DESTINO SELADO - CLTS 26
Adão apertou os olhos. A luz branca e mortiça o incomodava. Acostumado ao calor do sol, não lhe parecia natural aquela luminosidade fria. Embora fizesse o possível, não conseguia lutar contra o impulso de olhar embasbacado o objeto comprido responsável pela claridade.
Outra coisa que o preocupava era o teto. Onde estavam as nuvens, o firmamento azul? E os pássaros, mosquitos e abelhas? Tudo o que havia era uma superfície branca, plana e sem graça. Adão não sabia o que era uma caixa, mas estava em contato com o sentimento de estar encaixotado.
Para piorar a situação, seus testículos doíam terrivelmente, contidos que estavam, pela primeira vez, em cuecas apertadas. Nervoso, suava em bicas. Envergava camisa e calças de linho, que lhe pinicavam o corpo de forma excruciante. Não conseguia compreender como fora parar ali.
Foi tudo repentino. Em um momento, conversava com os filhos, junto a uma árvore frondosa. No outro, vira-se transportado para uma saleta ordinária, sentado em um banco duro, cujo revestimento colava em suas nádegas nuas e suarentas. Uma mulher estranha, todas eram, já que ele nunca vira outra, fez um sinal para que ele se aproximasse.
Levantou-se e foi até o balcão. A velha tirou o cigarro dos lábios pintados de vermelho e o inspecionou. Sorriu, pigarreou e disse.
- Onde estão suas roupas?
- Roupas?
Ela bufou de impaciência. Tirou uma caneta de trás de uma das orelhas e passou a anotar algo furiosamente. Feito isso, tirou os óculos, apanhou um telefone, discou alguns números e aguardou compenetrada, enquanto remexia uma gaveta à sua frente. Adão assistia a tudo boquiaberto.
- Telefonista, transfere para o setor de contenção. Para ontem, minha filha, que está quase no horário do meu almoço! Alô, contenção? Coloca o Hariel na linha. Hariel? Manda dois dos seus para cá. Tem um engraçadinho pelado aqui!
Ela desligou o telefone e se colocou a organizar fichas e conferir carimbos, como se Adão não existisse. Acima dele, um ventilador rangia sem conseguir refrescar o ambiente abafado. Em instantes, Adão ouviu um barulho às suas costas. Virou-se a tempo de ver dois grandalhões andando decididamente em sua direção. Tinham cabelos louros encaracolados e grandes asas brancas, que brotavam das costas de macacões rústicos.
Antes que pudesse emitir um pio, o mais baixo deu-lhe um soco poderoso na boca do estomago. Sem ar, Adão curvou-se. Tentava recuperar o equilíbrio quando sentiu algo pesado e duro bater na sua nuca. Sua visão escureceu e pontos de luz dançaram contra o breu, como vagalumes em uma noite sem luar.
Acordou em um cubículo, vestido e jogado a um canto. Ergueu-se e tentou pensar. Entrou em pânico, imaginando que algum animal o havia atacado. Que peles estranhas e incomodas eram aquelas coladas ao seu corpo? Suas tentativas de se ver livre delas foram em vão. Enquanto lutava, percebeu um banco, parecido com aquele em que se sentara há pouco.
Em situações de extrema loucura, em que nada parece fazer sentido, as pessoas se agarram a qualquer coisa familiar. Adão aprendeu isso na prática. Tudo era irreal. Porém, ele já sentara em um objeto daqueles. Isso era uma certeza. Por desconfortáveis e duros que fossem, aquelas eram coisas destinadas às nádegas, nuas ou não.
Sentou e sentiu o conhecido desconforto. Distraído, observou o objeto à sua frente. Parecia um banco, porém era mais alto, mais largo e mais comprido. Seria para Elefantes? Não parecia provável. Mas nada era naquele dia! Começou a deslizar os dedos pela superfície lisa e brilhante. De onde vinha a luz? Ergueu os olhos e se deparou com um pequeno sol, embora branco e frio.
