OS CAMPOS DA MORTE

 

"Na mitologia grega Caronte ( Χάρων) é o barqueiro que carrega as almas dos mortos sobre as águas do Estiges e do Aqueronte, rios que dividem o mundo dos vivos do mundo dos mortos. Por isso o morto devia ter sempre uma moeda para pagar essa travessia, o que gerou o costume das civilizações antigas de colocar duas moedas sobre os olhos dos defuntos. Quem não pagasse o barqueiro ficava vagando pelas margens dos rios."

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O rio era largo e profundo. E fazia divisa entre dois países que há muito tempo andavam se estranhando. Por isso não havia pontes sobre o rio e a única forma de atravessá-lo era de barco. Para aquele velho barqueiro isso era ótimo, pois era dessa forma que ele ganhava a vida.  

Um dia ele recebeu uma estranha passageira em sua barca. Parecia uma rainha. Vinha montada em um reluzente cavalo prateado e lhe pediu que a transportasse para o outro lado do rio porque tinha uma importante missão a cumprir no reino vizinho.

– Que missão é essa? Perguntou o barqueiro. 

- Vou arar um campo - disse ela. E abrindo uma enorme arca, mostrou ao barqueiro as coisas que tinha dentro dela. 

- Eis as minhas ferramentas - disse a passageira, sorrindo. Dentro da arca havia muitas moedas de ouro, uma grande quantia de dinheiro em espécie, joias, peças de ourivesaria, reluzentes pratarias, sedas belíssimas e muitos outros presentes e artigos de incalculável valor. 

O barqueiro, ao deixar a estranha passageira do outro lado do rio, ficou matutando de que forma ela iria arar um campo com aquelas estranhas ferramentas. “Com essa riqueza toda ela pode comprar o reino inteiro”, pensou ele. 

 

Estava se preparando para cruzar o rio de volta, quando um estranho cavaleiro, montado em um cavalo amarelo pálido, lhe pediu para levá-lo para a margem oposta, porque ele tinha lá uma importante missão para cumprir. 

- Posso saber que missão é essa?- Perguntou o barqueiro.

- Estou indo semear um campo - disse o cavaleiro. E abrindo uma enorme sacola, mostrou-lhe as coisas que carregava dentro dela. Eram recortes de jornais contendo notícias de tragédias naturais, rumores de guerra, informações sobre epidemias, atentados terroristas, corrupção de políticos, fome, revoltas populares e coisas desse tipo.

“Que forma mais estranha de semear um campo”, pensou o barqueiro. “Seria mais compreensível se ele dissesse que vai devastar um país”, concluiu ele.

 

Passados alguns dias, uma tropa de cavaleiros, armados até os dentes, veio pedir para que ele os levasse para o outro lado do rio porque os dois países tinham entrado em guerra e eles estavam indo invadir o reino inimigo.

“Logo mais e mais soldados virão me pedir a mesma coisa”, pensou o barqueiro. E levou os soldados para o outro lado. Mas nem bem a tropa desembarcara no reino inimigo, eis que uma milícia do reino contrário chegou na margem do rio e pediu a ele para transportá-la para a margem oposta. 

E assim ele passou meses transportando combatentes de um lado para o outro do rio. Até que enfim uma grande calmaria se estendeu de um lado e outro do rio. O fragor das batalhas se dissipou e somente os abutres eram vistos, voando baixo, em ambos os territórios. 

 

Um silêncio mortal se abateu sobre os dois do rio. Ninguém procurou mais os serviços do barqueiro. Salvo uma mulher incrivelmente esquálida, vestida com uma longa túnica negra, levando nas mãos uma foice de segar, que chegou cavalgando um cavalo igualmente negro como uma noite sem lua. E ela atravessava, de um lado para outro do rio, muitas vezes ao dia, parecendo muito atarefada, pois nunca se cansava de fazer aquela travessia.

- A senhora parece estar muito ocupada de um lado e outro do rio - disse o barqueiro.

- Sim, meu filho- disse a estranha e cadavérica senhora, com um sorriso diabólico nos lábios. – A colheita, de um lado e de outro, desta vez está bastante farta.  

Caronte – esse era o nome do velho barqueiro - desta vez também sorriu, pensando que durante muito tempo não lhe faltaria trabalho e com certeza ia ficar muito rico.