Nos Portões do Inferno (10): Capítulo 6: De Volta à Casa da Bruxa
Capítulo 6
De volta à casa da bruxa
I
Creedence estava na varanda quando o Mustang estacionou derrapando na entrada.
— Tá tudo bem aí? — indagou Leonardo enquanto atravessava o portão.
— Tudo legal. Por enquanto.
— A gente vai precisar de ajuda lá.
— O que tem lá? Cadê seu irmão?
— Tá de guarda.
— Querem ajuda pra quê? — indagou Creedence com o olhar fixo no sangue da jaqueta de Leonardo.
— Carregar uma coisa pra fora.
— Tá... Vou chamar o Cris...
— Não — cortou Leonardo. — Chama o Eilson. Você vem junto. Deixa o Cristiano aqui de guarda com a minha tia.
— Certo, mas... Tá tudo bem? — disse Creedence ainda olhando para todo aquele sangue.
— Tá. Por enquanto.
II
Logo os três voltaram para a fazenda vizinha.
— Que cheiro horrível! — comentou Creedence entrando na casa. — Meu Deus, é pior que na casa da Glauer.
— Diz isso porque você ainda não viu atrás do sofá — disse Daniel descendo as escadas.
Creedence caminhou lentamente acompanhado de Eilson, os dois apreensivos com o que veriam.
— Meu Deus — exclamou Creedence.
— Longe disso — comentou Eilson.
Creedence estava paralisado. Assim como Eilson, olhava a criatura. Devia ter pelo menos dois metros e meio de altura, estava caída de barriga para cima, tinha o tronco humano, mas a cabeça e as enormes pernas eram capríneas, os enormes chifres davam voltas ao redor da cabeça.
— Se não acreditava em histórias de terror — disse Leonardo para Creedence —, acho bom mudar de opinião, pois estamos vivendo uma.
— Então, isso é um demônio? — indagou Creedence entre o horror e o fascínio ajoelhando-se ao lado da criatura.
— Está morto? — questionou Eilson.
— Está morto sim — informou Daniel.
— Então alguma saída do Inferno foi aberta mesmo — disse Eilson mais para si mesmo do que para qualquer um ali presente.
— Esse é um demônio do círculo de Belphegor — continuou Daniel em tom sombrio — Belphegor é um dos lordes do Inferno, até onde sabemos.
— Belphegor? — repetiu Creedence. — Como sabe que esse aí faz parte da turma dele?
— Bate com descrições de quem já teve algum encontro com esse tipo de demônio — disse Daniel.
— O plano é o seguinte — disse Leonardo —, vamos levar o bicho lá pra fora e dar mais uma olhada na casa da Glauer.
— Por que tem que levar essa coisa pra fora? — inquiriu Creedence.
— Vamos queimar — informou Leonardo. — Vai saber se essa coisa não vai acordar daqui a pouco. Só por garantia.
— Por que não queimam aqui dentro mesmo? — inquiriu Creedence. — A casa já tá toda ferrada mesmo.
— Não — disse Daniel. — Fogo pode ser perigoso aqui dentro. Se aqui for uma passagem do Inferno para a Terra, o fogo pode ser usado como uma espécie de chave.
— Entendi — disse Creedence assentindo.
— Se nós confirmarmos o que estamos suspeitando — continuou Leonardo —, você e sua família vão ter que dar o fora. Entendeu?
— Mas por quê? — indagou Creedence.
— Porque não é comum ver demônios vagando por aí em carne e osso — disse Leonardo. — Vem coisa grande, cara! E o que saiu pela lareira da bruxa ainda pode estar rondando por aí.
— Não poderia ser esse mesmo cara aí? — objetou Creedence. — Se for ele, vocês já mataram a coisa, então... Acabou, não é?
— Não dá pra ter certeza — disse Daniel. — E o Inferno não vai deixar isso barato.
Creedence ajoelhou-se novamente ao lado do demônio.
— Achei que essa aparência fosse só coisa de filme, sabe?
