Prisão Absoluta - CLTS 27
Em um quarto comum, um jovem está deitado sobre sua cama, observando a lâmpada que ilumina o cômodo com luz precária. Nem a luminosidade do luar, que adentra timidamente pela pequena janela - a única conexão do triste recinto com o exterior - é capaz de desviar sua atenção. Em seu rosto está desenhada uma expressão preocupada: "Eu sou solitário. A solidão sempre teve um atrativo especial para mim. Acho que, por sempre ter dificuldade com a questão da comunicação, acabei pegando gosto em ficar fechado com meus pensamentos. Agora estou em um isolamento forçado nesta cela que parece um quarto comum. Não faço ideia de quando vim parar aqui. A estranheza da situação por si só já seria suficiente para enlouquecer qualquer pessoa normal. Mas, como para dar o toque final a tudo isso, venho percebendo algo mudando dentro e fora de mim. Tenho uma vaga noção do que pode ser e isso me assusta".
Miguel se senta na beirada de sua cama, tomado por esses pensamentos. Ele se levanta e caminha de uma parede a outra do quarto, está nesta dança há algum tempo. Seu cabelo preto e volumoso, antes bem penteado e arrumado, agora está desgrenhado. Seus poucos pertences estão jogados por todo o quarto, refletindo a bagunça que está em sua mente. Ele para em frente à pequena janela de seu quarto e contempla a escuridão da noite. A lua desapareceu atrás das nuvens, transformando tudo em trevas; não consegue distinguir nada lá fora. A falta de iluminação é devido ao poste que parou de funcionar há dias. Ele tenta se lembrar por quanto tempo a luz está apagada. Algo lhe diz que as coisas coincidem: "Foi depois que eu percebi?". Essa pergunta surge, mas logo se torna uma certeza: "Foi depois que eu percebi. Estava diante de meus olhos, só não tinha consciência ainda. Eles querem me deixar na escuridão, tudo isso tem um propósito."
Algumas batidas em sua porta o fazem emergir de suas conjecturas. — Quem é? — Miguel se retesou, estava tão tenso que mal conseguia respirar.— Sou eu, está na hora da comida. — Tão tarde? A visita inesperada o perturbou demasiadamente: “Tenho que evitar a comida. Das outras vezes que comi, tive sonhos vívidos. Era como se estivesse em casa, sinto que sou outra pessoa. Deve ter algo na comida, querem me fazer aceitar toda essa situação. Me fazem sonhar com a minha casa para esquecer que estou nessa prisão imunda.” — Vamos lá, meu querido, você não se alimentou direito, nem tocou no seu almoço.
Miguel bufou e deu um meio sorriso debochado: “Lá vem essa mulher novamente com a sua gentileza fingida. Ela sabe bem o que fazer, é uma ótima atriz. Esse tratamento faz parte de tudo.” — Me desculpe, eu não estou me sentindo bem hoje à tarde. Prometo que desta vez eu vou comer tudo — respondeu. A mulher abre a porta e entra com um sorriso no rosto. Nas mãos, traz uma bandeja com o jantar; nela há um prato com arroz, carne cozida, salada e um copo de suco. É uma mulher de meia-idade, boa aparência, pele branca, cabelos negros e olhos castanhos. Veste roupas comuns, um vestido azul longo e sapatinhos brancos: “Nada pode nos fazer lembrar onde estamos”. Sempre está sorrindo e é muito diligente nos cuidados com Miguel: “Estou na prisão ideal, nada melhor para controlar uma pessoa do que tratá-la como se não fosse um detento. Ela é perfeita, nos faz sentir que não estamos privados da liberdade totalmente. Com isso, conseguem subjugar a consciência facilmente.”
A mulher vai em direção à mesinha que fica ao lado da cama. Com cuidado, tira o prato e o suco da bandeja e os deposita sobre ela. Assim que termina, se emperdiga e olha em volta, fazendo uma varredura do local. Retém seus olhos em Miguel, que neste momento a observa com atenção. Ela então suspira profundamente, sorri e fala: — Tsc... Tsc... Tsc... Que bagunça, meu querido, você já foi mais cuidadoso com o seu quarto. Desse jeito, vou ter que te dar um castigo.
