Nos Portões do Inferno (15): Capítulo 9: Sangue Puro
Capítulo 9
Sangue Puro
I
— Como assim, Leo? — indagou Leonora que, como todos na sala, estavam incrédulos.
— Não foi você mesma que disse que a Glauer deixou instruções de como barrar a abertura, Tia?
— Sim, mas...
— Então? Vamos deixar Belzebu entrar, os portões serem abertos e aí pegamos eles!
— Calma, espera, não vamos nos precipitar — apaziguou Daniel. — Nem sabemos se o ritual dela funciona.
— Ué! Funcionou pra abrir. A velha era sabida! Com certeza deve funcionar — disse Leonardo.
— Se der errado, a gente já era — disse Eilson.
— É, mas só que se a gente não tentar, uma hora eles vão conseguir entrar aqui e daí sim a gente já era de qualquer forma — falou Leonardo.
— Então é morrer aqui ou morrer tentando? — indagou Creedence.
— Não — disse Leonardo. — É morrer aqui ou sair vivo usando a estratégia da velha Glauer. Olha, vocês podem tirar um tempo para pensar em outra coisa, mas eu sugiro que sejam rápidos. Belzebu vai voltar logo.
Tiago estremeceu ante à menção da volta do demônio.
— Vamos tentar — disse Daniel —, o que temos a perder?
— A vida! — exclamou Cristiano com a voz trêmula.
— Vocês o ouviram — disse Tiago —, se ficarmos aqui morreremos de qualquer jeito e com o tal ritual...
— Podemos perder a vida mais cedo! — objetou Cristiano.
— Olha — disse Creedence —, por que a gente não vota? O que acham? Eu voto para fazermos o tal ritual da Glauer e me disponho a ajudar.
— Tá legal — disse Leonardo. — Bora decidir isso. Quem é a favor levanta a mão.
Ele e Creedence levantaram de imediato, logo em seguida, Tiago se juntou a eles. Timidamente, Eilson levantou a mão e todos se encararam.
— Tá decidido — declarou Daniel levantando a mão e somando a maioria.
— Qual a chance de isso tudo dar errado? — indagou Melissa.
— Muitas — disse Leonora. — Não temos certeza de nada. É um ritual que nunca foi testado.
— Mas a bruxa conseguiu convencer os demônios, não é? — disse Daniel.
— Então, ela sabia o que estava fazendo — arrematou Leonardo.
— Aparentemente sim — segredou Eilson.
Creedence abraçou sua família.
— Tá decidido — decretou Leonardo. — Todos estão cientes que pode dar merda, mas a gente já tá na merda mesmo, não é? Vamos lá, o que a gente precisa para o ritual?
Leonora suspirou e disse:
— Muito sangue. Sangue de inocentes!
II
— Que história é essa? — questionou Creedence.
— Eu falei que devíamos ter calma, não foi? — disse Leonora encarando Leonardo.
— Explica isso aí, Tia — pediu Leonardo.
Leonora caminhou até a mesa da cozinha e apanhou o grimório que continha o ritual de Glauer.
— O ritual em si é bem simples — informou Leonora. — Ela criou um sigilo de aprisionamento e banimento para cada um dos lordes do Inferno. Cada um desses sigilos é desenhado em volta das casas em cada uma das fazendas. Em seguida, ligamos eles em um sigilo maior que deve ser ativado com um encantamento e um pouco de sangue de quem profere o ritual. Feito isso, os lordes serão, de acordo com ela, sugados de volta ao Inferno e os portões serão selados novamente.
— E onde entra o muito sangue inocente? — indagou Leonardo.
— Os sigilos devem ser desenhados com sangue puro —disse Leonora. — Tem ideia de quantos litros vai precisar para desenhar um sigilo ao redor de cada casa?
— Sangue puro é a mesma coisa que sangue inocente? — indagou Tiago.
— Sim — respondeu Leonora.
— E precisa ser humano? — tornou Tiago.
Leonora consultou o grimório.
— Não é especificado.
— Bom — disse Tiago —, tem um abatedouro aqui perto e... Sei lá, sempre ouvi dizer que todo animal é puro e inocente.
— Boa — exclamou Leonardo. — O que acham?
Leonora fechou o grimório e disse:
— Acho que pode funcionar.
III
Todos olhavam apreensivos para o lado de fora da casa. Já se passara quase uma hora desde que Leonardo, Tiago e Daniel haviam partido em busca do sangue no abatedouro. A luminosidade do dia já se esvaia fazendo a apreensão aumentar. Creedence estava sentado com sua espingarda perto da porta. Desenhara à caneta, nos cartuchos, os símbolos que os Cartago fizeram nas paredes. Eilson explicara que aquilo poderia não funcionar, pois qualquer rasura faria o sigilo se desfazer e perder seu efeito.