Contemplava a ausência de calor daquela estrela quando um estalo quebrou o silêncio. Com um rangido lamentoso, uma porta se abriu. Outros dois sujeitos com asas entraram no recinto. Ao ver suas asas cinzentas, Adão gemeu de medo, despencou no chão frio e se colocou em posição fetal.
De olhos bem apertados, sentiu mãos fortes o colocando novamente sentado. Aos poucos, tomou coragem e descerrou as pálpebras. À sua frente, dois homens o olhavam atentamente com desprezo. Vestiam-se de maneira diferente daqueles que o espancaram. As roupas eram mais finas e elaboradas, com tecidos leves e coloridos. De seus pescoços, pendiam pedaços de pano, amarrados em nós intricados. Adão nunca vira nada parecido.
Sem uma palavra, um deles se ergueu e contornou o objeto que os separava. Um sorriso luminoso, ostentando dentes limpos e brancos, rasgava seu rosto recentemente escanhoado. Seu perfume amadeirado ofendeu as virgens e delicadas fossas nasais de Adão, que lutou para não espirrar.
O sujeito apoiou o corpo no banco de elefantes. Então é para isso que eles servem? Para que a gente se sente mais alto? Foi o pensamento que rolou nos recônditos da mente de Adão, em um átimo de segundo. Tão rápido que ele se espantou ao ouvir o homem dizer brutalmente.
- Não, meu querido e primitivo imbecil. Isso não é um assento para paquidermes. Menos ainda para girafas, antes que você se saia com essa explicação idiota. Isso é uma mesa!
- Mas, se não é um banco, porque você está sentado nele?
Mal a última sílaba deixou seus lábios, Adão se viu alvo de um violento tapa. Foi como se algo enorme o atingisse com todas as forças. Um elefante, por exemplo. Tudo ficou escuro pelo que pareceu uma eternidade. Aos poucos ele voltou a sentir, ouvir e enxergar.
Ao abrir os olhos, entrou em pânico, pois seu campo de visão se limitava a algo branco. Em instantes, percebeu que sua testa, nariz e lábios estavam pressionados contra a tal mesa. Ergueu a fronte e deu de cara com seus interlocutores, que o miravam enojados. O que o agredira começou a falar.
- Meu nome é Miguel. Eu sou o chefe do departamento que lida, entre outras coisas, com a sua espécie e o seu planeta miserável. Ao meu lado, Zadkiel, que representa nosso sistema de justiça. E porque você está aqui? É muito simples. Você descumpriu um acordo feito com Deus. E isso é um pecado mortal. Algo que desafia punição exemplar.
- Acordo? O que é isso?
- Não me interrompa! Tudo será revelado ao seu tempo! Como eu dizia, Deus o criou. E não de qualquer jeito! À sua imagem e semelhança. Não bastasse, colocou-o em um lugar paradisíaco, de conforto absoluto. Finalmente, agraciou-o com uma companheira. Você foi um privilegiado, Adão! E o que foi que Deus exigiu em troca? Nada! Tudo o que pediu foi que não provasse do fruto da árvore proibida. Coisa simples...
Enquanto o homem se preocupava em salientar a gravidade de seus crimes, a mente de Adão se desprendeu do corpo, transportando-o pela bruma das lembranças. Quando foi mesmo que Deus falou comigo? Paulatinamente as imagens voltaram e as reminiscências brotaram como torrente.
Tudo era nada. Um escuro, silencioso e enorme vazio. Então veio a luz. Primeiro um foco distante. Uma mancha alva que, pouco a pouco, engoliu as trevas e cresceu. Ele sentiu o ar entrar e sair dos pulmões e uma leve brisa arrepiar sua pele.
Quando tudo fora tomado de branco, algo surgiu ao longe. Vinha em sua direção. Adão não fazia ideia do que podia ser. A estranha figura estacou à sua frente, observando-o. Ele se sentiu desconfortável. O Silêncio era ensurdecedor.
- Adão, eu sou o seu pai!
- Hein?
- Eu sou o seu criador, Adão! Sou Deus! Mas pode me chamar de Pai.
