Chão de mil cigarras. - CLTS 27
*para ser lido devagar*
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"[...] as cigarras que deitam música de monotonia eterna num monólogo sem fim, algo deve haver aqui para que elas continuem a cantar sempre, sem parar, e quem poderá saber o que seja?" - guilherme dicke
— Sou um caminhante, não um andarilho. Gosto das estradas largas e que perdem o silêncio apenas para os pássaros ou galhos agitados. Se tentar qualquer lembrança, com certeza a primeira será em alguma rua; quase sem lugar. Mudei-me nem sei pela qual vez no ano, moro de aluguel. A casinha era bem pequena, quase não entrava luz, praticamente um só cômodo; sem reclamações, eu só a usaria para dormir, se precisasse. Não é muito problemático me transferir de uma cidade para outra de repente, eu não trabalho.
Procurei o mais rápido possível naquele bairro a melhor rua ou avenida para me servir. Na placa o nome Boulevard. Um canteiro, arborizado e decorado, faz a divisão. Suas margens abrigam algumas casas e estabelecimentos de mau movimento, há também mercado, escola, farmácia, um posto de saúde, o qual divide com outra rua. Apesar de tudo isso, na maior parte do tempo é quietude. Nela eu percorria do início ao fim. O começo dá para a área mais comercial, passa muitos carros na outra avenida, e bastante gente. O silêncio reina quanto mais se chega perto do fim.
Uma coisa só era que agitava aquela rua, e quando ouvi pela primeira vez devo ter sentido algum calafrio. Não contei, mas havia ali uma igreja. Era só mais uma, juro que não sou religioso, poderia passar por ela como passo por uma residência qualquer. Um quadradão esbranquiçado com portas de vidro. Escutei sair de lá uma gritaria, mas ordenada. Me aproximei. Havia umas cinco ou seis fileiras de meninos e meninas, de uniformes com lacinho amarelo. Faziam ordem unida, marchavam e tudo. Eram adventistas. Eles acreditam que haverá uma grande guerra, estão constantemente se preparando para quando todos estiverem como bestas pelo mundo.
Vi eles lá, ocupando o campinho de concreto da esquina. Nunca me interessei muito por reuniões de pessoas, mas nesse dia ganhei um amigo ciumento. Segui as caminhadas, procurava ir pelo lado onde pudesse passar bem em frente da igreja, ia lentamente e olhando para dentro. Podia passar dias inteiros assim, não me incomodava. Não sei porquê, mas tenho a impressão do sol se esconder cada vez que ponho o pé fora de casa. Talvez nunca estive coberto por ele — sempre nublado.
Houve um dia em que simplesmente me perdi. Parei em frente à igreja e encarei meu reflexo, não faço ideia por quanto tempo, mas o suficiente para sair lá de dentro um senhor. Camisa social avermelhada e calça clara. Ele ficou tal como eu, me encarando, mas sorrindo, e me convidou para entrar. Até esse momento eu acredito não ter tomado consciência do que ocorrera, só me situei quando estava no interior e ouvi a voz indagando quem sou eu.
Ali conversamos. Soube que já era bem quisto e filho de uma profecia: “— Desde que te vi passando diversas vezes, tão curioso para cá, eu disse: ‘esse Deus já fisgou!’”. Não lembro nada do que falei nesse dia. Depois, ele me levou pelo braço a uma sala. Havia vários espelhos, quase fiquei tonto. O senhor, Deônio, me disse ali ser a sala onde as almas se encontram. Lá que se fazem promessas. As pessoas formam famílias, adotam alguém, espiritualmente. Acho que Deônio me adotou nesse dia.
Convidou-me para voltar no dia seguinte, aconteceria uma celebração. Eu fui, cheguei quando estava tudo ainda meio vazio. Quando chegavam as pessoas, estranhamente, me olhavam com muita alegria e vinham diretamente a mim para apertar minha mão e dar as boas-vindas. Senti vontade de sair dali imediatamente, mas fiquei, começaram a surgir os jovens. Muitos eu já conhecia a cara, eram os que praticavam no campinho.