Cristiano roía as unhas contemplando a mata. Estava aterrorizado. Qualquer lufada de vento que agitava as folhas lhe dava a impressão de que era alguma criatura demoníaca.
Melissa fizera café para todos, parecia que aquilo a acalmava. Estava sentada no sofá perto de Leonora que folheava os grimórios de Glauer em busca de mais informações. Melissa espichou os olhos para suas anotações.
— Já vi esse livro de São Cipriano. Só tinha umas simpatias bizarras — ela segredou.
— O que você viu não era o verdadeiro — disse Leonora sorrindo para ela. — Na verdade, muitos acreditavam que o verdadeiro livro de São Cipriano fosse uma lenda.
— Então, o que foi que eu li? — indagou a garota.
— Um compilado de simpatias populares — informou Leonora —, mas o verdadeiro autor não foi o bruxo São Cipriano, só devem ter usado o nome para chamar a atenção.
— Mas o que tem no livro real, então? — inquiriu Melissa.
— Não sabemos ao certo — confessou Leonora. — Sabemos que é o grimório de um bruxo. Reza a lenda que Cipriano contraiu pactos com demônios antes de se converter. A julgar pelo que temos aqui, é provável que o livro contenha a receita para a abertura dos portões do Inferno, por isso interessava aos demônios...
— Eles voltaram — disse Cristiano à janela.
O Mustang estacionara à entrada da casa dos Machado. Leonardo conseguira acondicionar seis galões de vinte e cinco litros de sangue bovino no carro.
— Vamos começar antes que a noite caia de vez — disse ele aos ocupantes da casa que agora se reuniam na varanda.
IV
Observaram bem o céu antes de começar, pois a chuva poderia desfazer os símbolos. No entanto, a noite estava limpa e no céu era visível apenas a constelação única.
Os Cartago iniciaram os trabalhos com Creedence e Tiago enquanto o restante ficou na casa ainda protegida pelos sigilos. O processo foi demorado e levou mais de três horas para ser feito. Foram até o final do complexo fazendário e iniciaram por lá. Leonardo e Daniel se encarregaram de fazer o serviço nas duas primeiras fazendas. Leonora auxiliou no desenho dos símbolos mais complexos usando uma vara para demarcar o desenho antes no chão para não haver desperdício de sangue. Nas outras fazendas, eles foram se revezando na empreitada, mas Leonardo sempre tomava a frente de modo determinado.
A noite já se adensava quando finalizaram o trabalho na casa de Heidi Glauer. Deixaram a casa de Creedence por último. Leonardo e Creedence se encarregaram de fazer o sigilo. Deixaram um espaço aberto no desenho que deveria ser fechado após a materialização de Belzebu.
Em frente à quarta fazenda desenharam o sigilo que as interligava e selava novamente os portões. Este não precisava ser grande, mas de tamanho suficiente para caber a mão espalmada de quem proferisse o ritual; do símbolo, linhas de sangue saíam conectando os sigilos maiores.
— Eu vou proferir o ritual — disse Leonardo.
Leonora tentou objetar, mas ele foi resoluto.
— Não tente me impedir, Tia!
V
Minutos mais tarde, quase todos estavam espremidos dentro do Mustang estacionado em frente à quarta fazenda. Sigilos de proteção foram traçados dentro e fora do veículo. Daniel estava escondido perto da casa de Creedence, seria o responsável por fechar o sigilo após a quebra do selo. Leonardo estava pronto para fazer o ritual e esperava impaciente.
Uma mosca pousou no para-brisa. Leonardo a observou. Ela parecia encará-lo. De repente, um enxame surgiu da mata logo atrás do local onde o carro estava estacionado. Parecia seguir na direção da casa dos Machado.
Daniel viu quando as moscas se uniram dando forma à Belzebu na varanda de Creedence. Tanto ele quanto os ocupantes do Mustang viram o momento em que uma bola de luz surgiu no meio da mata com um estrondo, semelhante à uma trovoada. Elevou-se e, com uma velocidade surpreendente rumou para a segunda fazenda, atravessou as paredes e toda a casa dos Machado se iluminou. O chão tremeu.
Leonardo saiu do carro.
Daniel se preparou para fechar o sigilo.
O sétimo selo estava quebrado!
Continua...
ISBN: 978-65-00-92694-1