altura de onde se encontrava até a rua, deu meia volta, ao invés de entrar no apartamento, saltou na parede do prédio e escalou, como um lagarto, a distância que o separava de Baltazar, em questão de segundos o diabo estava diante do velho homem, ele tentou fugir, mas a criatura o segurou e o elevou acima da cabeça com facilidade, Baltazar se debatia desesperadamente, implorando pela sua vida, lágrimas escorriam do seu rosto, mas a criatura estava sentindo prazer com a situação, ela sorria, enquanto se aproximava lentamente da sacada, alguns vizinhos ligaram para polícia diante do crime que anunciava-se, outros gritavam por clemência, no entanto a besta sem qualquer remorso, lançou Baltazar prédio abaixo, apenas ouviu-se o som abafado do grito que desapareceu enquanto seu corpo caia em direção a morte. Todos estavam chocados com o assassinato que acabara de ocorrer diante de seus olhos, o terror tomou conta da noite, alheio aos sentimentos humanos, o diabo subiu na grades da sacada e acocorou-se, equilibrando-se de modo sobrenatural, encarou novamente o mar de olhos apavorados e começou a rir freneticamente, de maneira sádica, sua gargalhada invadiu todos os espaços, era a risada da morte.

- Amor, vem logo comigo, rápido! - Pedro, chacoalhava Marília, que encontrava-se paralisada diante de tudo que havia presenciado. - Má, me escuta temos que sair daqui agora!

O casal entrou dentro do apartamento, enquanto fechavam as portas da varanda, presenciaram a criatura saltar do nono andar do edifício Fidalgo, deixando no ar um rastro vermelho diabólico, vencendo facilmente a distância entre os dois prédios e atravessando a rede de proteção do apartamento de Fábio e Paula. As portas fechadas não impediram de ouvir a matança que iniciou-se ao lado, ouvia-se vidros sendo estilhaçados, os gritos da Paula e das crianças, as tentativas desesperadas de Fábio e de seus amigos em defesa de suas famílias.

- É a morte… É a morte… - pensava Marília aos prantos, enquanto era conduzida em estado letárgico por Pedro, o marido buscava de todas as formas trazer sua esposa de volta a realidade.

- Má, me escuta! Não há mais tempo, vamos Marília!!!

- Certo, amor… Vamos! - Assentiu Marília de volta a realidade.

O casal saiu do apartamento deixando a porta da entrada aberta, afim de evitar qualquer barulho que chamasse atenção daquele ser, seguiram em direção ao elevador na ponta dos pés, Pedro foi a frente conduzindo sua esposa que suprimia com a mão o choro que brotava de sua imensa tristeza, passaram pelo 703 e não ouviram nenhum barulho, “todos estão mortos”, pensou Pedro de maneira sombria, cruzavam o 702, também não ouvia-se qualquer sinal de vida vindo do apartamento, contudo no 701 o diabo fazia mais vítimas, o desarranjo de choro e vozes silenciaram diante do som da violência exercida sobre os corpos, era a sinfonia do sofrimento, ossos quebrados, vidros quebrados e como pano de fundo, a risada diabólica, Pedro e Marília pararam por precaução ou seria por medo, visto que estavam a poucos metros do Diabo do edifício Fidalgo, estavam agora nos domínios da morte, Pedro sinaliza para Marília que deveriam correr ao seu comando, o elevador estava a uma curta distância deles, era a sobrevivência, Pedro gesticula uma contagem com os dedos, era a hora, o casal corre através do corredor cinza com luzes amarelas no teto, olhos fixos no elevador, mas suas pernas travaram quando eles ouviram o estrondo ensurdecedor causado pela porta do 701 ao ser arremessada violentamente contra a parede do corredor, quebrando o reboco e levantando uma nuvem de poeira, obstruindo a passagem.

- Deus, não!!! - Gritou Pedro com a voz carregada de desesperança.

- Amor, vamos voltar! Não tem jeito! - Lamentava Marília.

Eles correram de volta ao apartamento, o casal foi tomado por uma resignação voraz, sentiram-se vazios, sem esperança, lamentaram o fato de estarem tão perto da saída e não alcançarem, a poucos metros do elevador, tão perto da sobrevivência… Antes de fechar a porta, viram dois pontos brilhantes e uma mancha vermelha esmaecida entre a nuvem de poeira, a morte os encarava, o diabo tinha-os visto.

- Amor, ele nos viu, aquela coisa nos viu! - Chorava Marília aflita.

- Má… Vamos nos esconder, é tudo que podemos fazer agora… Vá agora para o quarto, eu vou logo atrás de você… - disse Pedro as lágrimas, enquanto trancava a porta.

Marília pegou o celular em cima da mesa, pensava em ligar para a mãe e ouvir a sua voz pela última vez, correu para seu quarto, procurando um lugar que a torna-se invisível aos olhos da besta, era o que seu coração suplicava, Pedro chegou logo após com duas facas, entregou uma a sua esposa e armou a sua em uma posição ofensiva, trancaram a porta do quarto e silenciaram o máximo que podia, respirando de forma lenta e suave, ouviram quando a porta foi arrombada, o diabo agora estava em seu lar, a tensão no quarto aumentou subitamente, os batimentos cardíacos de ambos descompassaram de medo, ouvia-se passos pelo apartamento, a criatura estava a procurá-los, Pedro sentiu a manga da sua camisa puxada, quando virou-se encontrou sua esposa com um semblante esperançoso por trás das lágrimas, ela apontava para a tela do celular, apontava para o aplicativo Alexa, ele entendeu completamente o que seu olhar queria dizer, ele apenas assentiu com a cabeça, naquele instante ambos sentiram a confiança renovada.

