É Só Um Relato
No tranquilo cenário rural de Apiúna-SC, residia meu bisavô, cuja presença emanava um mistério que, até hoje, deixa minha mente inquieta. O isolamento de sua casa, situada em um sítio distante de qualquer centro urbano, era apenas um dos elementos que alimentavam as histórias e especulações que circulavam entre os moradores locais.
A propriedade de meu bisavô abrigava não apenas a família, mas também servia de ponto de apoio para os aventureiros que buscavam explorar o "Morro do Bicudo", o pico mais alto de Santa Catarina. Era como uma pousada rústica, onde os viajantes eram acolhidos antes de se aventurarem nas trilhas que cortavam a região. No entanto, o acesso à casa e às trilhas era estritamente controlado por meu bisavô, que permitia a entrada apenas em datas específicas, sem ceder a pedidos ou alternativas.
Mas o que mais despertava minha curiosidade eram os hábitos noturnos de meu bisavô. Mesmo em sua avançada idade, ele mantinha uma vigorosa rotina de "caça", ausentando-se durante as noites escuras e silenciosas. Sua partida para os matagais ao redor da casa despertava especulações entre os membros da família, mas ninguém ousava acompanhá-lo ou questioná-lo sobre suas atividades noturnas.
Lembro-me vividamente de uma noite em particular, quando eu, ainda jovem, e um tio meu compartilhávamos o mesmo quarto na casa de meu bisavô. A atmosfera sombria e os sons misteriosos que ecoavam pelo lado de fora da casa eram o suficiente para arrepiar nossos cabelos. Meu bisavô, com seu ritual meticuloso de trancar todas as portas e janelas, passando um pedaço de pau para reforçar a segurança, não fazia nada para dissipar nossa inquietação. O uivo distante que alcançava nossos ouvidos, seguido por uma respiração pesada e grunhidos, ecoava como uma cena retirada de um filme de terror.
Porém, o ápice da estranheza veio quando, ao amanhecer, meu bisavô retornou, coberto de lama e silencioso. Minha bisavó, em uma conversa cautelosa e distante, pareceu trocar palavras carregadas de significado com ele, enquanto eu e meu tio observávamos, incapazes de decifrar o que havia ocorrido naquela noite tenebrosa.
Com o passar do tempo, os rumores e as histórias sobre meu bisavô apenas aumentaram. Seu AVC e subsequente perda de memória só acrescentaram mistério à sua figura já enigmática. A família foi restrita a visitas limitadas, enquanto minha bisavó e o filho mais velho se tornaram os únicos guardiões do segredo que envolvia meu bisavô até o momento de sua partida final.
As sombras que pairavam sobre a casa de meu bisavô, seus hábitos noturnos e os eventos inexplicáveis que presenciei naquela noite ainda assombram minha mente. A verdade sobre meu bisavô, seja ela qual for, permanece oculta nas profundezas da memória e nas histórias sussurradas pelos moradores locais. E assim, o mistério do homem que poderia ser um lobisomem continua a ecoar nas colinas de Apiúna-SC.