Miguel ouviu impassível: “Uma ameaça inocente com um cândido sorriso, mas se for levada a cabo, gera grandes consequências, não é, sua desgraçada? Não vou me submeter a essa lavagem cerebral. Eu sei o objetivo de tudo isso.” Sorriu e respondeu: — Me desculpe, eu ando um pouco cansado. Prometo que não irei causar mais problemas. A mulher ficou em pé diante dele, os dois se fitaram demoradamente. — Vou confiar em sua palavra, querido. Não quero ter que ser dura com você. Nós vamos fazer tudo para te ajudar.
Miguel se limitou a fazer um sinal com a cabeça, indicando que tinha entendido a mensagem. Ela então fez uma carícia em seu braço direito, deu um sorriso e depois se dirigiu à porta. Miguel foi deixado só novamente e começou a analisar a cena que havia passado: "O sorriso forçado e essas ameaças são um sinal... já devem ter percebido, não deveria ter deixado de arrumar o quarto, agora ela vai ficar de olho em mim." Virou o rosto na direção da mesinha onde estava o prato e o suco, e começou a pensar como faria para se livrar daquele veneno: "O suco seria fácil, só atirar pela janela, ninguém ia perceber, mas a comida... o que fazer? Não poderia devolver o prato cheio novamente, isso aumentaria a desconfiança. Pensou durante alguns minutos. Olhou em direção à bagunça e viu seus sapatos e, um pouco mais adiante, a caixa onde deveriam estar, caída de lado e aberta. Ele se levantou, caminhou até onde a caixa estava, pegou-a do chão e ficou olhando, como se fosse a primeira vez que a via: "Acho que isso vai servir por enquanto. Vou colocar a comida aqui dentro até encontrar um lugar melhor. Espero não desmaiar de fome antes de descobrir algo." Pegou o prato e depositou todo o seu conteúdo na caixa, jogando o suco pela janela. Assim que terminou de esconder a caixa embaixo da cama, colocou o prato e o copo sobre a mesinha e resolveu pôr em ordem todo aquele caos. Em alguns minutos, já havia terminado e viu que já era quase meia-noite. Sentou e encostou as costas na cabeceira de sua cama, esticou as pernas sobre ela e olhou para a janela por onde a luz do luar penetrava novamente. Em seu rosto, as feições de um homem perdido eram nítidas: "Ela vai vir recolher essa louça de manhã... o que eu vou fazer? Será que faz sentido resistir? Por quanto tempo eu vou conseguir... espero que consiga pegar no sono logo... estou faminto." Deitou-se e se virou de um lado para o outro durante um bom tempo antes de conseguir dormir. Essa noite, seus sonhos não foram tranquilos como antes.
Miguel acorda com batidas muito fortes em sua porta. Senta-se rapidamente, respira fundo e boceja. Olha em volta, parece perdido, passa a mão no rosto e nos cabelos, o corpo coberto de suor, embora a noite tivesse sido relativamente fresca. Novas batidas, mais fortes que as anteriores. — Vamos lá, rapaz, está na hora de se levantar. Espero que esteja tudo arrumado, fiquei sabendo sobre o seu problema de organização ontem. A voz é grave e denota certa impaciência: "Outro carcereiro! Que horas são? Porque mandaram outro... será tarde demais para mim?" Miguel respira fundo, olha em volta e vê que está tudo no lugar, nem sinal da bagunça de ontem. — Já estou acordado, pode entrar. A porta se abre e um homem alto aparece, com uma bandeja para retirar a louça do jantar. Aparenta, assim como a outra, ter meia-idade, cabelos e olhos negros, pele branca. Veste uma calça social preta, camisa branca, um terno e sapatos sociais muito bem engraxados, que reluzem com os raios de sol que entram pela janela. Fica parado no umbral e, com o olhar, revisa todo o ambiente. Durante esse curto período, Miguel se levanta e permanece de cabeça baixa, parecendo receoso de encarar o homem. — Vejo que tomou juízo. Fala com uma voz calma e vai em direção à mesinha a fim de recolher o prato e o copo. Nesse momento, Miguel ergue um pouco os olhos, demonstrando preocupação. O homem retira a louça e, assim que termina, se dirige à porta. Antes de sair, para diante de Miguel e fala: — Vamos lá, garoto, está na hora do café. Para a mesa agora, os outros te esperam. Antes que Miguel consiga responder, o homem sai e deixa a porta aberta: "Lá vamos nós outra vez, o teatro vai começar. Nada melhor do que um café da manhã com os carcereiros e o outro detento." Senta-se novamente, está muito cansado, parece que passou a noite em claro: "Que noite horrível, nunca tive pesadelos tão ruins, acho que essa situação está acabando comigo. Tenho que dar fim nisso logo."