Pouco a pouco comecei a frequentar, ficava quietinho num dos bancos de trás. Passaram mais alguns dias e minha presença era diária. Deônio pedia-me um ou outro favor. Chegou um momento em que eu mesmo me oferecia. Coisas poucas, como organizar cadeiras, varrer etc. Deônio, porém, tinha outras ideias. Viu ele em mim um potencial. De sua conversa eu lembro apenas que os jovens tendem a voltar os olhos aos também jovens. O fato de eu ter trinta e poucos anos podia fazer com que os meninos se entusiasmassem, me vissem como modelo, que não levavam tanto a sério um velho fazendo coisas de garoto, como ele.
Me tornei uma espécie de treinador. Foi dito Deus ter planejado tudo, que surgi na hora certa e mais. Tenho isso de não notar as coisas acontecerem, e me despertar no meio do movimento de tudo. Me dei conta do que aconteceu quando eu estava diante de umas trinta crianças e adolescentes, com um microfone na mão, e todos me aguardando para falar. Naquela hora eu era o novo tutor. Eu é que os levaria para o campinho, para fazer ordem unida e marchar.
Posso dizer que a empolgação me dominou nesse momento da minha vida, tanto que minhas caminhadas passaram para a noite, pois o dia inteiro eu ficava na igreja. Estar com crianças me alegra imensamente. A todo instante imaginava uma nova brincadeira, algo divertido, todas elas gostavam. Eu estava sempre atento para o salto de uma das meninas, para quando a mão dela tocasse a bola e esta fosse para o outro lado ser acertada em cheio por um dos garotos, que se agachava com perfeição para devolver o lance. Queria ficar sempre com o uniforme, a maior parte do tempo eu estava com o short preto, a camisa com o laço e o boné, sentindo o vento bater em minhas coxas e pernas, o sangue fervente enquanto corríamos e jogávamos; eu crescia. “— Deus! É Deus!”.
Assim foram os dias, cheguei a esquecer o silêncio, mas houve um dia em que eu estava sozinho, no campo, e notei algo. Era um som que vento nenhum produzia, nem bem-te-vi nem joão-de-barro. Um chiado. E desde que ali eu percebi, isso cresceu cada vez mais, como se fosse explodir. Acho que só eu notei, ninguém nunca se queixou. Eu suportava.
Deônio me chamou num domingo, cedo, para um aviso: “— Uma amiga muito querida me pediu um favor. Ela foi uma das primeiras congregadas daqui. Trará o sobrinho, tem doze ou treze anos, para conhecer a igreja. Parece que a mãe dele vai se mudar para cá, mas pediu que a irmã ficasse com ele logo para acelerar as matrículas e tal. Pelo que ela disse, o garoto é bem tímido, seria bom que você o integrasse aos outros jovens, ainda não ficando por muito tempo...”
Quando o menino chegou, estive presente. Veio com a tia. Ele tinha a pele muito branca, vários sinais pelo corpo, pescoço, pernas etc. Apertei sua mão, macia. Deônio explicou quem eu era e fez o convite para que fosse amanhã, apesar da minha vontade em apresentar logo o espaço e como funcionava.
No dia seguinte havia apenas alguns para as atividades, meio de semana. Estávamos no campinho, o menino novo chegou um pouco atrasado. Ele não tinha uniforme, teve de pegar um reserva lá na igreja, e o que tinha, justamente, não era bem do seu tamanho. Ficou muito curto e dava para ver que ele estava envergonhado — cada passo mostrava um pouco mais.
Ele se apresentou e começamos. Estive mais observador neste dia. Ele não era gordo, mas movia-se com lentidão e cansava bem rápido, precisava de muitas pausas para o coração acalmar. Terminou o primeiro jogo encharcado e não continuou para os outros. Repousava na arquibancada. Fui pro seu lado para fazer melhor companhia, nós quietos. Eu escutei a respiração ofegante dele, e vi as gotas de suor do rosto caírem no joelho, e as do braço escorrerem até a coxa, o tecido rente.
