A Coisa de Fogo

Sentei-me na cadeira de balanço, na calçada em frente à minha moradia, abri o jornal que estava em minhas mãos, tomei um longo gole de café e comecei a ler todas as notícias da semana. Toda semana, eu fazia exatamente a mesma coisa. Sempre gostei de saber o que estava acontecendo no mundo. Ao virar a primeira página, li atentamente uma notícia, cujo título era: "MAIS UMA VÍTIMA NA CIDADE DE AVARÉ. SUICÍDIO OU ASSASSINATO?".

Haviam encontrado uma garota de 20 anos morta em seu próprio quarto. Tudo indicava que era suicídio, pelos seus pulsos cortados, porém não conseguiram explicar uma mancha que estava sobre seus olhos, como se tivessem sido queimados. Uma foto da garota estava abaixo do texto.

Faz cinco meses que em todo jornal semanal aparece uma notícia como essa. Alguém é encontrado morto, dando a entender que é suicídio, e os olhos sempre estão como se tivessem sido queimados. Essa cidade onde morei e moro até hoje está ficando famosa por ser a cidade dos suicídios.

Avaré já era uma cidade conhecida por muitos suicídios, porém, nos últimos cinco meses, os casos estão ficando tão recorrentes que chego a ficar pensativo demais. A garota da notícia que acabei de ler era minha vizinha. Não a via há alguns dias e agora a vejo no jornal. Era uma garota simpática e educada de uma família igualmente educada. Enquanto lia a notícia, sentia uma tristeza imensa.

Nunca fui muito próximo da garota ou de sua família, mas conversamos diversas vezes por horas, o que me fez ir ao seu sepultamento. Ao encontrar os pais, começamos uma conversa. Seus olhos escorriam lágrimas a cada palavra referente à menina. Eles me contaram que ela começou a agir de forma estranha poucos dias antes de sua morte. Falava coisas sem sentido, corria pela casa às 3 horas da madrugada com a própria sombra e fazia outras coisas que jamais havia feito antes. Me contaram que estavam procurando um psicólogo para ela, mas não houve tempo. A encontraram morta no quarto antes mesmo de entrar em contato com algum psicólogo.

Aquelas palavras me deixaram assustado, mas ao mesmo tempo, curioso. Será que nos outros casos, as pessoas também começaram a agir estranhamente dias antes da morte? Essa pergunta me deixou muito pensativo, e decidi investigar por conta própria.

Em casa, separei todos os jornais. Sempre havia o nome da vítima e de seus pais. Fui à biblioteca, onde se encontram alguns computadores, já que não possuo um. Pesquisei sobre cada vítima, mas não encontrava nada além das mesmas notícias dos jornais. Até que em uma delas, havia um comentário que me chamou a atenção. Um usuário com o nome de Arlene comentou: “Existe um demônio nesta cidade que faz as pessoas ficarem loucas. Eu disse à polícia, mas não me ouvem. É necessário chamar alguém que trabalhe com isso, ou as pessoas vão continuar morrendo, seus idiotas.”

Entrei no perfil de Arlene e enviei a seguinte mensagem a ela: “Pode me falar mais sobre o que você sabe sobre as mortes? Estou investigando.” Ela respondeu no mesmo minuto e disse para nos encontrarmos às 15 horas, então combinamos um local.

Encontrei-a no local e horário combinados.

— Acreditou nas minhas palavras? — perguntou Arlene.

— Não sei, mas toda informação é válida para quem acabou de começar a investigar — respondi.

— Eu não sei de muita coisa, mas minha irmã foi uma das vítimas e sei que algo agiu em sua mente — disse Arlene.

— Pode me contar o que sabe? — perguntei.

— Minha irmã e eu entramos à noite no horto florestal da cidade e resolvemos andar pela trilha. Era para ser uma espécie de aventura assustadora. Em certo momento, o clima mudou, um calor intenso tomou conta de tudo, e a lua foi tampada pelas nuvens. Disse à minha irmã para irmos embora, mas nesse exato momento, chamas começaram a se alastrar a uns 200 metros de nós. Minha irmã correu para perto querendo observar o porquê, e em um piscar de olhos, a mata estava em chamas. Corri para acompanhá-la, mas ela havia sumido na escuridão. Até que, em poucos segundos, as chamas sumiram e minha irmã voltou completamente pálida, com passos lentos e um rosto sem expressão. Perguntei o que havia acontecido, mas naquela noite, após o ocorrido, não saiu uma única palavra de sua boca.