— Isso a gente não entende. Muitos demônios tem essa aparência — explicou Daniel —, essa mescla humanoide com algum outro animal. Mas se sabe por relatos que também podem assumir a forma humana.
Creedence encarou os Cartago.
— Caras, sejam sinceros: minha família corre realmente perigo?
Leonardo soltou um suspiro.
— Perigo mortal, Creed.
III
— Tá tudo bem aí? — gritou Eilson do lado de fora. Já fazia meia hora que Leonardo e Daniel estavam no andar de cima da casa de Heidi Glauer.
— Tá sim — disse Leonardo aparecendo na janela. — Continuem de olho, se virem qualquer coisa estranha, atirem antes de avisar.
— O que a gente procura, afinal? — indagou Daniel folheando um dos grimórios de Heidi Glauer.
— Mais nomes de demônios pra começar. Ela descreve os pactos, mas não nomeia com quem fez seus contratos, pelo menos não em uma língua que dominamos. Certamente, agora que temos um íntimo de Belphegor morto, sabemos que ela bateu no topo da hierarquia. Irritou algum dos lordes.
— Devíamos ter trazido a tia Leonora junto — disse Daniel.
— Precisamos saber ainda como o livro que a Rai tinha se encaixa nessa história toda. E ainda nem sabemos qual é o livro! — disse Daniel frustrado.
Os dois vasculharam mais alguns grimórios até Daniel encontrar algo.
— Olha isso — disse chamando a atenção de Leonardo. Mostrou para ele uma folha de papel amarelada pelo tempo.
— Que é isso? — indagou Leonardo.
— É bem antigo. Parece um mapa.
Leonardo pegou o papel e olhou atentamente.
— Por acaso esse é o mapa deste conjunto de fazendas aqui?
— Agora que você falou, parece mesmo...
— Leo — gritou Eilson lá fora.
— Que foi? — indagou Leonardo à janela.
— Saiam daí, tem alguma coisa aqui embaixo.
— Que coisa — inquiriu Daniel juntando-se ao irmão.
— Não dá pra ver, a janela sumiu, cara! — informou Eilson.
— Como assim sumiu? — questionou Leonardo.
— Parece que uma parede de sangue cobriu ela — disse Creedence assustado. — E tá se mexendo!
— Merda — exclamou Leonardo colocando o mapa no bolso do jeans. — Vamos!
— Pra onde? — indagou Daniel. — Tem alguma coisa lá embaixo.
— Vamos ver o que é — disse Leonardo. — Quem sabe dá pra passar.
Daniel empunhou sua arma e o seguiu em direção à escada. Chegaram até a metade da descida e viram que o andar debaixo estava mergulhado na escuridão.
— Lanterna — pediu Leonardo.
Daniel puxou uma lanterna do bolso, apertou o botão para liga-la, mas a luz não veio, precisou dar alguns tapas para que ela funcionasse.
— Que isso? — indagou Leonardo enojado.
Tinha sangue por todo lado escorrendo do chão para as paredes lacrando todas as entradas.
— Já viu algo assim? — indagou Daniel.
— Não, mas acho que é o sangue da bruxa ou... o que restou dela, sei lá.
Subitamente, o sangue escorreu todo para o teto e se concentrou ali. A luminosidade de fora voltou a clarear o ambiente. Viram Creedence e Eilson do lado de fora da casa observando aquele macabro espetáculo.
— Vocês não vão fazer nada? — indagou Creedence assustado.
— Não podemos fazer nada sem saber o que é — disse Leonardo.
Nesse instante o sangue despencou do teto forrando o chão da sala e salpicando as roupas dos irmãos. Recuaram alguns degraus para ficarem mais distantes daquilo.
— O que vem agora? — indagou Daniel.
Como resposta à sua pergunta, uma bolha surgiu no meio do sangue e começou a inchar. Com um som agourento, a bolha estourou e dela emergiu lentamente uma cabeça sem feições. Logo, cresceram-lhe cabelos brancos. Dois olhos surgiram, arregalados e sem pupilas.