Miguel levanta-se e vai até a porta. Assim que atravessa seus limites, se vê em um corredor cujas paredes são de um azul suave. O lado direito se delimita em uma escada e, um pouco antes, há outro quarto com uma porta preta. Alguns quadros estão pendurados dos dois lados. O lado esquerdo termina em uma janela quadrangular e há outro quarto ali também, só que a porta é branca. Miguel vai em direção à escada, caminhando lentamente e observando os quadros. Alguns são pinturas de mesas enfeitadas com frutas, outros de animais com olhos bem expressivos. Ele sente certa aflição ao olhá-los, parece que os olhos estão vivos e o seguem. Assim que se aproxima da porta preta, percebe que está entreaberta. Diminui o passo e mira os olhos na direção da fresta. Lá dentro, apenas a escuridão. Tomado pela curiosidade e sem dar por si, para e emprega certo esforço para tentar distinguir qualquer coisa que dê indícios da pessoa que vive ali. Assim que seus olhos se acostumam com a escuridão, percebe uma silhueta, parada em pé e, para seu espanto, encarando-o. Miguel dá um passo para trás e a porta é fechada com violência. Fica atônito por alguns segundos, não consegue distinguir se é um homem ou uma mulher: "Deve estar preso aqui como eu, mas por que não falou comigo? Por que fechou a porta? E por que ficar na escuridão?... sempre a escuridão." Ele quer bater na porta e tentar contato, mas ouve a voz do carcereiro o chamando.
— Mas será possível que eu vou ter que ir te buscar! — Há uma irritação mal disfarçada em seu tom. Miguel responde prontamente. — Me desculpe, já estou indo, eu me distraí com os quadros. Volta a caminhar para a escada. Assim que chega no patamar, olha para trás e percebe novamente que a porta está entreaberta. Um sussurro quase inaudível vem do interior.
— Fujaaaa.
Miguel sente um calafrio: "Fugir como? Nem sei como cheguei aqui, não sei há quanto tempo estou preso, eles sempre estão me vigiando. Esse lugar não é uma prisão comum, e pelo jeito as pessoas enlouquecem com o tempo. Olha só para você, sozinho aí nesse quarto no escuro, sussurrando como se fosse uma entidade maligna, seja lá quem você for." Enquanto pensa essas coisas, Miguel desce as escadas, que têm um formato de L e terminam de frente a um cômodo de conexão entre a cozinha, que não possui porta, e outros dois que sempre estão fechados. Na cozinha, estão três pessoas o aguardando: os dois adultos e um outro que parece ser bem jovem. O local, como o restante, não lembra em nada um refeitório de uma prisão, na verdade, é bem comum. Lá estão o fogão, a geladeira, os armários e uma porta que dá acesso ao quintal dos fundos, onde às vezes permitem que ele vá tomar sol. No centro, uma mesa retangular coberta por um lençol florido e, sobre ela, uma cesta com frutas e quatro pratos com pão acompanhados de canecas onde é possível ver a fumaça do café quente ondulando.
— Ora, ora, vejam só quem apareceu, sente-se. Diz a mulher em um tom que não admite questionamento. Miguel ainda permanece alguns segundos em pé, contemplando aquelas pessoas totalmente estranhas reunidas para o café: "Que loucura infernal é essa, eles querem mesmo que eu aceite tudo isso? Que isso é uma família? Eles não são minha família, nunca vão conseguir me convencer disso." Senta-se ao lado do jovem, que não levanta o rosto desde que Miguel chegou. Os dois adultos não tiram os olhos dele e ninguém havia tocado no café ainda. A estranheza da situação é opressiva.
— Tome o seu café enquanto está quente, meu querido. — Fala a mulher com um sorriso.
Miguel parece não entender bem o que a outra havia lhe dito, então os outros começam a comer, até mesmo o jovem, e Miguel pode perceber que o olham: "Meu Deus, não tem para onde correr agora, eu deveria saber que esse momento ia chegar, o que eu faço?"
Ele olha para o prato à sua frente, faz uma careta e coloca a mão no estômago.
