Ao inferno juntos desceremos
Há uma lenda que diz que velhos hábitos sempre voltam a nos visitar... Ou em alguns casos, eles voltam para nos assombrar.
Quando Juliano tinha 17 anos, se interessou pelo mundo do satanismo e resolveu fazer um pacto maligno.
Ele trocou sua alma por uma vida banhada em dissolução e promiscuidade. Passou anos transformando dias em noites, e vice e versa.
Quando tinha 30 anos, o tempo bateu em sua porta para cobra-lo por todos os seus pecados. Adquiriu uma doença no fígado decorrente do uso de substâncias ilícitas e corria sério risco de morte. Acabou prometendo mudar seu estilo de vida e começou a levar uma rotina mais saudável e bondosa. Havia se arrependido de todo o tempo gasto com coisas erradas.
Por algum tempo isso bastou. Sua saúde havia se restabelecido, e ele levava uma vida pacata e sem muitas surpresas. Havia até esquecido o antigo pacto satânico que fizera, crente que Satã nunca mais voltaria para cobrar a promessa.
Satã sempre volta para cobrar.
Em uma certa noite Juliano sonhou que estava em um lugar estranho, cheio de túmulos e com uma atmosfera terrível. Então ele reconheceu que era aquele antigo cemitério onde fez seu pacto maligno. Foi onde ele houvera entregue sua alma à Satã.
Uma mulher velha lhe chama pelo nome. Era mãe Zulú, uma antiga feiticeira:
— Agora Juliano, você é um cavalo de Satã. Você vai viver até o fim da sua vida segundo a vontade dele. Você é agora o Oxumã (cabresto negro).
Aquelas palavras tinham um enorme peso. Não foram meras repetições de um ritual. Juliano não poderia voltar atrás de dedicar sua vida aos demônios. E para selar aquele ritual, Zulú indicou que ele comesse o implante das trevas.
Juliano olhou e viu um sepulcro violado, havia um cadáver putrefato pendurado pelo lado de fora com marcas de que fora cortado. Embrulhado em um jornal estava o implante das trevas: era um dedo decomposto que cheirava terrivelmente mal. Juliano comeu o dedo do defunto. Vomitou três vezes mas o dedo não saiu, estava em seu corpo permanentemente.
Juliano havia acabado de fazer seus exercícios físicos noturnos, muito necessários para um ex fumante adoentado. Trancou seu apartamento, tomou banho e se preparava para dormir.
Quando apagou a luz, ouviu o trotar dos pés de um cavalo, embora ele morasse no sexto andar.
O barulho do animal parecia ter se fixado bem na sua porta.
Juliano estava apavorado, foi direto para destrancar. Porém um medo súbito o tomou, e ele já sabia de quem era a visita. Olhou pelo olho mágico e viu do outro lado um outro olho que sedento o observava.
— Desculpe por te incomodar a essa hora, Juliano. Mas eu poderia conversar com você?
Era o síndico, carregando algumas tralhas na mão esquerda. Juliano abriu a porta e o respondeu receoso: "Pois não?"
— É que recebi a visita de um homem, que afirmava ser seu amigo. E insistiu para que eu te entregasse isso — disse o Síndico puxando uma sacola com um embrulho dentro.
Juliano pegou o embrulh com nítido medo de perguntar quem o havia entregado tal presente. O síndico se despediu, e fez seu caminho normalmente até a portaria.
Juliano suavemente fechou a porta, a esquecendo de trancar. Seu corpo ficou bambo. Tinha a certeza de que houvera visto patas e ferraduras no lugar dos pés do síndico. E aquela tralha que ele carregava lembrava muito uma cela e um cabresto.