- Quando ele estiver próximo do quarto, toca uma música… Vamos tentar fugir pela cozinha… É isso ou nada… - sussurrou Pedro quase inaudível no ouvido de sua esposa.

O som dos passos se tornaram crescentes, agora a besta estava próxima ao banheiro, a um cômodo deles, Marília deixou a música no ponto, enquanto Pedro estava em frente à porta com a faca em riste, pronto para o ataque, a criatura seguiu até o último cômodo, o quarto do casal, a cada passo, a ansiedade e desespero aumentava, os batimentos cardíacos atingiram níveis críticos, a faca tremia na mão de Pedro, o celular tremia na mão de Marília, entretanto ao ver a sombra da criatura na fresta da porta, seu dedo enrijeceu e conseguiu dar o comando.

O silêncio do lugar foi arrebatado por um estrondo, riffs de guitarra elevaram-se no aparelho de som da sala, começou a tocar Just Another Day, de Dio, em alto e bom som, embaixo da porta a sombra do diabo sumia, o plano tinha dado certo.

Má, vem… - Pedro acenava com urgência para sua esposa.

Marília assentiu e seguiu o marido em ponta de pé em direção a cozinha, seus passos eram abafados pela música alta, ao se aproximar da única saída viável, encontraram o diabo de costas destruindo o dispositivo, a televisão e tudo que estava diante do painel, por uma lastimável infelicidade a faca de Pedro bate na parede do corredor, fazendo o diabo virar-se e vê-los parados próximos a saída, a criatura salta de maneira instintiva sobre Pedro, derrubando-o no chão, o impacto foi tão violento que a faca cai de sua mão, o diabo monta sobre seu corpo e ergue o braço para desferir um golpe com suas garras, no entanto Marília avança com a faca sobre ele, agarrando o braço e perfurando seu ombro, a criatura sente a ferida, ela grunhe, mas com um jogo de corpo arremessa a mulher que impedia a morte do marido, com violência para o fim do corredor, na distração da besta, Pedro alcança a faca com sua mão direita, algo se partiu dentro dele ao ver sua esposa agredida, agora ele não era mais medo, ele era ódio, ele mataria aquela coisa, a faca contraia-se de forma firme em sua mão, contudo o diabo retira a faca de seu ombro e perfura violentamente o ombro esquerdo de Pedro, ele arqueja e grita de dor, sua carne queima, seu sangue escorre, tudo era dor, a morte era vermelha e estava sobre ele, o diabo sorrir, era apenas um predador se divertindo com sua presa, ergue seu braço novamente armando suas garras sobre o corpo imobilizado, mas Pedro consegue se antecipar e contra golpear enfiando a faca entre as costelas do diabo, o grito de dor da criatura percorreu o espaço vazio do sétimo andar, Pedro tentou desferir outro golpe, mas a criatura o agrediu com tanta força que foi possível ouvir alguns ossos se partindo, bateu com mais violência, e de novo, partículas de sangue saiu de sua boca, e de novo, seus sentidos já falhavam, e de novo, sua visão estava borrada, e de novo, a besta enfurecida agarrou o seu corpo e o arremessou com fúria contra o painel destruído, o corpo desfalecido pairava sobre a pilha de móveis quebrados.

Por favor, pare!!! Deixa ele em paz!!! - Grita Marília em lágrimas, com dificuldades para levantar-se – Não mate ele, pelo amor de Deus!!!

O diabo se levanta, retira a faca do seu corpo e joga-a no chão, segue em direção a Marília, tudo que ela via eram o brilho mortal de olhos amarelos vencendo a penumbra, não conseguia se levantar, sua perna quebrou na queda, não havia nada que pudesse fazer, a criatura a agarrou pelo pescoço e a levantou sobre a cabeça, contra a parede, Marília levou as suas mãos até o pescoço, na tentativa de soltar a mão que lhe enforcava, usou todas as suas forças, mas era inútil, ela sentia como se uma rocha a estrangulasse, ela viu o sorriso sádico no rosto do diabo, sua visão começou a escurecer, ela pensou sobre seu sonho de navegar na Antártida e vê icebergs de perto, pensou sobre tomar um vinho na Grécia com vista para o Partenon em uma noite de julho, ela viu os olhos do diabo tornarem-se girassóis, estava alucinando com a falta de oxigênio em seu sangue, viu algumas partículas de cores tornarem-se borboletas, viu vários homens na entrada de seu apartamento, tudo escureceu…

O diabo soltou Marília ao receber o primeiro tiro nas costas, sua fúria abrasou ainda mais seus olhos, ele virou-se e viu vários policiais com armas apontadas em sua direção, ao dar um passo foi alvejado por outro tiro, e por outro, sua carne queimava, ele gritou, seu grito rompeu os limites do prédio, o diabo do edifício Fidalgo saltou em direção aos homens que afligia dor a seu corpo, mas não havia mais força, ele caiu a alguns metros de distância, rastejou com dificuldades, sentia dor, sentia ódio, a cada bala que o perfurava ele grunhia, até quando sua vida foi finalmente ceifada.

Pedro e Marília foram atendidos pela equipe da SAMU que auxiliou os policiais durante a ocorrência, eles foram os únicos sobreviventes do massacre no edifício Atlântico, foram levados ao hospital devido à gravidade de seus ferimentos ficaram internados na UTI, Marília recebeu alta em uma semana, já Pedro com o pulmão perfurado pela costela e vários ossos quebrados, precisou passar por várias cirurgias, recebendo alta após 29 dias. O casal deixou o apartamento devido o trauma vivido naquele lugar, pretendem vender futuramente, no momento estão morando com os pais de Marília, onde receberam total acolhimento, amor, atenção e a notícia de que a família irá ganhar um novo membro.