Hoje, depois de tanto tempo em ter o privilégio de ser amigo do maior detetive da Inglaterra, de ter acompanhado a solução dos mais de setenta estranhos casos através do seu peculiar método de dedução, deparei-me com o impulso de revelar aquele que considero o mais inusitado de todos.
Sherlock Holmes, apesar da inerente vaidade intelectual, pediu-me para jamais levar a público este episódio. Temia que os seus desafetos profissionais, por pura maledicência, pudessem me atribuir descrédito a um possível arroubo de insanidade e, assim sendo, comprometer a veracidade dos relatos de suas outras aventuras detetivescas.
Não obstante, assegurei-lhe tomar todo o cuidado ao expor este insólito acontecimento. E, ademais, argumentei que já houvera outros casos na sua longa carreira repletos de aspectos incomuns e até próximos do sobrenatural, de modo que os leitores de suas façanhas não ficariam tão estupefatos assim a ponto de me chamarem de louco.
O referido fato ocorreu em meados de janeiro, no ano de 1883. Eu e Sherlock Holmes, após a apresentação de um impressionante concerto de violinos, voltávamos de coche para o apartamento na Baker Street ao fim de uma nebulosa tarde de inverno. Logo ao descermos da carruagem, vimos a senhora Hudson parada à frente da porta do 221B, com o semblante carregado de preocupação.
— Qual é o problema, sra. Hudson? – perguntei, enquanto Holmes lhe endereçava um olhar interrogativo.
— Há um homem muito estranho lá dentro – ela disse, apontando o polegar por cima do ombro em direção à porta, enquanto olhava para Sherlock. – Ele quer falar imediatamente com o senhor. Estou muito assustada.
— Por quê? – perguntamos em uníssono.
— O cavalheiro em questão não se anunciou à entrada. Não agendou visita. Mas, inexplicavelmente, mesmo com todas as portas fechadas, apareceu na sala de estar. Está lá, junto à janela, olhando pensativo o movimento da Baker Street com as mãos entrelaçadas às costas como se fosse o dono do lugar.
— Interessante – comentou Holmes levando a mão ao queixo.
— Ora, Sherlock, você diz interessante? Isso não são modos de um cavalheiro de boa índole se comportar. É desrespeitoso invadir a casa de alguém sem ser convidado. Você deveria estar tão indignado quanto eu – retruquei ao meu dileto amigo com uma leve ponta de irritação.
Holmes ficou lá parado à entrada, ensimesmado por um momento. Depois, sem qualquer alusão à falta de educação do invasor, disse calmamente:
— Não percamos mais tempo. Vamos conhecer este cavalheiro.
Quando entramos na sala, de fato nos deparamos com um indivíduo absorto em olhar à rua pela janela. Holmes pigarreou duas vezes. Foi o bastante para retirar o sujeito de suas abstrações. Ele virou-se para nós com a fisionomia mais exultante que eu já vira em um primeiro contato visual entre desconhecidos.
— Ooohhhhhh... vocês dois finalmente apareceram – proclamou o misterioso invasor a ostentar um sotaque bem peculiar, enquanto abria os braços em um gesto que parecia querer abraçar toda a sala. Trazia no rosto um amplo sorriso de genuína felicidade. - Vossas senhorias não fazem ideia do quão isso me alegra. O quanto orgulhoso estou por conhecê-los pessoalmente. Permitam-me, por um breve momento, dispensar as formalidades vitorianas deste discurso. Olha só, vocês são demais. São muito porretas, viu?
— Holmes, o que é ser porreta? – perguntei ao meu dileto amigo, em um sussurro discreto, sem tirar os olhos do outro.
— Desconheço a semântica da palavra de qual léxico foi retirada, Watson. No entanto, presumo ser uma característica positiva a nosso respeito, disso não há a menor dúvida – respondeu-me o detetive também em sussurros tão surpreso quanto eu, porém sem perder a fleuma costumeira.
O tal sujeito era todo sorrisos. Tinha o rosto queimado de sol, sem o menor vestígio de bigode ou costeletas, sem traços de nacionalidade anglo-saxã, e aparentava ser um indivíduo na casa dos quarenta anos. Entretanto, aquela alegria contagiante dava-lhe um aspecto de ser mais jovem. As roupas, embora dentro do que havia de melhor em termos de moda, não lhe caíam muito bem. Ele parecia deslocado dentro delas.