Quando Arlene contava o ocorrido, seus olhos se enchiam de lágrimas. — Chegamos em casa — Continuou Arlene, após limpar as lágrimas com suas mãos — e tentei dormir, mas ela me deixou muito assustada, que mal conseguia piscar os olhos. No momento que ela se sentou em sua cama, começou a gargalhar e conversar com sua própria sombra. No dia seguinte, eu a vi furando seus pés com uma faca e no momento que chamei sua atenção para isso, jogou a faca em minha direção. Um dia depois, fui à casa dos nossos pais para contar o ocorrido e quando voltei, ela estava deitada no chão da cozinha, com uma faca fincada em seu pescoço e com os olhos manchados, como se tivessem sido queimados.

— Eu sinto muito — lamentei. — Acha que tem um demônio que mexeu com a mente dela, no horto florestal?

— Eu tenho certeza de que existe algo, não sei o que pode ser, de fato, mas tem algo sobrenatural nesse lugar. Ninguém fica louco do nada — disse Arlene, enquanto chorava.

Concordamos que o melhor a se fazer era entrar em contato com a família de todas as vítimas e descobrir se todas elas haviam ido ao horto florestal dias antes do ocorrido e se todas haviam mudado seus comportamentos.

Em nossas pesquisas, conseguimos o contato de todos que precisávamos. Fomos às suas casas e todos confirmaram a ida ao horto florestal e a loucura após o passeio. Isso me deixou com a mais absoluta certeza de que havia algo naquele lugar, algo demoníaco.

Arlene e eu conversamos com a polícia e, após ouvirem as gravações das conversas com todos afirmando as mesmas coisas, concordaram que as respostas poderiam ser encontradas naquele local e foi marcado o dia e a hora para vasculharem o local inteiro.

Uma semana se passou desde o dia da notícia da morte da minha vizinha. Eram 6 horas da manhã. Levantei-me da cama, fiz um café extremamente forte, abri a porta de minha casa, peguei o jornal semanal da caixa de correio, sentei-me na cadeira de balanço na calçada em frente à minha moradia, abri o jornal que estava em minhas mãos, tomei um longo gole de café e levei um susto com a notícia da primeira página. O susto foi tão grande que derrubei boa parte do café na minha calça e dei um grito ao sentir o café extremamente quente na minha perna.

A notícia intitulada “POLICIAIS ENLOUQUECEM E MATAM UNS AOS OUTROS.” mostrava uma foto embaçada de diversos policiais mortos no horto florestal. Era possível ver que morreram por tiros na cabeça. A notícia dizia: “Na madrugada do dia 30 de abril, 50 policiais foram até o horto florestal da cidade de Avaré para vasculharem o local inteiro e no dia seguinte foram encontrados mortos. Tudo indica que se desentenderam e enlouqueceram. Todos atiraram uns nos outros. Os tiros foram especificamente na cabeça, não sendo encontrado nenhum outro ferimento, indicando que não houve agressão física antes dos disparos. O delegado Alberto Silva afirmou que algo no horto florestal estaria causando o suicídio na população da cidade e agora o local será fechado. Ninguém entrará até que o caso seja resolvido.”

Abaixo dessa notícia, havia mais uma foto mostrando a parte central do local, onde os policiais estavam mortos ao redor. Era uma foto do chão, como se tivessem desenhado um símbolo na terra antes de se matarem. Havia um círculo com uma serpente com quatro olhos, cercada por chamas.

Aquilo me deixou com a mente em turbilhão de pensamentos, era muita informação para processar. A única coisa que eu sabia era que aquele símbolo era uma pista e eu precisava retomar minhas investigações. Imediatamente, liguei para Arlene e marcamos de nos encontrar na biblioteca da cidade para tentarmos achar algo.

Passamos horas procurando esse símbolo nos livros, mas não encontramos nada, então fomos ao museu em busca de pistas. Observamos minuciosamente cada detalhe, cada artefato, e finalmente encontramos uma rocha com o mesmo símbolo pintado em vermelho. Chamei o museólogo e perguntei sobre o símbolo.

— Esse símbolo? É o mesmo da foto no jornal. Não acredito! Nem lembrava que tínhamos essa rocha aqui. Realmente não sei o que é, mas chamarei meu supervisor, ele é arqueólogo — disse o museólogo antes de buscar seu supervisor.

O arqueólogo chegou ao local onde estávamos, explicamos a situação e ele disse: — Eu vi essa notícia no jornal e sei o que está acontecendo. Antes de qualquer coisa, jamais entrem naquele local, a menos que queiram morrer.”