— Não estou muito bem hoje, acho que não vou conseguir tomar o café da manhã. Diz com sofrimento na voz.
Todos param de comer imediatamente e o fitam com desconfiança. O rapaz ergue seu rosto rapidamente, como se o que ouviu fosse algo tão sério que merecesse atenção imediata. Miguel pode finalmente reparar nos detalhes de sua face: observa que seu cabelo volumoso e desgrenhado é a moldura perfeita do quadro que suas feições pintam de emparvalhamento, olhos tão negros como piche, e dentro deles é possível ver medo.
— Você tem que tomar o seu café agora — fala o homem com firmeza.
— Se não obedecer, teremos que ser mais duros com você. É isso que quer? — completa a mulher, ambos se erguendo de seus lugares.
— Mas eu não estou me sentindo bem — responde Miguel, não baixando os olhos diante deles.
— Você está vendo, não é mesmo! Eu percebi seu comportamento — fala a mulher, quase gritando.
Miguel empalidece: “Eles já perceberam. Seus olhos estão cheios de ódio. Achei que teria mais tempo. Tenho que agir antes de me obrigarem a comer esse veneno”.
— Percebi o quê? — respondeu Miguel, fazendo uma expressão de confusão. A mulher franziu os olhos e pressionou os lábios.
— Então você não sabe do que estou falando? — Miguel faz que não com a cabeça. A mulher sai de onde está e vai em sua direção, para ao seu lado e, dessa vez com a voz mais suave, diz:
— Então, tome essa xícara de café. Apenas um gole e eu acreditarei em você.
Miguel estende a mão vacilante até o copo e o pega. Vagarosamente, o leva até a boca: “Que se dane tudo isso”. Pensa. Seu rosto, que até então estava impassível, altera-se para o puro desprezo. Joga o copo com o café quente no rosto da mulher, que grita em agonia.
— Aaaaaaa! Você está louco, alguém o segure.
O homem pula por cima da mesa, tentando agarrá-lo. Miguel rapidamente se ergue e se esquiva, jogando-se para trás. O jovem não faz qualquer movimento; está visivelmente paralisado pelo pânico. Corre em direção à saída; a mulher e o homem haviam se recuperado da surpresa e estão em seu encalço. Abre a porta que dá acesso à área externa, sente a luz do sol, olha em volta e vai na direção do muro, que é relativamente baixo.
Seus passos de repente ficam vacilantes: “Meu Deus, que fraqueza é essa? Deveria ter comido pelo menos um pouco. Estou sentindo que vou desmaiar”. Olha para trás e não tem tempo para mais nada; os dois já estão sobre ele.
— Me larguem! Vocês não podem fazer isso comigo. Quero sair desta prisão, não me deem aquele veneno!
O homem segura seus braços e a mulher está com uma seringa. Quando Miguel percebe, desespera-se ainda mais, debatendo-se convulsivamente. Porém, sua resistência mostra-se inútil; a agulha penetra seu braço, e o conteúdo está correndo livremente em seu corpo.
Miguel então paralisa, pisca várias vezes e olha ao redor. O homem, vendo que não grita e não oferece mais perigo, afrouxa o abraço de contenção e pergunta:
— E então, como você se sente?
Miguel o olha, parecendo não entender bem o que está acontecendo.
— O que aconteceu, Pai? — responde.
A mulher, com lágrimas nos olhos, fala:
— Você parou de tomar os remédios de novo, meu querido. As alucinações voltaram.
O homem o solta, suspira e fala:
— Não se preocupe, filho. Dessa vez, nós percebemos logo que você não estava bem. Acredito que a crise só tenha durado essa noite.
A mulher o abraça e, chorando, fala:
— Estamos colocando seu remédio na comida para que você não tenha que ficar tomando essas cápsulas horríveis. Mas ontem você não quis comer, e eu achei que não teria problema. Me desculpe.
E chora copiosamente.
Miguel está sem reação, não pronuncia palavra alguma durante o tempo em que ficam do lado de fora: “De novo isso! Como pode... apenas um dia? Para mim pareceu muito mais... eu achei que ia saber quando estivesse tendo uma crise. Que inferno de vida... parecia ser tão real”. Olha na direção do umbral e vê seu irmão parado; ele o olha com medo: “Essa doença é uma prisão, e eu estou condenado.” Então Miguel cai de joelhos e começa a chorar; seus pais o abraçam.