— Meu nome é Sherlock Holmes. Este é o Dr. Watson, meu estimado amigo, de quem o senhor não precisa ter melindres em expor suas intenções. Pode falar livremente conosco. Por favor, queira sentar-se ali próximo à lareira, pois logo a sra. Hudson irá pôr fogo para espantar o frio e nos brindará com um excelente chá que costuma fazer.
— Sim, obrigado. Tenho mesmo muito apreço por vocês dois. Meu nome é Acácio Raimundo de Pompeu, seu criado – disse o invasor fazendo profunda reverência como se fôssemos membros da família real britânica.
Em seguida, o sujeito tomou o lugar indicado por Sherlock, junto à lareira. Holmes sentou no sofá vermelho defronte do nosso conviva e eu me acomodei na poltrona, perto da escrivaninha, de onde podia ter uma boa visão de ambos a fim de realizar minhas futuras anotações.
— Acácio é um nome deveras excêntrico, não? De onde o senhor vem? – eu quis saber a propósito de cortesia e, também, para dar tempo de Sherlock analisar o estranho.
— Ah, eu sou do Brasil, de uma cidadezinha muito bacana do Nordeste daquele país.
Meu amigo, já de posse do seu inseparável cachimbo, após dar duas baforadas, cruzou uma perna por sobre o joelho da outra e, sem demora, pigarreou a fim de ir direto ao ponto de seu interesse.
— Senhor Acácio, permita-me saber o que o traz com urgência à minha presença.
— Pois é, eu estou numa situação bem complicada, seu Sherlock. Tô lascado mesmo, sabe? Eu preciso da sua ajuda pra descobrir de que modo eu vim parar aqui – disse o brasileiro abrindo as mãos em gestos amplos à sua volta.
— Hum, sei, o senhor está perdido. Quando diz aqui... refere-se onde? Inglaterra, este distrito? Ao meu apartamento?
— Refiro-me ao mundo fictício que compõe este livro. Na verdade, este conto – respondeu o brasileiro novamente gesticulando as suas mãos no entorno da sala.
Perplexo por tal absurdo, voltei o olhar à fisionomia de Sherlock apenas para confirmar que uma de suas sobrancelhas havia se contraído. O cacoete, habitualmente, manifestava-se quando ele se encontrava em dificuldades de integrar uma informação relevante ao fluxo de raciocínio lógico. De minha parte, não me atrevi sequer a tentar. Não tinha a mínima noção do que o sujeito tencionava dizer.
— Perdão... o senhor disse... livro? Não entendi aonde quer chegar.
— Pois aí está a questão – disse Acácio inclinando-se à frente ao apoiar os cotovelos nas próprias pernas –, sei da sua espantosa habilidade analítica de dedução. Sim, o senhor é o cara. Mas o que vou lhe contar poderá pôr em risco tudo o que acredita. Pode abalar as bases do seu raciocínio lógico. Contradizer as suas convicções.
— É mesmo? Tente, sr. Acácio – desafiou Sherlock sem mover um músculo do rosto.
O brasileiro assentiu, respirou fundo, e jogou para fora o comentário mais desarrazoado e sem cabimento que jamais voltei a ouvir em toda a minha vida.
— Você, sr. Holmes, o Dr. Watson – olhou para mim de relance – os seus casos de mistérios, este apartamento, enfim, a sua realidade não passa de pura ficção. Não é real. O famoso Sherlock Holmes nada mais é do que um personagem dos livros e contos criados pelo escritor inglês Sir Arthur Conan Doyle!
Sherlock, ainda sem perder a fleuma, deu duas longas baforadas no cachimbo, deixando que a fumaça serpenteasse preguiçosamente pela sala. Refletiu por breves instantes se valia à pena continuar aquela conversa despropositada. E, para o meu espanto, resolveu dar livre curso à fala do brasileiro, desejoso de saber até aonde ia a gravidade de seu desatino.
— Sr. Acácio, afinal de contas, você pensa que está exatamente onde?