Na noite deste dia relembrei isso tudo, e senti alguma tristeza, ou aflição; não sei minhas emoções. Pensei em mim e quis chorar. Minha mãe. Ela morreu. Nesse momento, aquele chiado ficou muito forte, eu descobri o que era: uma cigarra.
Poucos dias depois, quase meio-dia, o telefone tocou na secretaria da igreja. Apenas eu estava lá. Atendi e Deônio falou da outra linha: “— Olhe, não tem aquele rapaz novato? Pois a tia dele está na repartição, acabou dando um problema lá e atrasou o atendimento, ela não sabe quando volta. Tem como você ir buscá-lo? Ela disse não ter problema se ele ficar na igreja. Eu só irei à tarde. Aproveite.”
Pois bem, eu fui. Ele estava sozinho num dos bancos do pátio da nova escola, nem notou quando eu fiquei ao seu lado. Ele entendeu, então foi comigo. Na rua, levei ele pela mão, para não acontecer nenhum problema. Fomos por um caminho. Era bem quieto, nunca ouvi reclamar de algo.
Confessar? Eu não sei. Desde quando eu era criança, quando meu pai me perguntou se fui eu que sujei a parede toda de cola, bem bravo, que nunca mais fiz algo assim. Ele sempre dizia que eu deveria crescer. Todo mundo me olha estranho, acham que eu não falo normal. Diziam que de repente eu mudava de voz. Me falaram que gente grande fala de tal jeito. Eu tento.
Passamos por uma porta, eu e o menino. Pegamos uma chuva. Nós dois encharcados. Acabei tirando a blusa, tirei a dele também; para secar. Achei melhor que fôssemos tomar banho, ele acabou indo, passou a manhã toda na escola. Fiquei vendo da janela as águas. Quando ele saiu, fui eu. Gostava da sensação, a mesma de lá fora. Ele se deitou, fechou os olhos, como se estivesse dormindo. Eu cheguei bem perto para ver, mas ele abriu os olhos quando caíram as gotas no rosto dele. Sempre muito tranquilo.
Naquele dia, ele me contou que sentia dor — e eu vi no rosto dele, era muito pálido, a boca estava esbranquiçada e seca, os olhos quase fechando. Perguntei se ele queria comer algo, e fui buscar. Acho que levei algum chocolate, mas minhas mãos estavam manchadas. Ele nada mais dizia; ainda estava acordado, só os olhos. Peguei ele no colo e levei até o quintal. Acabei me sujando de terra. Lá deitei ele, para poder pegar um ar. Depois se escureceu.
Após isso, fui para a rua. Ouvi o barulho de cigarras, muito mais alto. Calor, eu levava minha mochila. Passei pela igreja e fui embora. Peguei a estadual, conheço caminhos. Andei aquela estrada sem retidão, mas tinha pinheiros bonitos, eu gosto de parar e vê-los de perto. Há cigarras em cada uma delas, um monte, deixam os troncos cinzentos. Contaram para mim que as cigarras passam um bom tempo enterradas, só depois é que saem para cantar.
Não sou de ficar num lugar por muito tempo, sempre acho que incomodo as pessoas. Tenho medo. Para mim, a pior coisa é quando os outros começam a me ver e não mais me olham de cara feia, mas sorriem. Minha mãe sempre sorria para mim, meus outros parentes também. Teve um dia que ninguém mais fez isso. Ela morreu triste. Meu pai cuida de mim? Ele me manda dinheiro, mas nunca mais vi ele.
Lembro de ter passado algumas noites, mas não sei dizer quantos dias direito. Parei num posto de gasolina, lá comi algo. Havia uma televisão, passava o jornal, o repórter estava num lugar conhecido. Ao seu lado, uma mulher chorando. Ela parecia muito com aquele menino. Acho que era ele. Saí de lá. As cigarras são minhas amigas?