Deus vestia uma camisa branca, calças cáqui e um par de óculos com aros de metal. Estava descalço. Aproximou-se e sacou uma régua e um esquadro de uma bolsa que trazia a tiracolo. Começou a medi-lo sob todos os ângulos, enquanto murmurava e fazia anotações em uma caderneta surrada.
- Fascinante... Realmente não saiu da forma como eu planejei... A cabeça é grande demais... As proporções... Tentativa e erro... Consistência...
Adão sentia uma vontade imensa de resistir, de dizer algo, mas estava paralisado. Passado um tempo, Deus se endireitou, satisfeito, e guardou seus apetrechos. Ajeitou os óculos com uma das mãos e começou a falar.
- Mil desculpas pela minha falta de modos. Mas é que eu tenho uma curiosidade infinita pelas minhas criaturas. Sabe como é. Na prancheta, nos desenhos, tudo é maravilhoso, perfeito. Mas quando eu passo à produção alguns detalhes parecem sempre teimar em sair diferentes. Seu eu não soubesse melhor, poderia dizer que isso era coisa de alguma força do mal...
O homem deu uma casquinada, como se a última frase fosse ridícula. E se colocou a andar de um lado para o outro.
- A questão é que eu tenho um fraco por tudo o que eu faço, entende? Todas as minhas obras, tenham elas saído como o programado ou não. E contigo não é diferente. E é por isso que eu idealizei um lugar perfeito para você. Um paraíso! Tudo da melhor qualidade, luxo puro! Você e Eva vão ficar malucos! De verdade, coisa de primeira.
- Eva?
- Ah, sim. Desculpe, só um detalhe. Depois vou tirar uma costela sua, mas isso pode esperar. Antes que eu me esqueça, preciso da sua assinatura em um documento.
- Documento?
- Aham! Nada demais, entende? Pura burocracia. Algo que o Miguel me disse que era necessário. Três vias disso, duas vias daquilo. Uma para o arquivo geral, outra para os controles planetários. Enfim, um inferno.
Dito isso, Deus se pôs a gargalhar até as lágrimas por alguns minutos. Ao final, dobrou os joelhos, apoiou neles as mãos e respirou fundo várias vezes, até recobrar o equilíbrio.
- Mais uma vez, mil desculpas. Eu disse inferno. Zadkiel, meu advogado, disse que eu não posso sair por aí falando isso. Enfim, Zadkiel e Miguel, meu braço direito, insistiram que eu fizesse você assinar um contrato. Uma espécie de aceitação das regras do paraíso, entende? Eles disseram algo sobre você não poder desfrutar de tudo de graça, sem consequências. Tudo muito bom, tudo muito lindo, mas conversa fiada para mim, entende? Eu sou um arquiteto! Eu tenho visões! Eu projeto e executo! A administração do negócio eu deixo para eles, arcanjos, anjos e não sei o que mais. Eles me convenceram disso, sabe? Algo a ver com Lúcifer e... Ops, aí está outra palavra que eu não devia pronunciar. Enfim...
Deus se aproximou de Adão e, delicadamente, apanhou uma de suas mãos. Posicionou-a sobre um calhamaço de papéis e, murmurou algumas palavras. Ao final, sorriu. Guardou os papeis na bolsa e o fitou por alguns segundos. Seu cenho se franziu.
- Ah, uma última coisa, Adão. Tem a ver com uma árvore. No meio do Jardim do Éden, o lugar onde você vai morar, existe uma. Não fui eu que coloquei ali, veja bem. Ela não existia no projeto. Mas Miguel insistiu que ela precisava estar ali. Eu concordei, claro. Que me importa uma macieira a mais ou a menos, hein? Mas Zadkiel me disse que você e os seus devem evita-la. Ele até me explicou o porquê. Algo a ver com uma proibição, consequências. Mas como eu disse, tudo papo furado para mim, entende? Aproveite todas as outras, mas fique longe dela, ok?
E com essas palavras, Deus sumiu. Adão ainda podia se lembrar dele. Sua presença era agradável, leve, despreocupada e divertida. Saindo do mundo das lembranças, ele voltou para a realidade, o presente. A energia dos anjos à sua frente era outra, completamente diferente. Causavam-lhe um peso no estômago.
