MAIS UM DIA COMUM DE CHUVA
Hoje não é um belo dia. Chove feito o derrame de lágrimas advindas do céu fechado e cinza. Odeio dias cinzas. Sento à janela olhando cada gota que escorre pela janela de vidro, são muitas e se encontram no chão dando seguimento ao ciclo natural da água. Queria estar tomando este café preto com uma companhia diferente dessas gotas d'água.
Ao final da tarde me vi com a campainha tocando. Era uma amiga de muitos anos. Sorri ao vê-la. Pedi que entrasse e com certeza lhe iria oferecer um café bem quente, pois o guarda-chuva ainda deixa escorrer água no casaco dela. Seus sapatos finos estão encharcados.
Entrou. Não estou mais só.
Fui depressa ao meu quarto e peguei no guarda roupas uma toalha felpuda e que absorvesse bem a água da chuva. Fiquei feliz com a visita. Coloquei na mesa da cozinha (uma cozinha bem pequena) uma garrafa de café e pudemos agora, depois de minha euforia sentarmos.
Como vai sua vida?! Perguntei. - Eu estou trabalhando em traduções de livros de uma editora.
Que bom. Ontem foi um dia comum. Não trabalhei, não estudei… Enfim, só existi. Riu.
Como assim… Existir? Será que ela errou o jeito de se expressar?
O que ouviu, minha amiga. Ontem foi um dia comum. Cuidar do corpo é algo essencial a saúde, aprendi isso da pior forma possível. Cada pedaço de pão seco me embrulhava o estômago. Meus cabelos caíram e mesmo assim, me sentia linda. Como nunca fui. A indústria da beleza padronizada exige demais, e eu fui mais uma dentro do cerco. É incrível como nós deixamos isso tomar conta de nossas cabeças.
Ela sorriu, e levantou da mesa. Seu café está do mesmo jeito, sem ser tocado. Ela nem o olhou.
Então a fitei. Fiquei com medo daquilo que vejo fazer ao dar-me as costas. Uma mulher caindo os cabelos e tornando-se extremamente esquelética, ela volta seu olhar à mim após pegar seu guarda chuvas e sapatos; suas pernas parecem esqueleto, que deambula com muita dificuldade. Suas roupas frouxas - um vestidinho estampado - torna-se cada vez mais folgado.
Aos poucos meus olhos a vêem inacreditável. Ela apenas veio sorrir para mim. E o fez da maneira mais horrenda do mundo. Uma caveira ambulante sem gordura alguma.
Depois de cinco minutos de entorpecimento pelo medo, voltei para mim. Lembre-me que tinha ido ao seu enterro ontem, num mesmo dia de chuva. Entreguei ao céu minha amiga aos ossos em vida.