Um ou outro carro parava ao meu lado, perguntavam se eu precisava de carona, mas eu sempre neguei. Tenho caminhos. As rachaduras, os fios; eu estava lá. Meu rosto não tem nenhuma marca. Tinha chegado. Eu queria fazer uma surpresa. Tentei arrumar uma casa antes que me vissem, mas não consegui. Passei as noites na floresta, mas às manhãs eu ia escondido perto de uma certa casa, vigilante. Era a casa de minha avó. Mudou só de cor; ela agora usa andajar.
Não sabia direito o dia em que eu bateria lá, aconteceu, porém, que chegaram uns carros. Meus tios, algumas pessoas, todo mundo alegre. Para mim, era o momento certo. Apareci lá, bati à porta e me atenderam. Houve um silêncio, mas de repente me convidaram para entrar. “— Você não mudou nada!”, “— Continua com a mesma cara de quando era garoto!”, “— Meu filho, você esteve por onde?”. Minha vó ouviu, veio ver, apenas me deu a bênção e puxou minha cabeça para junto do ombro dela. Estava bem mais séria.
Descobri que na casa viviam ela e duas primas minhas. Aconteceu algo, acho que naquelas pessoas, ruim. Não era como na igreja, quando os outros chegavam. Era mais como quando eu estava com Deônio. Eu senti que todos ali começaram a se comportar de um jeito forçado. Não sei. Parecia que a qualquer momento eles, ou eu, virariam pó.
Alguém falou algo e todos concordaram. De repente, começaram a se despedir, disseram que esqueceram alguma coisa. Tinha de ir todo mundo? Levaram a vó também. Devia ser algo importante, ou foram levar ela para algo que prepararam.
Eu vi que minha prima tava na cozinha, acho que fazendo um bolo. Então era aniversário da vó. Desceu uma menina das escadas, ela queria ir junto, mas não havia mais espaço nos carros. Ela deu um abraço na vó e voltou. Não era alta, a cabeça dela dava no meu quadril...
Eu não minto! Minha mãe me fez jurar. Não preciso de nenhuma bíblia. Se não houver quem acredite em mim, que acredite nas minhas primas. Estávamos só nós três na casa.
Eu vi vovó quase indo embora, fui correndo. Ela que me deu minha boneca, eu fiquei muitos dias pedindo, até que ela me deu. Me chamaram e eu nem queria ir, quero brincar com minha boneca. Eu tava fazendo o quarto dela, ainda faltam algumas cômodas. Mas eu fingi que queria ir pra deixar ela feliz. Eu vi que não tinha espaço, quiseram me levar no colo, mas eles acham que sou burra. Disse que era proibido e voltei. Subi bem rápido as escadas, é que tava muito legal. A cama dela tinha que ter a coberta rosa, mas o tapete não combinava, eu só tinha da cor amarela, não sei se me dariam outro, porque eu insisti muito naquele. Aff! Mas tava legal, eu gosto de cantar quando brinco, lalala lalala, tudubim, bimpombom!, era assim a música, mas eu canto sozinha!, ouvi mais alguém cantando. Fiquei calada para descobrir, só que ficou um silêncio. Aí eu ouvi o barulho fino da porta e uma sombra grandecendo na minha frente. Quando virei, era aquele cara esquisito que tinha chegado.
