Amor Verdadeiro
Hoje. 2007.
O menino pára com sua bicicleta em frente a casa em ruínas.
No segundo pavimento uma bela moça de cabelos louros da cor do feno maduro aparece na janela.
- Boa noite querido!
O menino que não deve ter mais do que oito anos a observa desconfiado.
- Minha mãe disse pra mim não falar com estranhos!
A moça solta uma risada franca, agradável como um dia de verão.
- Meu nome é Galatéia. Viu? Agora não sou mais uma estranha!!
O pequenino parece confuso por alguns instantes e logo abre um sorriso em que faltam dois dentes de leite.
- E você meu lindo? Como se chama?
- Jeremy...
O menino olha em volta. A casa parece ter pegado fogo em alguma época distante e a hera sobe desordenadamente por entre os destroços.
Ele sente algo estranho. Indefinido para uma criança que mal conhece o medo.
- Pur que você tá nessa casa velha??
A moça volta a sorrir.
- É uma longa história... Pode fazer um favor para mim? Limpe a entrada!
O menino olha um círculo de terra mais clara que parece seguir o contorno da casa.
- Pur que você não limpa?
O sorriso fica duro. O menino percebe algo errado.
- Olha... Eu não posso descer agora, mas se você limpar te pago um sunday. Que tal?
Os olhinhos do menino brilham.
Ele vai até a porta da frente e com o pé começa a revolver a terra fresca.
Ontem. 1978.
Vinte e nove anos atrás.
- Galatéia minha filha!
A moça acordou de seus devaneios.
- Que é mãe? – gritou bufando.
A dona de casa grega mexia em um gigantesco bowl mais um saboroso bolo, como fazia todo sábado.
- Seu amigo Timothy está aí fora!!
- Tá bom, tá bom! – rapidamente a garota desceu.
Tinha dezessete anos e cabelos cacheados da cor do feno maduro.
- Não deixe que ele passe a mão em você!!
Recebeu um beijo melado da mãe, e o conselho a deixou rubra de vergonha!
Timothy também não estava em melhor situação, pois escutara o comentário.
- Ãnnn... Oi Gal...
Ela o olhou de relance.
- Oi Tim. – respondeu revirando os olhos, enfadada.
Andaram um longo tempo à beira do lago Erie, sem terem absolutamente nada a dizer.
A natureza os estonteava.
Moravam no estado da Pensilvânia, no condado de Erie, na cidade de Avônia.
Estavam na margem sul do lago, a margem leste fica no Canadá.
Às vezes quando o tempo estava bom, o pai de Timothy os levava para Presque Isle State Park e eles passavam a tarde comendo sanduíches de pasta de amendoim.
Ela gostava de Tim (secretamente, claro!) até meados do verão passado quando viu o homem.
Estava em um casarão abandonado da época da fundação do condado em 1800 e pouco.
Sempre vestido com roupas da época, um casaco negro e os cabelos que chegavam aos ombros caíam em cascatas.
Olhava-a a distância fazendo sinal para que se aproximasse.
Comentou com a mãe sobre o casarão, mas a senhora grega fizera mil exortações e gritara palavras em sua língua pátria até que a menina desistisse de ir lá.
Dizia que o lugar era amaldiçoado e coisa e tal.
O pai de Timothy também não os animou muito, disse que várias pessoas já haviam sumido naquele bosque e eles desconfiavam que existisse algum urso marrom lá!
Certa noite Galatéia confidenciou com seu amigo Tim a vontade de conhecer o homem que morava no casarão.
- Gal, você tá louca! Meu pai disse que o Mal mora lá!
- Seu pai fica assistindo muito Além da Imaginação!!
Naquela noite os dois brigaram feio, e a garota não queria nunca mais ver o amigo.
Semanas depois em uma tarde de mormaço no verão de 1978, Galatéia viu seu amor distante acenando para ela.
Resolveu impetuosamente que iria se entregar a ele.
O céu de verão estava carregado de nuvens negras prometendo uma tempestade memorável.
- Mamãe querida?? – chamou a jovem.
A senhora acendia o fogão para preparar o jantar quando olhou para sua filha com uma expressão curiosa no rosto.
- O que você aprontou?
Galatéia se espantou com a percepção da mãe.
- EU? Eu não fiz nada!!
A boa senhora limpou as mãos no avental e sentou.
- Então vai aprontar ainda.
A garota se enfezou pondo as mãos na cintura.
- MÃE! Eu só quero ãn... Visitar o Tim!
A dona de casa grega a olhou de um modo superior que só as mães têm.
- Tem certeza? Se aprontar vai ficar uma semana sem assistir aos Três Patetas!
Galatéia suspirou.
- Ai mãe. Eu e o Tim brigamos há tanto tempo. Tenho saudades dele...
A corpulenta senhora voltou a se levantar.
- Tudo bem. Volte antes das oito!
Alegremente Galatéia colocou seu vestido mais deslumbrante, desceu como um raio enquanto o anoitecer chegava.
