Enquanto o Lobo não Chega - CLTS 27.
By: Johnathan King.
1.
Stephen estava parado no topo de uma colina em frente a uma floresta, com os olhos fixos no céu. Era um dia de sol perfeito. Os raios de luz dourados corriam pela vegetação rasteira abaixo do crepúsculo.
Era uma visão extraordinária de beleza rara e, por um momento, seu brilho lustroso quase tirou, ainda que por alguns segundos, a grande tristeza dos olhos de Stephen. De costas para o céu crepuscular, ele observou o interior da floresta.
O jovem se enrijeceu enquanto uma onda de choque percorria seu corpo, causando náusea e, com a mesma rapidez, se transformando em raiva.
— É hora de tomar sua medicação, Stephen. — disse uma voz masculina.
— Ah, desculpe-me. Talvez tenha cochilado um pouco. — respondeu o rapaz.
— Você parece um pouco agitado. Tudo bem? — inquiriu o Dr. Morgan.
— Sim.
— Assim é melhor. Tome sua medicação.
Stephen se esforçava para evitar pensar nos lobos que o perseguiam na floresta e, mesmo quando esses pensamentos lhe surgiam, suas ideias não eram agradáveis nem positivas.
Morgan avançou, com a mão estendida, carregando uma bandeja com um copo de água e um coquetel colorido. Os olhos castanho-escuros estavam fixos no rosto do paciente. O médico tinha cinquenta anos, alto e magro, pele branca como um fantasma, fina e seca como um papel, como se fosse um homem bem mais velho, cabelos também brancos e ralos.
Stephen tomou a droga.
— Abra a boca — pediu Morgan, ríspido.
O rapaz atendeu sem se pronunciar. Sentou-se na cama e ficou olhando para uma parede branca que parecia estar subindo acima do vazio, enquanto Morgan deixava o local com passos pesados.
Stephen deitou-se e apoiou sua cabeça no travesseiro com cuidado. Ele fechou os olhos com força, tentando esquecer suas dificuldades. A medicação ainda não havia surtido o efeito esperado, e, repentinamente, o jovem ficou muito cansado. Um som de lobo o despertou de forma inesperada.
2.
Stephen acordou no chão da floresta com frio, confuso e apavorado. A noite estava escura, com exceção do brilho da lua no céu noturno. No entanto, as árvores eram muito altas e grossas, cobrindo qualquer feixe de luz que o grande astro branco pudesse emitir.
O jovem ficou praguejando, tentando encontrar palavras para pedir ajuda, mas o medo tomou conta de seu corpo trêmulo, então ouviu uivos ao longe.
Uma fumaça escura e maligna surgiu do solo, cobrindo tudo ao seu redor e formando uma cabeça de lobo feroz com dentes muito afiados. Stephen, em pânico, conseguiu reunir forças para se levantar e escapar do perigo. Os lobos eram mais numerosos.
As criaturas estavam sobre ele, ferozes, rosnando e mostrando os dentes. Stephen era um rapaz alto e magro, de vinte e cinco anos. Sua pele era azeitada, seus olhos eram cinzas claros e seu cabelo preto-azulado era semelhante à cor da asa de um corvo.
O rapaz teve a impressão de que os lobos o alcançariam e o matariam, deixando-o em pedaços espalhados pela floresta misteriosa.
Os pelos dos lobos eram tão escuros quanto a noite, um cobertor perfeito que absorvia qualquer resíduo de luz e desviava qualquer som, mas seus olhos brilhavam no escuro como fogo, dando a impressão de uma dança raivosa.
Toda a energia de Stephen parecia ter ido embora, como se ele já tivesse suportado aquilo por muito tempo. Ele se sentou no chão, apoiando suas costas em uma árvore, e sua expressão demonstrava tanta dor que teve que virar para o outro lado, desviando seu olhar da aproximação dos lobos ferozes.
Seus olhos fixaram-se no topo da colina, protegida por um pinheiro solitário. Havia algo brilhante no galho mais baixo.
Stephen despertou ao ouvir o som de um trovão e perceber Morgan ao seu lado, encarando-o com um olhar de predador.
3.
Stephen estava no jardim das rosas com outros internos da clínica, e o aroma das flores o deixou meio tonto. O local parecia ter uma identidade própria, como se as raízes das plantas retorcidas no solo pudessem se conectar com seu coração acelerado e acabar com sua ansiedade.
