Contos Obscuros - O trabalho
Descanse em paz, dizia a inscrição na lápide.
Sacudiu a poeira do chapéu e recolocou na cabeça.
Haveria paz, afinal?
No seu ramo de trabalho, ele fornecia paz a muitas pessoas. Mas chegara ao momento em que questionava se haveria paz para ele mesmo.
Caminhou devagar até sair do pequeno cemitério. Gostava do lugar, mas não acreditava que passaria sua eternidade ali. Talvez em um lugar maior, tipo jogado em uma mata qualquer, sem que ninguém a não ser o responsável pelo enterro soubesse encontrar.
Não haveria velas, choro, missa. Não tinha parentes vivos. Não tinha havido nenhuma esposa.
Não que não gostasse de mulheres, mas um homem na sua profissão não tinha tempo para relacionamentos mais longos. Uma noite apenas era o suficiente. Custava pouco. As vezes custava um pouco mais. Algumas mulheres cobravam mais dele, porque era negro.
Não na cor da pele. Fosse isso, algumas até fariam de graça. Mas o negrume estava no olhar, no coração. E esse tipo de mulher tinha um certo sentido, que deixava sua alma nua diante delas. Elas sabiam.
Ele sabia?
Caminhava devagar pela calçada. Havia carros, motocicletas e gente a pé. Vez ou outra, uma bicicleta.
Gostava de bicicletas. Elas pareciam motos incompletas. Assim como ele. Ele era um homem incompleto.
Viu afinal quem procurava. Um senhor na casa dos 50 anos. Estava sentado em um restaurante. Podia ver pelo vidro que comia com raiva. Não olhava para ninguém, apenas para sua comida. Engolia quase sem mastigar. Viu o homem terminar, chamar o garçom, pagar a conta e sair.
Andava duro. Rápido. Raivoso.
Pensou na hora que aquele era um homem que precisava de paz. Teria de fazer seu trabalho.
Caminhou atrás do homem. Não precisava andar na mesma velocidade. Bastava saber onde o homem iria, e ele sabia.
Paz. Que sentimento estranho.
As pessoas precisavam de paz, mas não buscavam por ela.
Buscavam riqueza, amores, paixões, vícios, prazeres, mas nunca paz. E era o que mais precisavam.
Por isso sua profissão era tão importante. Mesmo que não achassem. Mesmo que menosprezassem ou até temessem.
O homem virou em uma rua menos movimentada, quase um beco. Parou diante de uma porta, pegou uma chave no bolso e destrancou a porta. Parou. Notou o homem a menos de um metro atrás de si.
- O que você quer? – perguntou irritado.
- Seu Silva?
- Sim. – respondeu o homem impaciente.
- Descanse em paz.
Atirou apenas uma vez. Na testa. Era profissional. Sabia fazer seu trabalho como ninguém.
Dava paz aos outros.
E hoje havia dado paz a uma família que devia dinheiro ao Seu Silva. Agiota.
Saiu mais barato dar paz ao Seu Silva do que pagar a dívida.
Saiu andando calmo. Não temia polícia. Não temia ninguém.
Só temia o dia em que alguém viesse lhe dar paz também.