— Ora, sem dúvida estou dentro de um dos contos da antologia de mistério intitulada “As melhores histórias de detetive de todos os tempos”. E não tenho a menor ideia dos motivos que me trouxeram para dentro desta narrativa inédita de Arthur Conan Doyle. A composição original da obra foi descoberta há pouco tempo mediante um rascunho depois de sua morte.
Fiquei, reconheço, surpreso ao perceber o súbito brilho nos olhos do meu amigo detetive. A sua fisionomia se transfigurou como se, de repente, houvesse ali um verdadeiro enigma a ser desvendado.
— Então, vamos ver se entendi bem, o seu propósito é saber como veio parar aqui dentro deste mundo, do qual o senhor afirma ser uma obra de ficção?
— Sim, pois sabendo como entrei, saberei como sair. Estou preso aqui.
— Entendo – assentiu meu amigo.
Sherlock levou a mão ao queixo e pousou o cotovelo no braço do sofá. Seus olhos começaram a mover-se de um lado para o outro com notável celeridade. Era a manifestação das engrenagens da mente prodigiosa do famoso detetive em profundo trabalho de análise dedutiva. Depois de quase dois minutos absorto em suas reflexões, retornou confiante à nossa presença. O brilho dos seus olhos estava ainda mais intenso. Deu algumas baforadas no cachimbo e se dirigiu ao brasileiro:
— Sr. Acácio, creio poder desvendar o mistério da sua presença neste “conto”, do qual afirma ser a minha realidade. Não me julgo um personagem de ficção, que fique bem claro. Sou um detetive de qualidades intelectuais excepcionais e, embora ainda esteja no começo de minha carreira, ainda prevejo um grande futuro para mim.
— Sim, com certeza, o senhor é o detetive mais famoso do mundo. Hercule Poirot, de Agatha Christie, por exemplo, não é tão porreta quanto o senhor. Ele não chega aos seus pés...
— Quem? – interrompi curioso no intento de saber mais sobre o tal Hercule Poirot, pois percebi um lampejo de interesse de Sherlock por ouvir mencionar outro detetive que lhe pudesse ser de comparação.
Embora a direção da conversa elogiosa lhe fosse bastante agradável, o lado mais pragmático do detetive dominou-lhe o espírito. Portanto, daquele momento em diante, sabia que Holmes tinha uma série de indagações a fazer a fim de resolver aquele absurdo. Jamais duvidei de sua competência.
— Sr. Acácio, gostaria de lhe fazer algumas perguntas...
— Manda vê, pode perguntar.
— ... mas precisaria de respostas sinceras.
— Não vou mentir, sou todo ouvidos.
Recostei-me na poltrona de maneira indolente, preparando-me para testemunhar mais uma das extraordinárias performances de raciocínio lógico do meu amigo detetive.
— Ao que parece – começou Holmes, largando o cachimbo e unindo as mãos para deixá-las displicentemente repousadas no colo –, você é um grande admirador deste tal escritor Arthur Conan Doyle, não é assim?
— Com certeza! Ele é o maior escritor de mistério de todos os tempos, na minha opinião.
— Quem o incentivou a ler as obras deste escritor?
Acácio não respondeu de imediato. Ficou em silêncio por um longo tempo. Depois, seus olhos começaram a se mover de forma rápida e aleatória enquanto avaliava as informações dentro daquela mente perturbada. Pretendia falar alguma coisa, mas engoliu a saliva. Pela primeira vez, desde que eu colocara os olhos naquela exótica figura, percebi a autoconfiança na sua postura minguar. A alegria contagiante foi embora. O rosto murchou e empalideceu um pouco.
— Meu pai – disse, finalmente.
Sherlock percebeu a mudança na postura do brasileiro e considerou o peso das próximas palavras. Achou prudente mudar o rumo da conversa.
— Como Arthur Conan Doyle costumava narrar as histórias dos seus livros?
Então, foi a partir desta simples pergunta que os acontecimentos tomaram um rumo completamente diferente. Deu-se uma inesperada reviravolta digna dos melhores contos de Edgar Allan Poe, pois tomei um susto quando notei Acácio apontando-me o dedo indicador.