O arqueólogo pegou a rocha da mesa, observou-a, colocou de volta a mesa e começou a explicar:

— Esse é o símbolo de uma lenda, que muitos consideram como um fantasma, outros consideram como uma entidade. Esse é o símbolo da Coisa de Fogo, mais conhecida como o Boitatá. Há muitas lendas diferentes desse ser. Muitos diziam que ele era um protetor das florestas e matava todos que fizessem mau a ela; outros contam que ele matava todos que cruzassem seu caminho. É dito que o fato de ele ter 4 olhos é porque ele ingeriu a pupila de muitos animais. Todas podem estar certas e pode ser existem vários deles. A questão é que esse símbolo específico, é de uma lenda um pouco diferente e muito mais antiga. Possivelmente esse é o primeiro Coisa de Fogo. A datação da pintura dessa rocha foi realizada e é de 4.000 A.C.

O arqueólogo puxou uma cadeira, se sentou e continuou a falar:

— A lenda diz que almas eram geradas no espaço, porém, como não existia um lugar habitável para ter um corpo, ficavam milhares de anos vagando no espaço, à espera de um campo habitável para se fixarem. A Coisa de Fogo seria uma dessas almas, que depois de milhares de anos, achou a terra, a 8 mil anos atras, e observou que podia ser habitável. Ao chegar, um corpo de uma serpente adulta foi concedido a ela, mas os humanos a caçaram, se alimentaram apenas dos olhos dela e queimaram o resto de seu corpo. Não se sabe se o motivo era algum tipo de ritual ou coisa assim. Sua alma estava fixada no planeta e jamais iria para outro lugar, e então outro corpo foi concedido a ela, o corpo de um jacaré, e o mesmo aconteceu depois de poucas semanas. Jaguatirica e onça pintada foram outros dois corpos de animais que essa alma residiu, e obteve o mesmo destino. Após a morte violenta do seu corpo de onça pintada, a alma implorou ao céu, para viver sem um corpo e o céu a concedeu, mas o único jeito era de alimentar da alma e da loucura humana, para assim, o próprio céu fazer com que a alma de uma lição na humanidade.

O arqueólogo se levantou, foi até a uma mesa que tinha no canto da sala, pegou um copo, uma garrafa de café e despejou, cerca de 300 ml do líquido, em seu copo. Bebeu um gole e voltou a se sentar e concluiu:

— Há 7 mil anos atras, a alma voltou para o nosso mundo, exatamente no mesmo lugar de sua primeira morte e por cem anos ela se alimentou de alma e loucura humana e voltou para o mundo das almas, mas cada mil anos, ela volta para alimentar-se por 100 anos. A Coisa de Fogo, sempre aparece em formato de uma serpente gigante com chamas ao redor de seu corpo, por conta de sua primeira morte. Ao aparecer, ela consegue interferir na mente das pessoas, mesmo estando a quilômetros de distância, para que elas sintam o desejo de ir, à noite, até o lugar onde ela está. Ao chegarem, olham nos seus olhos, visualizam o inferno e enlouqueçam. A Coisa de Fogo apenas aparece à noite, pois se alimenta apenas nesse período do dia, e isso só acontece porque a sua primeira morte foi em uma noite. Todos os estudos indicam que o local onde a lenda diz que ela se fixa para se alimentar a cada mil anos é o lugar que hoje é o horto florestal desta cidade.

— Aquele era o pior lugar para terem deixado um horto florestal. Em toda a cidade, aquele era o pior lugar — eu disse, com um olhar de espanto.

— Uma lenda. Ninguém leva a sério esse tipo de coisa, ainda mais quando a entidade da lenda vem à terra de mil em mil anos — disse o arqueólogo. — Pelo que estamos presenciando na cidade, a lenda é real, a entidade voltou, e ela só vai embora daqui a cem anos.

— Sobre essa lenda, por que 4 olhos? — perguntei.

— Ela possui 4 olhos gigantescos para que seja praticamente impossível para a pessoa, diante dela, não olharem em direção a um dos seus olhos — respondeu o arqueólogo. — Deixe-me esclarecer uma coisa: apenas os cegos podem sobreviver diante da entidade.

— E não existe nenhum jeito de matar aquela coisa? — perguntou Arlene.

— Muitos que repassaram essa lenda diziam que era impossível, afinal, ela não tem um corpo, mas alguns afirmavam que se você furar seus olhos com o mesmo tipo de arma com que ela morreu pela primeira vez, uma lança, você irá cegá-la de verdade, os 4 olhos, e com isso, ela poderá continuar atraindo pessoas mentalmente para ela, mas não poderá olhar, ou seja, não poderá fazer com que as pessoas enlouqueçam e não se alimentará de nenhuma alma — respondeu o arqueólogo.

— Ok, arrumaremos uma lança e mataremos aquela criatura demoníaca em nome da minha irmã — disse Arlene.

