O TERROR DO QUARTO 26
O TERROR DO QUARTO 26
Rafaela adentrou o saguão do hotel da quinta avenida, zona sul de São Paulo. encharcada por conta do temporal lá fora. O hotel era simples, e a placa na frente do estabelecimento lhe impressionara. Cinquenta e nove e neventa e nova a pernoite. Rafaela havia dirigido quase que anoite inteira. Precisava chegar em Itapecerica da serra, para encontrar sua mãe que estava internada em um hospital da região. Maria, sua mãe tinha câncer no pulmão. E depois da ultima ligação em que pediram para ela urgente ao hospital, pois o estado de sua mãe havia se agravado, Rafaela pegou o carro e apenas dirigiu. Saiu de casa eram 18h30, mas com o trânsito que se estendia por conta do temporal daquela noite. Rafaela dificilmente chegaria no hospital antes de amanhecer.
– Posso ajuda-la. – Disse um homem de trás do balcão.
Rafaela enxugou o cabelo molhado e caminhou até a recepção.
– Eu precisava de um quarto para passar anoite.
O homem de boné e mascando chiclete, respondeu num tom ignorante.
– Estamos sem quartos hoje moça, tenta em um motel ali na frente.
Rafaela insistiu morrendo de frio. – Preciso tomar um banho quente, nem vou ficar muito tempo, é só até de manha, minha mãe esta internada e o transito esta horrível por conta da chuva.
O atendente olhou para a janela, o vento forte batia, junto a uma malha grossa de chuva e relâmpagos.
Rafaela olhou-o com uma expressão desesperada e ele retribuiu mascando o chiclete.
– Ta bom então, ele respondeu. Revirando os olhos. Temos um quarto lá nos fundos, mas ele esta interditado, estávamos fazendo umas obras nele e dai o fechamos para hospedes. Mas pode passar a noite lá.
Rafaela agradeceu, pegou a chave do quarto e seguiu o corredor.
Realmente não podia-se dar nem duas estrelas por aquela espelunca, havia infiltração no teto, e os corredores estavam sujos, como se não tivessem sido limpos a meses.
Bem, o quarto estava lá, numeração 26 na porta, o ultimo quarto do corredor. Rafaela estava angustiada com o telefone do hospital e só pensara em dormir e ir embora, apenas isso. Tirar uma boa noite de sono, acordar umas 6h da manha e ir embora. A final não podia esperar mais do que aquela noite. A enfermeira que a ligou não quis dar detalhes e Rafaela, já imaginava o pior. Como uma semente nascendo em sua mente e se enraizando em seus pensamentos.
Ela abriu a porta do quarto, logo um cheiro forte de vinho saiu de lá de dentro. O interruptor do quarto estava a direita, e quanto acendeu aluz, viu um quarto, aparentemente normal, entrou. Mas o cheiro de vinho a incomodara.
– Que porra de cheiro é esse. – Ela pensou. Mas não queria incomodar o recepcionista, já que ele já o havia avisado sobre as condições daquele lugar.
Rafaela se aproximou da cama, exausta, deixou sua bolsa no chão, jogado de qualquer jeito e se deitou. Fechou os olhos brevemente, num alivio temporário. Até ouvir um som soar pelo quarto. Algo como objetos metálicos sendo utilizados. Ela se virou devagar.
A frente da cama, havia uma espécie de maca de ferro, com sua mãe desnuda sobre ela, pálida, e sem vida. Um homem comum bisturi estava abrindo seu peito e jogando seus órgãos internos dentro de um saco plástico ao lado.
– Você não estava lá, não estava lá pela sua mãe.
O cadáver dela falou girando a cabeça na sua direção.
– Agora vão me dissecar e depois me encher de formol e você vai me ver num caixão amanhã
Rafaela gritou fechando os olhos, algumas lagrimas escorreram de seu rosto assustado e a primeira coisa que fez foi ligar no hospital, mas ninguém atendeu, a linha estava muda.
Rafaela então foi até a porta, tentando sair daquele quarto, mas ele não queria abrir, mesmo com a chave.
Ela percebeu que algo a estava observando, uma sensação horrível de paranoia.
Então ela chutou e esmurrou a porta do quarto, mas nada aconteceu, ela não tinha força pra quebrar aquela porta, e ninguém aparentemente a escutou.
– Eu quero sair daqui ela gritou.
Ainda assim ninguém a ouviu. Era como se sua voz ecoasse apenas dentro daquele quarto.
E o maldito cheiro de vinho continuava. Um cheiro forte, porém não desagradável. Rafaela usou o telefone do quarto para falar com o atendente. Mas o telefone também estava mudo. Ela o atirou o mais longe que podia. Estava estressada, eufórica e com um sentimento de desespero enorme.
Ela se aproximou de novo da cama e ao lado do criado mudo havia uma taça de vinho. Estranhamente, Aquela taça lhe parecia de alguma forma nostálgica. Então ela ouviu um tiro, e as fronhas e cobertores se enlambuzaram de sangue vivo, pedaços de crânio e até um dente. O barulho do tiro havia feito Rafaela perder a audição por um breve momento. E então ela caiu , com o sangue respigando em sua roupa.
– Isso não pode estar acontecendo. Isso não pode estar...
Atônita ela se afastou da cama e engatinhou até o outro lado do quarto.
E novamente mentalizou.
– Isso não pode estar acontecendo.
