A viagem na floresta russa

A viagem

Há muitos anos, talvez décadas, meu amigo Matt e eu decidimos fazer uma excursão para realizarmos trilhas na Rússia, seria um ano sabático em nossas vidas.

Planejamos a viagem durante meses, tudo minuciosamente organizado, afinal, a Rússia não era, naquela época, um lugar com muita frequência no turismo.

Nenhum dos nossos parentes gostaram da nossa ideia de viagem, mas continuamos nos organizando nosso sonho.

Finalmente, nossos passaportes estavam prontos.

Tinha chegado a hora!

A viagem de avião até a Europa foi longa e a viagem a Perm, já na Rússia, foi ainda mais longa ainda, mas valeu a pena, tudo era extraordinário.

A cidade era linda, uma arquitetura completamente diferente de tudo o que já tínhamos visto!

Quando chegamos próximos à Floresta Chernyaevsky, ouvimos muitas histórias sobre ela de outros viajantes.

A floresta era grande, mas estava cercada pela cidade, então, se precisávamos de ajuda, não estaria longe para conseguirmos socorro.

Mas mesmo assim, tinham nos avisado, nos alertado para ter cuidado, pois, segundo eles, além dos perigos normais de uma floresta, ainda tinham estranhas ocorrências de buracos misteriosos no solo da Rússia.

E alguns desses estranhos buracos, apareciam ali naquela floresta.

Nos aconselharam a observar onde pisaríamos e, acima de tudo, que tivéssemos cuidado no primeiro dia de caminhada.

Depois de todos as conversas, seguimos para dentro da floresta.

Fizemos progressos significativos na caminhada chegando à estrada perto do ponto intermediário que nossos amigos nos haviam mencionado e continuamos um pouco mais adiante do planejamento inicial.

Acampamos naquela noite e saímos cedo na manhã seguinte, estava tudo sendo perfeito, estava.

Enquanto eu conversava com Matt sobre qualquer coisa me distraí, tropecei em uma pedra, deslizei por um metro e meio, um frio enorme no estômago antes de parar e bem na hora certa!

Quando abri os olhos, olhei e vi escuridão total abaixo de mim.

Minha cabeça estava sobre um daqueles buracos misteriosos que os outros viajantes tinham nos contado.

Vagarosamente, me afastei o máximo possível, me arrastando para trás o mais rápido que conseguia.

Apavorado, pois senti o quanto eu estava perto de cair de cabeça naquela escuridão.

Uma queda que, sem dúvida, teria me matado ou, pelo menos, quebrado meu pescoço.

Matt, por algum motivo que até hoje não entendi, estava mais interessado do que eu em saber o quão profundo era e ficava perguntando se eu achava que alguma coisa morava ali, de verdade, eu não queria saber!

Mas mesmo assim, ele insistia.

E Matt se deitou com o rosto sobre o buraco aberto e gritou para ver se com o eco descobria a profundidade, não adiantou, daí, ele decidiu jogar uma pedra, curiosamente, o som da batida foi muito suave, provavelmente, porque havia folhas e vegetação no fundo do buraco.

De qualquer forma, a pedra demorou apenas alguns segundos para atingir o fundo, o que demonstrava que não era muito fundo.

Perguntei a Matt se ele ainda queria continuar ali ou se poderíamos ir logo.

Matt me surpreendeu tirando da mochila uma estaca e uma corda que eu não sabia nem que ele tinha levado.

Mas, esse equipamento de escalada seria útil para explorar esse buraco.

Olhei para ele, com a cara mais séria possível e implorei para que ele não fizesse isso.

Falei do perigo, dos riscos e tudo mais, o quanto isso também atrasaria no nosso planejamento, porém ele descartou tudo isso e ainda me disse: “Se algo der errado, me busca”, e deu uma gargalhada.

Então ele apertou, testou a corda na estaca e prendeu no colete de caminhada enquanto eu o observava descer pela abertura misteriosa.

Até que não pude mais vê-lo, então gritei para ver se ele conseguia me ouvir.

Ele ouviu, uma voz firme retornou lá de baixo, ele gritou que estava seco e tinha uma grande abertura lateral.

Ele disse que iria entrar ali e explorar mais para dentro por cerca de, no máximo, uns 20 minutos, pois seria uma caminhada lenta.

O tempo passou e nada de Matt dar algum sinal de vida.

Fiquei preocupado, gritei que era hora de ele subir, até puxei a corda para sinalizar, mas nada de ele puxar de volta.

Insisti, puxei a corda e nada de resposta.

Quando eu tinha decidido que era a hora de puxar a corda, ele querendo sair ou não, senti um puxão violento na outra ponta, que não parou.

Eu, então, imaginei que Matt estivesse com sérios problemas e em pânico para tirá-lo de lá, comecei a puxar freneticamente.

Puxei e puxei com todas as minhas forças tentando, tentando desesperadamente tirar meu amigo do fundo daquele buraco, consegui perceber algo diferente, algum tipo de contorno veio de baixo, percebi que estava mais pesado do que antes.

Eu notei que o que eu estava retirando não era meu amigo Matt, estava começando a entender isso, mas já era tarde.

Tarde de mais.

Vi sair da escuridão, um longo e fino braço.