— Ele, o Dr. Watson, é o narrador em primeira pessoa de todas as aventuras do senhor, exceto em 4 ocasiões. São quatros livros e quase setenta contos.
Ouvi um assovio alto de Holmes, admirado. Fiquei atônito, sem fôlego, porque na ocasião eu pretendia realmente narrar os casos do meu amigo detetive. Entretanto, até aquele momento, não havia escrito uma linha sequer em razão de nos encontrarmos nos primeiros meses de nossa parceria. Tratava-se de um projeto para o futuro.
Sherlock, uma vez mais, mergulhou no silêncio. Notei sua fisionomia tornar-se tensa, algo raríssimo de acontecer. Dificilmente ele deixava transparecer as suas emoções. Fosse lá o que estivesse pensando, o próximo passo poderia resultar em alguma situação desagradável, ou até perigosa.
— Sr. Acácio, perdoe-me a franqueza, mas você aparece no meu apartamento sem ser convidado e me acusa de ser um personagem de ficção. Afirma que eu não existo no mundo real. No entanto, o senhor está bem aqui conversando comigo. Como se explica isso?
O lunático deu um pulo no sofá e esbugalhou os olhos, assustado.
— Está querendo insinuar que eu não existo também?
— Não posso afirmar isso, todavia posso lhe dizer algo que o senhor precisa saber.
— O que é? Pode falar.
— Você e o meu amigo Watson ali são a mesma pessoa.
Aquela declaração me atingiu em cheio, tal qual um potente soco no estômago, deixando-me sem ar por alguns instantes. O meu mundo virou de cabeça para baixo!
De súbito, todo o apartamento começou a girar, como se eu estivesse sendo acometido por uma crise de tontura. Escapa-me, até hoje, a compreensão das forças obscuras que, contra minha vontade, puseram-me de pé completamente grogue, semelhante a um bêbado inconsequente. Desconheço também a natureza sobrenatural responsável por agir em mim, arrastando-me ao encontro do brasileiro. Ele, sentado, de modo inconcebível, tornou-se translúcido... e eu também. Éramos, naquele instante, dois espectros assustados, um olhando para o outro... até... até... até nos unirmos em um só corpo!
Não encontrava-me mais sentado na poltrona junto à escrivaninha. Agora, eu estava de frente para o intragável detetive, próximo à lareira. Eu o encarei com raiva. Muita raiva. De alguma forma ele estava me manipulando. Já ia lhe dizer uns impropérios quando teve a audácia de me interpelar:
— Posso saber com quem estou falando?
Não quis responder, por birra. Estava furioso por ter sido induzido a cair no seu engenhoso ardil psicológico, que visava ludibriar-me de maneira tão acintosa. Ofereci-lhe a minha expressão contrariada, decerto uma carranca terrível. E pouco não faltou para atirar-me em cima dele à força de socos e pontapés. Queria quebrar a insolência daquela confiança irritante. No entanto, ele era um homem astuto. Não se deu por vencido e, confiante, disse-me:
— Agora, sei que estou falando com o escritor Arthur Conan Doyle, meu suposto criador.
— Suposto uma ova! Eu sou o seu criador de fato, Sherlock, e devia tê-lo mantido morto no conto “O problema Final”, isso sim.
Levantei-me indignado por ser tratado de maneira tão desrespeitosa por um personagem mal-agradecido, fruto da minha criação. Ele estava duvidando da minha autoria como escritor. “Suposto criador” disse-me ele. Vejam só a ousadia! Ora, tudo aquilo ali à minha volta foi concebido por mim. Cheguei perto dele, inclinei-me um pouco à frente e olhei profundamente em seus olhos. Queria lhe dizer uma verdade frontal e incontestável, mesmo sabendo que ele já estava ciente do fato.
— Sherlock Holmes, preste atenção, você não é nada - levei o dedo indicador à minha têmpora direita e bati nela repetidas vezes. - Você saiu daqui de dentro da minha cabeça.
A minha criação insolente se manteve impassível e sequer se afastou de mim. Percebi que ele não estava intimidado, pelo contrário, simplesmente cruzou a perna por cima da outra novamente e, sem desviar os olhos dos meus, falou de modo claro e pausado:
— Senhor Doyle... um homem tão inteligente, tão criativo, tão articulado feito vossa pessoa já deve ter ouvido falar de um distúrbio mental chamado Transtorno Dissociativo de Identidade, não é?