— Você é louca? Eu não devia ter dito isso a você. Entenda, não sabemos se isso realmente funciona e mesmo que funcione, é praticamente impossível não olhar nos olhos gigantescos daquela criatura. Antes de pensar em acertar com a lança, você enlouquecerá — disse o arqueólogo.

— Não me importo. Obrigada, senhor arqueólogo — disse Arlene. — Vamos embora, temos algo a fazer.

Saímos do museu e imediatamente compramos quatro lanças pela internet. Elas chegariam em dois dias. Ao chegar em minha casa, comecei a pensar muito sobre o assunto. No momento em que Arlene falou para eu ir com ela cegar aquela coisa, concordei sem hesitar, mas aquilo era suicídio. Jamais conseguiríamos fazer tal proeza. Por que eu faria isso? Aquela coisa não matou ninguém por quem eu sentisse tanto afeto a ponto de fazer uma loucura dessa.

Esses dois dias de espera pareciam uma eternidade. Uma mistura de medo e coragem embaralhava a minha mente. Como conseguir dormir quando você está prestes a enfrentar uma entidade que se alimenta de almas há 8 mil anos? Impossível!

Os dois dias haviam se passado, as lanças chegaram até minha casa e liguei para Arlene para dizer que estava tudo pronto. Não exatamente o porquê, mas agora que chegou o dia, uma coragem avassaladora tomou conta de mim. Lembro-me de o arqueólogo ter comentado sobre a criatura mexer com a nossa cabeça, de tal jeito que por algum motivo tendemos a ir aonde ela se encontra. Talvez seja isso, talvez essa coragem seja obra da entidade maligna.

A noite chegou e eu estava pronto. Vestido com roupas leves para me ajudar a correr mais rápido, peguei as lanças. Ao abrir a porta para colocar os pés para fora de casa, uma sensação desesperadora correu pelo meu corpo e isso me fez pensar em voltar, mas logo depois a sensação de coragem reapareceu. Era como se a coragem e o medo estivessem brigando e talvez por obra da criatura, a coragem estivesse vencendo.

Encontrei Arlene no local combinado. Dei duas lanças para ela e fiquei com as outras duas. Ela estava com um olhar sedento de vingança. Sua mente parecia estar absolutamente certa de que venceria a batalha. A criatura de fogo também havia entrado em sua cabeça.

O horto florestal estava fechado, como era sabido. Alguns guardas se encontravam nas entradas para não deixar ninguém entrar, porém, o lugar era muito extenso e existiam muitos outros locais ao redor pelos quais poderíamos entrar. Imagino que eles não fizeram uma segurança tão rígida porque a cidade inteira já estava ciente do ocorrido e ninguém teria interesse em entrar. Pelo menos era o que eles pensavam.

Entramos sem problema algum. Andamos pela trilha em busca do demônio e nada encontramos. É evidente que ele vai aparecer no momento em que sentir vontade e depois de mais de 1 hora andando, a vontade dele acendeu.

Uma cauda gigantesca, em chamas, passou a alguns metros de distância de nós. Já sabíamos que aquilo era o chamado, éramos o banquete que ele queria e sabíamos disso. Nossa coragem fez com que seguíssemos aquela cauda e em pouco tempo, a cauda parou de rastejar e me preparei em posição de ataque com uma lança. Fechei os olhos quase por completo. Precisava enxergar o suficiente para saber onde estavam os olhos, mas em momento algum poderia olhar diretamente para algum deles. Arlene fez o mesmo que eu.

Pouco a pouco, segui o corpo espiritual da serpente com os olhos e consegui ver um pedaço de um contorno que parecia um olho. Aquela era minha chance. Usei toda a força que tinha para arremessar a lança e nesse momento, um som tomou conta do ambiente. Era como um grito, o mais alto que já ouvira em toda a minha vida. Meu ouvido doeu de tal maneira que parecia que ia explodir. Olhei para o lado e pude ver Arlene com os olhos fixados em algo à sua frente. Certamente os olhos estavam diante dos olhos da Coisa de Fogo.

Ao observar Arlene, o medo tomou conta de mim e meu único pensamento foi fugir daquele lugar e parar de tentar ser o herói da cidade. Eu ia acabar morrendo. Corri com toda velocidade, coloquei Arlene em meus ombros e fui embora. A adrenalina fervia em meu corpo a tal ponto que consegui correr uma grande distância até a saída do local, sem parar uma única vez.

Ao saímos do horto florestal, me acalmei, olhei para Arlene e ela estava pálida, sem expressão. Olhava de um lado para o outro, parecia estar procurando algo.