- Olha só Miguel, eu...
- Para você é Santíssimo Arcanjo Miguel!
- Eh... então, Santíssimo Arcanjo Miguel, eu não me lembro de que Deus tenha dito qualquer coisa sobre eu não poder comer aqueles frutos. Ele só me disse para evitar a árvore.
- Pois não é isso que diz o contrato que você assinou.
- O que é um contrato?
- Algo que você não pode descumprir!
Miguel estalou os dedos e uma pilha enorme de folhas se materializou sobre a mesa. Adão a reconheceu como a que Deus carregava naquele dia, tanto tempo atrás. Estendeu o braço, de forma cautelosa, e já ia pegá-la quando a porta se escancarou com estrépito. Era Eva!
- O que é que vocês estão fazendo com o meu homem?
Ele ficou estupefato! O que ela fazia ali? Deitou os olhos nas formas graciosas da companheira. Suas curvas, sua pele morena e sedosa, os longos cabelos negros que cascateavam pelos ombros. Seus olhos se fixaram nos seios volumosos e redondos, cujos bicos estavam retesados. Adão começou a sentir uma ereção a se insinuar. Olhou para baixo, envergonhado, e pela primeira vez agradeceu por estar usando calças. Miguel se levantou de um salto.
- Você não pode entrar a aqui assim!
Em instantes, a recepcionista assomou à porta, com seu indefectível cigarro pendurado nos lábios. Foi seguida pelos caras que haviam surrado Adão. O primeiro deles, o mais baixo, segurava o nariz, que vertia sangue copiosamente. O outro agarrava as partes íntimas, gemia e mancava de forma sofrida.
- Mil desculpas, Santíssimo Miguel, mas essa louca me insultou, agrediu os meninos e veio aqui!
- Nem os gorilas do Jardim do Éden são tão feios e grosseiros como esses dois! Eles vieram colocar a mão em mim! Eu só me defendi.
Miguel respirou fundo uma, duas, três vezes. Espalmou a mão direita em direção à porta e gesticulou desdenhosamente, dispensando seus auxiliares. A recepcionista deu de ombros e saiu, seguida pelos anjos machucados e pela fumaça do cigarro. O arcanjo estampou um sorriso amarelo.
- A senhora não pode vir até nossa repartição dessa forma.
- Como?
- Sem um horário marcado, sem roupas e sem um pingo de educação.
- Vocês levaram o meu homem! Eu vi tudo. Quando aqueles dois grandalhões desceram numa nuvem, bateram nele e o pegaram. Eu simplesmente me agarrei onde consegui e vim parar aqui. Só o quero de volta.
- Sinto muito, de verdade. Mas as coisas não são tão simples. Ele quebrou um contrato sagrado e solene com Deus.
- O que é um contrato?
- Um acordo escrito.
O arcanjo empurrou a resma sobre o tampo da mesa. Eva apanhou as folhas e passou a virá-las. Sua expressão evidenciava que as páginas, letras, números, parágrafos e subparágrafos nada representavam. Ela não sabia ler e não compreendia nada. Miguel suspirou e revirou os olhos. Meneou a cabeça em direção a Zadkiel, que estalou os dedos.
De pronto, os olhos da mulher se desanuviaram. Uma máscara de compreensão compenetrada alterou os seus traços. Ela passou a ler furiosamente os papeis. Adão, por seu turno, continuava confuso, perdido e ansioso. Ao cabo de uns dez minutos, Eva ergueu a vista com uma expressão de pavor. Ato contínuo, olhou para baixo e o medo deu lugar à vergonha. Ela tentou cobrir sua nudez com as mãos.
Miguel assistia a tudo, impaciente. Queria resolver a situação. Não tinha a eternidade para gastar com aqueles dois. Ou melhor, ele até tinha, mas definitivamente não queria. Notou que a mulher ficara toda vermelha e desconcertada.
Ele demorou a entender que, ao permitir que Zadkiel a brindasse com a compreensão, acabou por tirá-la, sem querer, da ignorância primária em que Deus a criara. Por isso ela percebera que estava completamente nua. Miguel retirou o paletó e o passou por cima da mesa. Eva o apanhou e se cobriu. Mais calma, conseguiu organizar os pensamentos.