Fiquei atordoado com aquelas palavras. Afastei-me dois passos dele como se perto dele estivesse quente demais. Senti o ardil de outra emboscada psicológica na pergunta. Claro, jamais tinha ouvido falar de tal distúrbio mental. Aquilo, com certeza, era uma cilada. Precisava sair daquele apartamento. Sentia-me sufocado!
— Você não é o Dr. Watson ou Arthur Conan Doyle – continuou o petulante sem tirar-me da mira dos seus olhos perscrutadores.
Levei as duas mãos aos ouvidos para não escutar mais aquelas insanidades, todavia o maldito era cruel demais e prosseguiu:
— Você é realmente Acácio Raimundo de Pompeu! Quem está vivenciando essa história é você, Acácio, não um escritor já falecido há mais de noventa anos.
Eita! Aquela prosa, aquela escrevinhação toda, de repente, começou a fazer sentido. Ahhh, pois um remanso caiu por riba de mim. Rapaz, senti uma saudade imensa de painho. Ôxe, o velho Chico era tudo pra mim. Muita saudade dele eu tinha. Nós líamos todas as histórias de mistério do detetive mais famoso do mundo. Fiquei muito emocionado. Daí, as minhas pernas afrouxaram e eu me arriei no tapete do quarto. Comecei a soluçar um choro desembestado enquanto o doutor Valentim Kern me explicava tudo, assim, de modo mais compreensível à minha razão.
— Você se encontra confinado no Hospital Psiquiátrico Ulysses Pernambucano, em 2020. Está sob o tratamento alternativo específico para o seu caso. A terapia inclui medicamentos e produções literárias das quais gosta de escrever, das quais eu tenho esperança de que possa extravasar partes das suas múltiplas personalidades e chegar à verdade. Acácio, você precisa superar a morte do velho Francisco de Pompeu, seu pai.
— Sim, entendi. Agora sei quem eu sou. Meu nome é Acácio Raimundo de Pompeu. Não sou Arthur Conan Doyle. Jamais fui.
Mas a verdade não era assim tão fácil de superar. Doía-me muito. Ahhh, como doía-me. Sufocava-me! Meu pai, meu velho pai... coitado.... Quando fiz menção de me levantar à procura da brisa oriunda da janela do quarto, senti uma dor horrível na parte de trás da cabeça. Fiquei atordoado, tentei olhar às minhas costas para ver o meu agressor, contudo devo ter desmaiado, porque a escuridão da inconsciência me envolveu sem a menor chance de defesa.
Acordei indisposto naquela manhã, em meados de janeiro de 1883. Não fazia a menor ideia de como adormecera na poltrona em frente à lareira. Levantei-me e reavivei o fogo já quase extinto. Estava um dia muito frio. Em seguida, aproximei-me da janela e olhei com interesse à movimentação dos transeuntes na rua mais famosa de Londres. Senti um movimento atrás de mim. Virei-me displicente e tive a grata satisfação de vê-la entrar na sala com um maço de folhas de papel nas mãos.
— Bom dia, sra. Hudson.
— Bom dia, sr. Holmes. Sinto muito pelo rompimento de tão bela amizade entre o senhor e o Dr. Watson. Hoje, antes de partir, ele encontrava-se arrasado, entretanto disse-me que ia embora para não mais voltar. Antes de partir, porém, solicitou-me para lhe entregar este manuscrito do qual se dedicou na última semana.
— Dispenso qualquer composição oriunda de alguém que me considere um homem dissimulado. Não tolero este tipo de observação a meu respeito. Faça-me o favor, jogue estes papéis na lareira.
Ela se aproximou da lareira e, sem a menor hesitação, jogou o alfarrábio no fogo. Depois, veio postar-se ao meu lado, junto à janela, para observar a vida correndo lá fora.
— Sabe, senhor Holmes, eu sempre considerei o Dr. Watson um homem muito estranho!
— Eu também, minha cara sra. Hudson, eu também.
Temas do CLTS 27: alucinação, prisão (confinamento em hospital psiquiátrico / mente alienada)