— Olá, quer ser minha amiga? — disse Arlene olhando para o lado, como se houvesse alguém ali, mas nada existia. — Venha comigo, vamos para minha casa. Podemos brincar a noite toda.

O que fazer? Aquilo estava me deixando com medo e pior, eu sabia qual seria o fim dela. Eu precisava ajudá-la. Talvez exista uma chance para ela se recuperar. Todas ficaram loucas e morreram tão rapidamente que não houve tempo para a família levá-las a algum lugar para tratamento, mas eu sei o que está acontecendo e talvez eu possa ajudá-la.

Levei-a para casa, tranquei-a em um quarto onde não havia nada com o qual pudesse se ferir. Não havia lâminas, cordas ou algo do tipo. Passei a noite em claro ouvindo-a conversar com algo invisível.

O dia amanheceu e consegui marcar uma consulta para ela no mesmo dia. Levei-a, expliquei a situação para o psiquiatra e fiquei esperando do lado de fora da sala. Era evidente que remédios seriam receitados e talvez isso pudesse impedi-la de fazer o que estava destinada a fazer.

Ao sair da sala, o médico me chamou e disse que ela estava bem, estava normal. Ele não via motivo para receitar qualquer tipo de remédio para ela. Aquela loucura da qual eu tinha falado parecia não existir. Aquilo era muito estranho. Talvez aquela entidade controlasse a mente dela e fizesse com que ela agisse normalmente nessa situação.

Levei-a à casa de seus pais, expliquei a situação e pedi para que a observassem a todo momento. Então fui para minha casa.

Tentava dormir, mas não conseguia, meus olhos não se fechavam. Maldita insônia. Fui até a cozinha beber água, olhei para o lado e vi minha mãe. O problema é que minha mãe faleceu há 5 anos. Pisquei os olhos e ela ainda estava lá. Mesmo sabendo que não era real, parecia muito real. O cheiro daquela possível ilusão era o mesmo da minha mãe, seu toque, seu abraço, sua voz. Por mais que soubesse que não era real, não resisti e caí em lágrimas.

Passamos horas conversando e o que eu tinha certeza de que não era real se transformou em uma certeza de que era real.

Dias se passaram e minha mãe estava comigo, não sabia como, mas ela estava viva e eu também. As vítimas da entidade se suicidavam rapidamente e eu estava há dias sem nenhuma tentativa, o que me levou a acreditar que eu não era uma de suas vítimas.

Certo dia, levantei-me da cama e meu corpo estremeceu. No canto do meu quarto, minha mãe estava morta, coberta de sangue. Havia vários e vários furos em toda sua cabeça. Fiquei paralisado, chorei e cheguei a pensar que realmente estava louco e que eu a matei. Liguei para a polícia imediatamente. Eles chegaram rapidamente, os recebi e os levei até o quarto. Não havia corpo algum e não havia sinal de uma única gota de sangue.

Contei tudo o que aconteceu. Era esperado que eles pensassem que eu fui mais uma vítima dos olhos da Coisa de Fogo, mas o mais estranho foi que eles disseram que nada disso existia, que há muitos anos não havia um único suicídio na cidade e que o horto florestal nunca foi fechado.

Será que sou tão louco a ponto de minha mente ter criado toda essa história para tentar dar uma origem à minha loucura? Ou será que aquela serpente me deixou tão louco que nenhum policial veio até minha casa e na verdade minha mãe está realmente morta no quarto?

Decidi que no dia seguinte, iria procurar ajuda psicológica. Depois de toda essa confusão em minha mente, olhei no relógio e já era noite. Precisava dormir para descansar um pouco a mente, mas como conseguir dormir com essas perguntas pairando sobre mim? Tomei alguns remédios e, depois de horas, consegui entrar em sono profundo.

Acordei convicto de que resolveria minha situação. O dia seria longo, mas já fazia uma semana desde o dia em que os policiais mataram uns aos outros, ou seja, era o dia do jornal semanal.

Levantei-me da cama, fiz um café extremamente forte, abri a porta de casa, peguei o jornal semanal na caixa de correio, sentei-me na cadeira de balanço em frente à minha casa, tomei um longo gole de café e neste momento descobriria se não existia nenhuma Coisa de Fogo e eu estava louco por imaginar isso ou se realmente existia e outra vítima estaria na página do jornal. Abri o jornal e na primeira página havia uma foto minha com a notícia intitulada “HOMEM É ENCONTRADO MORTO APÓS UMA OVERDOSE DE REMÉDIOS”.

LS ALEXANDRE
Enviado por LS ALEXANDRE em 11/04/2024
Reeditado em 11/04/2024
Código do texto: T8039586
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