- O que é morte?
- É o fim. Quando vocês foram criados, Deus prometeu a vida eterna no Jardim do Éden. Sem dor, sofrimento ou morte. Desde que vocês descumpriram as regras, a morte passou a ser a sua herança. A única certeza de suas vidas. A partir de agora, suas existências, assim como de todos os que os seguirem serão finitas. Viver até uma idade avançada significará colecionar perdas ao longo do caminho.
- E pecado?
- Veja, nós não somos maus. O propósito não é negar-lhes o paraíso por toda a eternidade. Por isso é que vocês terão uma chance, depois da morte, de atingir a plenitude. Basta não pecar.
- Você não respondeu o que é um pecado.
- Uma coisa má aos olhos de Deus. Por exemplo, a gula. Se vocês comerem demais, isso será um pecado. A preguiça. Se dormirem demais, será uma falta. A luxúria. Se fizerem sexo demais, também será considerado inaceitável.
- Ou seja, todas as coisas boas que nos deram quando fomos criados.
- Em excesso, sim.
- Isso é ridículo.
Miguel trocou olhares com Zadkiel, que meneou a cabeça. Deu um meio sorriso e encarou Eva com um olhar penetrante.
- Podemos piorar as coisas para você, mulher. Assine o termo de banimento do paraíso e dê o fora enquanto ainda há tempo.
- Como pode ser pior?
- Minha paciência é curta. Você garantiu que até o último dia da raça humana você, Eva, será conhecida como responsável pela perda do paraíso.
- Isso é absurdo! Foi o Adão, esse molenga, que não conseguiu dizer não ao Caim e ao Abel quando eles pediram a maldita maçã!
- Praguejar é pecado...
- Vá à merda!
- Você não está cooperando. Eu aviso, assine os papéis, pegue seu homem e siga a vida.
- Eu me recuso!
Zadkiel cochichou com o arcanjo, que encarou Eva com uma expressão malévola.
- Muito bem. Se você quer dificultar nossa tarefa, vamos retribuir o favor. A partir de agora você garantiu que seus filhos e o de todas as suas descendentes serão trazidos ao mundo em meio a dor, sangue e sofrimento. E que os homens nada sentirão.
Eva se sentiu desfalecer. Pegou a mão de Adão, em busca de amparo, mas ele se limitou a encará-la com uma expressão estúpida e vazia. Seu corpo tremia de ódio, lágrimas banhavam suas faces. Ela se levantou e deu um tapa nos papéis, espalhando-os.
- Eu não fiz nada de errado!
Miguel ergueu a mão direita. As folhas permaneceram estáticas, como que congeladas em pleno ar. Sozinhas, retornaram em ordem à mesa. Ele ajeitou a gravata e se levantou. Acocorou-se ao lado de Eva e, com seus braços fortes, girou a sua cadeira, colocando-a bem à sua frente. Olhou-a nos olhos e apontou para Adão.
- Nós vamos te colocar numa posição de inferioridade em relação àquele paspalho. O que acha? Vamos constar nos livros sagrados que as mulheres devem ser submissas. Que os homens serão os líderes, os patriarcas, aqueles que detêm autoridade.
- Eu quero falar diretamente com Deus!
- Deus não dá a mínima. Ele é um artista, um diletante. Imagina, sonha, desenha, cria e vai embora, deixando a administração da bagunça ao nosso encargo. Não adianta tentar falar com Ele. Ele não pode te ajudar.
Eva se sentiu sem esperanças. Parecia que todo aquele dia era irreal, insano. Ao cabo de muita reflexão, concluiu que qualquer resistência seria fútil. Eles detinham todos os trunfos. Cada uma de suas tentativas de reação tinha redundado em uma piora de sua situação. Pragmática, pegou os papéis e os assinou com uma gota de sangue. Espetou o dedo do marido e o ajudou a fazer o mesmo. Seu destino estava selado.
FIM
TEMA: BUROCRACIA