— É a bruxa — gritou Creedence lá de fora.
Lentamente ela saiu do sangue, nua, e todos assistiram ao horrendo show sem saber o que fazer. De repente, um dos olhos caiu e rolou boiando para perto da escada. Enquanto Leonardo e Daniel olhavam para aquele olho, Heidi Glauer saiu totalmente do sangue e, lentamente, em passos vacilantes, caminhou na direção dos ocupantes da escada com os braços estendidos. O cheiro de decomposição embaralhou o estômago dos irmãos. Heidi Glauer abriu a boca como que em um sorriso e todos os seus dentes caíram estatelando-se nos degraus da escada. Sua grande barriga se abriu espalhando vísceras.
Leonardo mirou e disparou, na tentativa de lhe barrar a investida. Ela continuou a caminhar soltando uma gargalhada alta e medonha. De repente ouviram um disparo e sua cabeça explodiu, seu cérebro podre se espalhou para todas as direções. Fora Eilson quem atirara lá do lado de fora.
— Boa — exclamou Leonardo quando o corpo da coisa caiu inerte.
— Vamos sair daqui antes que eu vomite — disse Daniel.
Leonardo pediu para que ele esperasse, voltou lá em cima e desceu novamente com uma braçada de grimórios, queria continuar examinando-os.
— Pra quê? — indagou Daniel. — Não estamos encontrando nada.
— A bruxa surgiu por um motivo — redarguiu Leonardo —, estamos chegando perto.
IV
— Todos estão dormindo — informou Creedence descendo as escadas de sua casa.
— Fico surpreso que consigam — disse Leonardo sentado perto da janela.
Daniel, à mesa da cozinha, folheava junto à tia e o primo os grimórios que trouxeram da casa de Heidi Glauer. Creedence serviu uma dose de uísque para todos. Leonardo tinha a arma engatilhada em seu colo, seus ouvidos estavam apurados, tentava localizar qualquer som estranho vindo de fora. Olhou para Daniel, estava absorto, debruçado sobre um dos grimórios. Leonardo gostava de ler, mas não daquele jeito, como se fosse escravo do livro. No entanto, a memória de Daniel era incrível. Para que perder tempo lendo quando se tinha uma biblioteca que andava ao seu lado?
Notou que Creedence adormecera no sofá com o copo preso na mão. Olhou novamente para fora. Tudo estava quieto. Silêncio pesado. Nem uma brisa sequer para animar a vegetação. Então, Leonardo deu-se conta de algo que havia ignorado. Cautelosamente caminhou para a cozinha e sentou-se perto da tia.
— Perceberam que ninguém nas fazendas vizinhas saiu para fora durante aquela confusão?
— Mas o Cristiano disse que não tinha ninguém, que as fazendas são arrendadas — disse Eilson.
— Não tinha ninguém, mas aquele demônio estava matando pelo menos duas pessoas — objetou Leonardo.
— O que está pensando? — indagou Leonora bocejando.
— Tô querendo dar uma olhada.
— Eu vou junto — disse Daniel.
— Não. Fica aí, continuem lendo, vocês fazem isso melhor do que eu. Tentem descobrir por que a Rai está em coma.
V
Já fazia quase uma hora que Leonardo havia saído e Daniel olhava apreensivo pela janela.
Creedence acordou sobressaltando apertando os olhos com força para clarear a visão.
— Cadê seu irmão? — indagou ao enxergar Daniel postado à janela.
— Foi dar uma volta, já deve estar chegando.
— Mas o que é que ele foi fazer lá...
Nesse instante, Leonardo estacionou o carro lá fora cantando os pneus. A porta de entrada foi escancarada com um chute e Leonardo adentrou a sala com a arma apontada para a cabeça de Creedence.
— Leo, o que foi? — indagou Daniel alarmado.
— Estão todos mortos — respondeu encarando Creedence. — Tá na hora de abrir o jogo, velho!
Continua...
ISBN: 978-65-00-92694-1