O contraste da escuridão com a brancura da pele daquele estranho braço chamou até mais minha atenção do que toda aquela situação insana!

A mão esguia e assustadora descansou no chão logo na saída do buraco, depois outro longo braço fino foi levantado e agarrou o outro lado!

A pele daquele braço, agora era bem visível fora do buraco, ela tinha manchas, algumas mais esbranquiçadas que outras, e os dedos, os dedos eram mais como garras.

E sob essas unhas eu pude perceber, ver algo que parecia ser sangue e tufos de cabelos, pedaços de Matt.

Aquilo me horrorizou, prendeu minha atenção, prendeu o tempo suficiente para que, quando eu tirasse os olhos daquelas mãos deformadas e olhei para dentro do buraco, vi o rosto da criatura dos braços longos, seus olhos eram vermelhos com pupilas pretas, dilatadas.

Dentes escuros de sangue, que pareciam afiados como um conjunto de facas de açougueiro, o rosto era redondo e sem orelhas, isso foi tudo o que pude ver, eu estava em estado de choque.

Diante deste monstro horrível, não acreditava no que meus olhos enxergavam.

Uma enorme língua de cobra escorregou por aquela abertura grotesca que devia ser a boca.

Aquilo estava em direção aos meus pés, quando notei aquela estranha língua enrolou minhas pernas e tentou me puxar para baixo.

A criatura acabou de subir e saiu completamente do buraco e me olhou nos olhos.

Sua língua ainda enrolava firmemente minha perna, seu rosto estava ainda mais pálido e escamoso que seus braços e olhos pareciam olhar para dentro de minha alma.

Ele soltou um som insidioso, um som que assombra em meus sonhos todas as noites.

Com o canivete que estava em meu bolso esfaqueei a criatura na cabeça, um ato de reflexo, sem pensar.

Suas mãos começaram a escorregar, caindo no buraco, aquilo tentava se segurar nas bordas do buraco, mas mesmo assim, caia lentamente; mas então me lembrei de que a língua ainda estava em volta da minha perna, escorreguei e caí.

Meu canivete me apunhalou no quadril, gritei de dor, mas não tinha tempo de sentir dor, tinha que agir rápido, antes de escorregar junto pelo buraco, alcancei o canivete e comecei a cortar aquela língua longa e mortal, cortei e cortei, ainda conseguia ouvir o som diabólico ecoando nas profundezas do buraco quando consegui me desvincilhar.

Estava salvo e assustado.

O resto da língua do monstro ficou se mexendo e mexendo, como se tivesse vida própria. Eu vomitei..

Quando consegui me recompor, me arrastei até a estrada para buscar ajuda, dessa vez demorei mais, pois meu quadril doía muito, porém fui o mais rápido que pude.

Pouco antes de desmaiar um carro parou e me socorreu.

Depois de medicado em uma ambulância, as autoridades ordenaram que eu os levasse ao buraco.

A língua ainda estava lá, aquele pedaço de maldade, novamente vomitei..

Os russos pareciam não se importar muito comigo, eles olhavam apenas para a língua e o buraco.

Os policiais conversavam entre eles e se comunicavam por rádio com seus superiores, eu acho, pelo tom de voz que usavam.

Pouco depois, com uma organização militar, vi chegando veículos blindados e muitos soldados.

Um oficial russo com um tradutor veio conversar comigo, ou melhor, dar ordens para mim.

O oficial me disse que nada daquilo tinha acontecido, e que eu, em um surto, em um momento de pânico havia matado meu amigo Matt, e que, se mantivesse essa história, seria liberado em algumas semanas e poderia deixar a Rússia.

Enquanto isso, eu via alguns homens com roupas estranhas recolhendo a língua e, ao mesmo tempo, caminhões com enormes pedras e máquinas de grande porte chegavam, provavelmente, para lacrar o buraco.

Eu estava em pânico, sozinho em um país não muito amigável, de alguma forma, devo ter aceito a proposta, pois realmente, por mais que pense nisso, não lembro.

Fui enviado para uma prisão, a Colônia Penal número 3, apelidada de "Polar Wolf", que fica em Kharp, no Ártico russo.

Eu cumpri a minha parte do acordo, a Rússia não, fui esquecido por lá.

Com o tempo me conformei que morreria ali, até que começou a operação especial na Ucrania, e precisaram dos presos para lutar pela pátria mãe…

Eu aceitei, acho que nem eu, nem as autoridades sabiam mais que eu não era russo, décadas lá dentro acabaram me calejando de forma a nem eu mesmo saber minha origem ou muito de minha história, com o tempo começaram a me chamar de Postoronniy, depois Ronni, o que acabou sendo o único nome que lembro ter.

Em algumas semanas conseguindo sobreviver a guerra, desertei.

Hoje estou em um abrigo da ONU escrevendo esse relato, sozinho, ou quase, já que eu nunca mais fiquei sozinho.

Aquele som do inferno nunca mais saiu da minha cabeça, aquele olhar do mal que entrou na minha alma nunca mais saiu....

Nilvio Alexandre Fernandes Braga
Enviado por Nilvio Alexandre Fernandes Braga em 08/05/2024
Código do texto: T8059041
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