A dor de Stephen era como um rio: em constante evolução. Ondulava, alagava, em movimentos e refluxos, alguns dias frio, escuro e profundo, outros, rápido e intenso. Houve dias ruins e dias piores. Ele olhou para cima, à direita do jardim. O sol criara formas prateadas assustadoras de lobos nas nuvens agitadas, quando ouviu o som de passos pesados no caminho das rosas indo em sua direção, perturbando seus pensamentos: era Morgan!
— É hora de você tomar um banho, Stephen. — disse o albino, com seus olhos castanho-escuros, perversos e redondos.
O rapaz sentiu uma sensação dolorosa no seu peito. Ele respirava profundamente, e a dor parecia ter diminuído.
— Está tudo bem? — questionou Morgan.
Stephen estava apavorado, mas não demonstrou fraqueza diante de Morgan. Não queria incomodá-lo.
— Está tudo bem — disse, finalmente. Apenas estou com um pouco de dor de cabeça e exausto. O aroma das flores deve ser o mesmo.
— Tudo bem, Stephen — respondeu o médico, franzindo a testa . — Após o banho, farei uma medição em você para melhorar sua dor de cabeça, tudo bem?
Quando ambos entraram, um trovão foi ouvido. Do outro lado, o céu ficou escuro, alterando significativamente o tempo. O vento começou a bater de forma violenta.
4.
— Você tem medo da água, Stephen? — perguntou Morgan, maldoso.
O outro sentiu um aperto na barriga, mas permaneceu calado. Algumas partes do trajeto até o vestiário estavam cobertas por vegetação, lembrando o interior de uma floresta. Adiante, mais para a esquerda e, vindo das árvores, Stephen percebeu lobos com olhos de fogo.
Stephen ficou sem peso. Sua visão ficou escura. Garras o pegaram pelos braços e o ergueram do chão. Quando a visão ficou clara, ele viu Morgan conduzindo-o ao chuveiro, com os olhos brilhando em um tom vermelho-sangue.
Em suma, tanto aquilo era verdade quanto mentira, mas, de qualquer forma, a água gelada do chuveiro o castigava, como se estivesse sendo jogado de ponta a ponta em um rio agitado de correntezas escuras. Stephen sentiu falta de ar e, em um impulso explosivo, saiu do chuveiro, enchendo seu pulmão de ar.
Ele sentou-se no chão por um instante, a cabeça baixa, ouvindo o som da água do chuveiro caindo e se confundindo com a canção da chuva do lado de fora.
Morgan repreendeu.
— Levante-se, Stephen!
O rapaz enfrentava uma agitação interior cada vez maior. A presença do Dr. Morgan era tudo, menos agradável. Stephen suspirou fundo, cansado demais para rebater. Após a exaustão, ele finalmente foi para a cama. Apagou, entrando e saindo de sonhos com lobos em florestas até que a porta do quarto se fechou e Morgan se afastou na escada.
Devagar, Stephen voltou a dormir. Quando acordou, estava sentado em uma clareira, no meio da mata dos lobos. À sua frente, as ruínas de uma antiga casa. Nuvens cinzentas e baixas se misturavam à neblina e havia uma chuva fina e fria no ar. Perto dele, uma chama acesa acendeu, enchendo o ar de fumaça. A luz da fogueira se refletindo nas paredes de pedra da casa em ruínas.
—Lobos — disse Stephen.
E, fora do alcance da luz da fogueira, nas ruínas da casa, o rapaz viu um par de olhos vermelhos brilhar no escuro. Mais lobos se aproximaram da fogueira, animais gigantescos, equivalentes a um dogue alemão, com gelo e neve presos à pelagem. Os olhos vermelhos feito fogo pareciam perturbadoramente inteligentes. O lobo que estava na frente era quase tão alto quanto um cavalo, e sua boca estava manchada de sangue como se tivesse acabado de matar uma caça.
Stephen ficou com um nó na garganta. Entretanto, o que mais desagradava no lobo gigante era sua forma física. A pele grossa e pálida esticada no crânio, o corpo musculoso e a postura lembravam um homem-lobo.
Stephen ficou surpreso ao ouvir o nome de Morgan.
O homem-lobo uivou e os lobos que estavam atrás dele fizeram o mesmo. Stephen estava prestes a pulsar do peito, tremendo como uma vara verde, pálido e suado, quase incapaz de se manter em pé. Sua aparência não era muito atrativa. Contudo, ele estava cansado de sentir medo.
Stephen pegou algumas pedras no chão e as jogou nos lobos, os atordoando. Em seguida, saiu correndo pela floresta para longe. O homem-lobo uivou, furioso, seguido pelos outros lobos, que uivaram na escuridão. Ele avançou, arrastando suas patas pesadas pelo chão da floresta.