Mal chegou a porta ouviu o aviso da mãe:
- Não deixe ele te beijar, hein?
- MÃE!
A garota correu por alguns minutos, pois o casarão ficava quase a três quilômetros de distância. Queria chegar antes da chuva.
Por uma estranha coincidência, Timothy resolveu escolher aquela tarde para ir até a casa da pequena grega para se desculpar.
Bateu na porta de madeira e ouviu as passadas da mãe de Galatéia.
Seu coração jovem batia forte.
- Sim? Ah meu jovem Timothy! Chegou atrasado, pois minha menina já foi até a sua casa!
O sorriso do jovem desengonçado ficou radiante.
- Ãn... Tá até logo! Vejo a senhora outro dia!
Mal principiara a corrida a mãe de sua amada o chamou:
- Timothy?
- Sim senhora? – Perguntou ele diminuindo a marcha.
- Não agarre minha filha hein? Tenha respeito!
O jovem balbuciou algo e quase caiu no chão, mas recompôs-se e percorreu rapidamente os dois quarteirões até a sua residência.
A decepção foi enorme.
Galatéia não estava lá.
Encostou-se ao parapeito da janela e um raio desabou do céu iluminando o antigo casarão.
- Meu Deus. – sussurrou baixinho.
A jovem estava em frente ao casarão.
O raio desabou perto pondo fogo em uma árvore centenária.
Galatéia estranhamente não tinha medo. Estava excitada em conhecer seu verdadeiro amor.
O homem por quem esperara a vida toda.
Ele estava à janela.
- Olá, menina.
Ela balbuciou algo. Não se lembrava o que.
- Faça-me um favor. Limpe a entrada da casa, sim??
- Tudo o que quiser mestre! – ela respondeu com palavras que não diria normalmente.
Andou até a entrada do casarão antigo da época da Guerra da Secessão.
Em volta do palacete, um risco de pó marrom, aparentemente terra fresca.
Ouviu um grito distante.
- Tim? – perguntou-se como num sonho.
- Atenção menina. Limpe a entrada. Retire o tijolo do cemitério consagrado. Liberte-me desse cativeiro de um século!!
Galatéia começou a revolver a terra com os pés.
A chuva caiu grossa. Pesada.
Logo uma brecha surgiu entre a entrada e a garota.
- Galatéia!
A voz gritou. Mas parecia longe, extremamente longe.
Um guincho infernal partiu de dentro da casa.
- LIIVVVRRREEEEEEEE!!!
- Galatéia!
Uma mão forte agarrou a moça pelo braço!
Era o pai de Timothy.
- Senhor... Senhor Jefferson?? O que está fazendo aqui?
Ela estava confusa.
O homem não disse nada a atirou ao encontro do filho.
Um suspiro que não era humano avançou em direção a eles.
De sob a capa o pai de Tim, descobriu algo semelhante a uma besta. Com uma estaca armada!
Um vento infernal saiu da casa e varreu a entrada do casarão.
O Senhor Jefferson atira. A besta grita em desespero ancestral.
O vento cessa revelando a figura de um homem de cabelos negros como a noite e olhos doces.
Ele levanta a mão para Galatéia.
- Meu amor...
A jovem empurra Timothy com uma violência insuspeita e abraça o homem.
Ele arranca a estaca com a mão e seus olhos ficam vermelhos.
- Caçador!! Roubei o triunfo de tuas mãos! Hahahaha.
O vampiro recua para dentro do palacete colonial.
Timothy tenta entrar, porém é contido pelo pai.
- Sua amiga já está morta...
O rapaz cai no chão. Suas lágrimas se misturam com a chuva amargas em sua boca.
O caçador de criaturas pega um saco cheio de pó de tijolo consagrado de antigas igrejas e preenche a lacuna no solo.
Ele venceu o vampiro, mas perdeu a batalha.
Quando os dois voltam horas depois, o casarão está em chamas, incendiado pela árvore centenária que caiu sobre seus destroços.
Sobram apenas dois cômodos. Uma prisão cada vez menor para os vampiros ali dentro.
Uma moça loira e um homem de longos cabelos negros.
Algum tempo depois a família grega se muda, inconformada com o sumiço da filha, Galatéia.
Hoje. 2007.
Dentro da casa que ele vê pela porta aberta a escuridão é total.
O menino ouve um longo suspiro de algo definitivamente não humano.
Olhos vermelhos brilham na escuridão, aproximando-se rapidamente.
Assustado, o garotinho monta na bicicleta e foge olhando para trás.
Da janela algo se vira para dentro, algo que não é Galatéia, mas é.
- Maldição!! Você o espantou!! – berra a criatura deformada.
Um homem, mais e menos que humano ao mesmo tempo parece nem escutar, preso em suas divagações.
- Tão perto... Pude até sentir o cheiro de seu sangue...
Lambeu os dedos tentando lembrar-se do gosto do sagrado líquido rubro humano.
Fim.