Eu tava na cozinha, preparando o bolo de cenoura da vó Dalma. Era o que ela mais gostava, começou a dar a deixa assim que chegou a semana do aniversário. O médico proibiu essas coisas, mas eu não podia negar. Eu tava muito concentrada no dia, a vó é a segunda pessoa mais importante da minha vida, se não fosse ela, eu teria ficado abandonada com minha filha. Casei com um idiota, ele me deixou. Arrumou outra, minha filha tinha só dois anos. Canalha. Fiquei sem nada, ele vendeu o apartamento e se mudou com aquela. Vó Dalma me acolheu, vivo com ela tem oito anos. Eu amo muito, é muito importante para mim. Mas, como eu falei..., no dia eu estava tentando fazer tudo da melhor maneira. Sabe..., o que eu mais queria naquela época era aproveitar o máximo possível de tempo com ela. Qualquer experiência, para ela, eu queria que fosse perfeita. Eu vivia cansada, mas contente. Na hora, mesmo, eu mal percebi as coisas, depois que ouvi os carros indo embora me voltei novamente por completo para a massa. Todas as medidas corretas, o xilitol, farinha de linhaça, tudo. Meu braço doía, ela me ensinou que usar liquidificador ou batedeira mudava a textura. Sim..., aí, quando parei pra respirar um pouco, foi que me dei conta. Tava tudo muito silencioso. Foi quando caí em si. Tinha mais alguém na casa, aquele meu primo, que eu nem lembrava o nome. Eu sabia que tinha algo errado, porque algumas vezes senti que me observavam. Eu estava dando tudo de mim, ignorei as coisas. Vi do corredor uma mancha só, mas achei que era a cortina mexendo. Tenho certeza agora que era o rosto dele me espreitando. Eu precisava dar uma geral na casa, ver o que tava acontecendo. Peguei uns biscoitos e percorri os cômodos, não vi ninguém embaixo. Tive de subir. O biscoito era só desculpa, ia dar para minha filha. Quando cheguei no corredor, vi a porta do quarto dela entreaberto. Aí, fiquei nervosa. Sim. Porque ela gostava de brincar de porta fechada, ela transformava o quarto dela num mundo mágico. A porta, é. Fui até lá e vi ele olhando ela. Não, tava a uns dois metros. Parado. Ele sorria e cantava.
Viu só? Nada demais. Eu não minto. Eu gosto de crianças. Sempre que me olho no espelho, me vejo como quando tinha onze anos. Queria só brincar, achei divertido. O quarto dela era bem colorido. Eu não fiz nada, elas mesmas disseram.
Nesse dia eu resolvi que nunca mais voltaria. Não sirvo em lugar nenhum, queria morrer andando, só isso. Peguei outra estrada, não sei bem se eu tinha rumo, não sabia de nada. Só fui, já à noite. As cigarras, elas sempre. Por mim, elas são minhas amigas. São muitas. Só aumentam, cada vez mais. Não sei até quando meus ouvidos aguentarão, cantam muito alto. Era outra estrada cercada por pinheiros. Os postes deixavam um vão escuro entre as bolas de luz. Eu ia pela direita.
Queria descobrir quando um encontro é uma despedida. Talvez quando nos abraçam. Senti muita vontade de chorar. Aquele menino, eu vi, ele chorou. Foi uma lágrima só. Eu amo, sim. Por que falou isso? Será que nunca viu algo bom em mim?
Na estrada passou um homem, vinha da esquerda. Foi pelo lado contrário. Tinha aparência de uns cinquenta anos. Não liguei, ele nem olhou para mim. As cigarras ficam nos troncos, mas notei que elas começavam a aparecer no calçamento. Segui em frente. Eu sabia que só poderia parar quando elas parassem de cantar. Tive dúvidas naquele momento se parariam.
Depois, vi uma menina passando. Estava com um vestidinho azul. Veio na mesma direção do homem. Era bem tarde, eu sabia. Medo? Eu... sinto? Não sei dizer se tenho medo de fantasmas. Por que eles existiriam? Não acredito. Depois, vieram dois meninos, depois uma mulher, depois um velho, depois um bebê; engatinhando.
Eu não estava ficando doido. Essa palavra não pode. Eram apenas pessoas. Caminhantes como eu, não sou o único. Foi muita gente. Eles não olharam para mim, tentei ver só os pés. Todos com os mesmos passos. Houve um momento em que toda a estrada estava tomada de cigarras. Não dava para andar sem pisar nelas. Cantavam cada vez mais alto, como nunca antes, parecia que o chão ia se abrir.
Apareceu mais alguém... do fim eu vi: era o menino. Apenas fez a travessia. Quis falar com ele, mas foi igual. Quando virei o rosto para trás, havia uma multidão. Todo mundo, todos atrás de mim. Senti um aperto, gritei pela primeira vez. Então, saí correndo. As cigarras e eu: um só grito.
Temas: confissão e alucinação.
Pseudotema: prisão.