Enquanto caminhava pela mata, Stephen ouvia os uivos dos lobos logo atrás dele, mas não se atrevia a olhar. Com as mãos trêmulas, o rapaz apenas correu para longe do perigo, mas só parou quando se viu de frente para a borda de um precipício. Os lobos avançavam, com suas presas afiadas e sussurrando.
Stephen inspirou. Uma voz estrondeante disse:
— Stephen, você não precisa mais fugir e lutar, está tudo bem agora!
5.
O voo 404 da Imperial Airlines aterrissou no Aeroporto Internacional de Nova York dentro do horário. Uma voz metálica soou pelo sistema de alto-falante do avião:
— Senhoras e senhores, queiram fazer o favor de afixar o cinto de segurança.
Quando o avião pousou, Stephen pegou as coisas que trouxera e começou a descer a rampa. Uma aeromoça se postou atrás dele. Na pista, perto do avião, havia uma ambulância com dois enfermeiros e um médico à espera. Alguns policiais também estavam presentes. A aeromoça olhou para eles e apontou para Stephen. Assim que o homem saiu da rampa, o médico o abordou
— Com licença — disse ele.
Stephen fitou-o.
— O que deseja?
— Você é Stephen King?
— Isso mesmo. Tenho o mesmo nome do escritor. O que...?
— Eu sou o Dr. Morgan Christie — ele segurou Stephen pelo braço. — Gostaria de nos acompanhar, por favor.
O médico começou a conduzi-lo para a ambulância. Stephen tentou se desvencilhar.
— Ei, espere um pouco! O que pensa que está fazendo?
Os dois enfermeiros se aproximaram para segurar o braço dele.
— Por favor, não tente resistir, Sr. King. — murmurou o médico.
— Socorro! — berrou Stephen — Socorro!
Os outros passageiros olhavam, espantados, vendo o jovem sendo levado para as portas traseiras da ambulância, se debatendo e gritando.
Dentro da ambulância, o médico pegou uma seringa e inseriu a agulha no braço de Stephen.
— Relaxe — murmurou ele. — Tudo vai acabar bem.
— Devem estar loucos! — protestou Stephen. — Devem...
Os olhos se tornaram pesados demais para se manterem abertos. As portas foram fechadas e a ambulância partiu em alta velocidade.
6.
— Sente-se mais calmo agora, Stephen? — perguntou o Dr. Morgan, olhando fixamente com seus olhos castanho-escuros o homem sentado na sua frente. Hoje, a pele albina do médico parecia estar mais branca, lembrando de fato um fantasma.
— Estou calmo, mas com raiva. — respondeu Stephen.
— Com raiva do quê?
— Eu não deveria estar aqui. Não sou louco. Foram os lobos que fizeram tudo, tem que acreditar em mim. Fui falsamente incriminado por eles, doutor.
O médico avaliou a expressão do jovem e concluiu:
— Stephen, você assassinou toda a sua família durante um surto psicótico, e por isso está aqui. Não se lembra de nada disso?
O coração do rapaz bateu acelerado.
— Não! — gritou ele. — Não tive a intenção de matá-los! Por favor, precisa acreditar em mim, doutor. Os lobos entraram na minha cabeça! Por favor, por favor! Por favor, por favor! Por favor, por favor!
Dois enfermeiros avançaram em sua direção.
Stephen despertou em pânico, com o corpo tremendo.
Uma gélida voz soou, assustadoramente próxima.
— Você matou-os! Os eliminamos!
Stephen ficou paralisado, movendo sua cabeça devagar, lembrando.
— Mais uma vez! Mais uma vez! — uma voz assobiava em sua cabeça enquanto matava com uma faca o pai e a mãe. Depois, conduziu seus corpos até o jardim da família e os enterrou ali.
— Por favor, Stephen — gritava seu irmão do meio, implorando para que o outro parasse o ataque.— Por favor, irmão!
Stephen apertou com força as duas mãos envolta do pescoço do irmão, enquanto o asfixiava na água do chuveiro. Quando terminou, os lábios do garoto estavam roxos e ele não respirava mais.
A irmã mais nova de Stephen caminhava pela floresta, apavorada, observando os galhos das árvores como se fossem mãos perigosas tentando agarrá-la. Ela ouviu uivos ao longe. Estava sozinha e com medo.
A garota parou perto do penhasco, onde tudo era escuro e desolador. Nuvens de tempestade se formavam no céu alaranjado do crepúsculo. Atrás dela estava Stephen, com uma máscara de lobo e um machado nas mãos.
Ele uivou como se fosse um lobo de verdade.
FIM
TEMA: Alucinações e Prisão.