Já eram 01h22, Rafaela confirmou olhando para o relógio na parede.
–Minha mãe esta bem, amanhã vou chegar e vai tudo estar bem. Manteve aquilo na sua mente.
Rafaela não era defumar, ainda assim sacou um maço de Carlton do bolso e ascendeu um cigarro.
– Eu preciso dormir caralho, eu preciso dormir possa. – Ela gritou sonolenta.
Um baralho se sustentou no ar, vindo do banheiro. O ar tinha ficado gelado e áspero e Rafaela sentiu frio. Mas ainda precisava saber que soma era aquele vindo do banheiro. Ela se aproximou do banheiro e viu um garoto, devia ter só uns 17 anos, estava com uma faca nas mãos, e começou a cortar os próprios pulsos. Depois se deitou na banheira e fechou os olhos, então a portado banheiro também se fechou, abruptamente.
Ela não sabia o que fazer, estava em choque, o quarto nem ao menos tinham janelas, apenas dutos de ar, pelas quais ela não conseguiria passar. Rafaela tinha esperanças daquilo ser só uma alucinação. Estava convicta disso.
– Eu preciso sair desse maldito lugar... – Ela falou, sem expressão.
Ela voltou até a porta e tentou abri-la novamente, mesmo assim novamente não teve sucesso.
Devagar ela tirou a chave da fechadura e espiou pelo outro lado, mas não havia ninguém lá fora, somente silencio, que fora quebrado, quando ela ouviu alguma coisa, roendo a porta. Cada vez mais alto, ela olhou novamente e viu um rato do outro lado da fechadura, tentando de todo jeito entrar de do quarto. Uma pequena calda se esgueirou pela fechadura, enquanto o barulho dos pequeninos aumentava, roendo e mordendo a porta, como se estivessem famintos.
Rafaela gritou de novo, mas ninguém a ouviu, ela estava sozinha e já tinha aceitado que estava ficando louca. Ela correu em sua bolsa. Rafaela era ex-militar, e tinha um resolver dentro da bolsa para auto proteção. O revolver tinha poucas balas e desde que saiu do exercito, ela não precisou mais dela, então a deixou guardada como sempre esteve. As balas estavam em casa, ainda assim ela tinha dois ou três tiros.
Um deles foi para tentar arrombar a porta, mas incrivelmente a porta se restaurou como por magia e sua sanidade foi levada junto aquilo.
Rafaela tomou folego e respirou e se sentou na cama molhada de sangue. Foi neste momento que ela notou uma carta com seu nome.
– Querida, mamãe te ama demais, me perdoe por não estar sempre presente na sua vida. Agora coloque a arma na cabeça e atire.
Lagrimas escorreram pelo seu rosto, e o pensamento no resolver se tornou cada vez mais forte.
Será, que ela precisaria daquilo. Ou havia algum jeito de fugir. Ela pensou em tentar se esgueirar pela ventilação, mas seu corpo não saberia ali, no mínimo ficaria entalada e só achariam seu corpo, quando começasse a apodrecer. A cena estava toda projetada em sua mente. Então como fugir aquele quarto de hotel barato, deveria haver alguma forma.
– Eu não vou morrer aqui, ela pensou. Olhando para o relógio, 01h22, e se perguntou como não tinha passado nem um minuto que estava lá. Mas isso não era relevante ali, ela tinha mais com que se preocupar do que um relógio quebrado.
Rafaela bateu na parede que dava ao quarto ao lado, ouviu cochichos, então continuou batendo, até que alguém bateu na porta. Ela correu desesperada e falou.
– Oi! Por favor pode me ajudar, eu to tentando sair desse quarto mas eu não consigo.
Quem quer que fosse não respondeu.
Porque você esta acordada? – Alguém pigarreou do outro lado.
Eu preciso ir ver minha mãe, preciso sair desse quarto, pode pedir ao atendente abrir pra mim, minha chave não funciona.
A voz repetiu...
– Porque esta acordada, você tem que dormi, se não dormir não vai descansar!
Rafaela irritada gritou.
– Olha aqui cara, eu quero sair daqui, se não me tirar daqui vou quebrar aquelas paredes ate sair no seu quarto.
A voz ficou em silencio e respondeu de uma forma pacifica.
– Você se esqueceu? Se não dormir eles não vão te deixar em paz.
Rafaela olhou para o relógio, marcando 01h22, e um lapso de memória, tomou sua mente.
Ela caminhou ate a cama, ela reconheceu aquele cheiro de vinho, e também o horário. Reconhece o menino, e praticamente tudo.
A taca de vinho reapareceu novamente no criado mudo.
Lembrou de correr, lembrou de apertar no acelerador. Lembrou do filho de 17 anos que havia se suicidado e lembrou também de capotar o carro na rodovia 26. Ela estava bêbada, saiu da pista e bateu no poste, metade de seu rosto se abriu na pancada violenta, e era possível ver todas as vísceras lá dentro escorrendo. O vidro dianteiro estourou com a batida , então galhos e lama saltaram pra dentro do carro, impregnando tudo. Ela lembrou do celular ali jogado um pouco a frente do seu rosto marcando o horário, 01h22. Lembrou também de ter enterrado sua mãe naquele mesmo dia. Lembrou da tristeza e da dor. Do sentimento de culpa.
Rafaela virou a taça de vinho, apontou a arma na cabeça e apertou o gatilho e assim voltou a dormir