O Mistério Do Lago - CLTS 26

Ana e Gil estavam de mudança para a nova casa.

Depois de anos morando na capital, filhos criados e seguindo suas vidas, eles voltaram.

Compraram aquela casa na cidade natal e pensaram que foi um golpe de sorte.

Casa linda, um belo lago na frente, terreno grande e sem vizinhos muito próximos.

Total privacidade e espaço para curtir a aposentadoria.

E o preço podia ser considerado uma pechincha para os padrões da casa.

Não podiam estar mais felizes.

Dias depois Ana acordou ouvindo barulhos, como se fosse choro de bebê e uma voz dizendo: “Vem me buscar mamãe. Vem me buscar, eu te perdoo.” e ouvia um lamento como se fosse uma mulher chorando ou gemendo.

Ela acordou o marido. Eles ficaram ouvindo os lamentos. Saíram lá fora e não viram nada. Ficaram com medo e fizeram orações.

Com frequência ouviam sons aterrorizantes.

Acordavam no meio da noite ouvindo vozes e lamentos.

-Estou cansada, Gil. Dormi mal.

-Eu também. Começo a achar que fizemos mal em mudar pra cá.

-É um lugar encantador.

-Mas todos esses acontecimentos estão tirando a nossa paz.

-Vamos encontrar uma solução.

-Como? Nem sabemos o que está acontecendo.

-Não sei, mas eu não vou desistir.

Ele resmungou e saiu.

Dias depois os filhos, os netos e um casal amigo vieram para um final de semana.

Estavam entusiasmados, mas Ana e Gil estavam apreensivos pelo que poderia acontecer.

Várias vezes o neto deles, de um ano, assustava sem nenhum motivo e sua amiga disse:

-Veja como Théo assusta sem motivo. Isto não é bom sinal, há uma energia negativa e alguma coisa estranha nesta casa. Crianças enxergam o que adultos não enxergam.

-O que podemos fazer? Mandar benzer? (Ana se calou sobre os fenômenos.)

-Talvez benzer seria bom.

Caminhando à noite pelo jardim avistaram uma luz que cruzava o lago.

Chamaram e perguntaram quem estava ali. Não obtiveram resposta.

Foram se aproximando e de repente a luz desapareceu misteriosamente.

Ficaram assustados, mas continuaram por ali conversando.

A noite foi difícil. Era como se as visitas não fossem bem vindas.

Ouviam barulhos dentro e fora da casa. A água do lago se agitava e não havia vento.

No dia seguinte os filhos e os amigos conversaram com Ana e Gil. Perguntaram o que estava acontecendo. Eles contaram. Foram aconselhados a mudar dali.

Estavam estressados. O almoço foi sem graça e a despedida foi breve.

Tais acontecimentos estavam perturbando o casal. Chamaram um padre para benzer.

De nada adiantou. Chamaram pastores, benzedores. Nada resolveu.

Os filhos estiveram lá mais algumas vezes. Depois disseram que não voltariam mais.

Os sons e a luz continuavam perturbando, amedrontando e intrigando os dois.

Num dia ensolarado foram passear de barco pelo lago.

Quando já estavam longe da margem o barco começou a balançar, do nada.

Eles tentavam se segurar. O barco balançava cada vez mais.

Eles acabaram caindo e apesar dos coletes salva-vidas eles não conseguiam flutuar. Sentiam que eram puxados para o fundo. Com grande esforço conseguiram voltar para o barco e remar até a margem. Ficaram apavorados com o acontecimento.

O tempo ia passando e a situação só piorava. Eles brigavam muito. Ele queria mudar dali, ela queria ficar e resolver o problema, mas nem sabia como.

Procuraram saber da história daquela casa e do lago.

Investigaram pra saber se algum acontecimento sinistro havia se passado ali.

As pessoas não gostavam de falar sobre o lugar, sempre fugiam do assunto ou se mostravam assustadas.

Ficaram sabendo que alguns acidentes aconteceram no lago e pelo menos em dois deles pessoas morreram. Os acidentes eram cercados de mistério pois não havia explicação para o fato do barco virar ou ir à pique.

A situação foi ficando cada vez mais delicada. Eles tinham sérias brigas e se ofendiam.

Dormiam mal e ficavam estressados.

Gil queria vender a casa e sair dali o mais rápido possível.

Ana não aceitava pois gostava muito da casa e do lugar.

Ela queria um Grupo Espírita para limpar o lugar. Ele não acreditava e não aceitava.

Ele colocou a casa à venda sem o consentimento de Ana, ela se sentiu magoada e traída.

Ao colocar a casa à venda descobriu que ela ficou anunciada por anos até que ele e a esposa compraram o lugar. Nervoso, sentiu que caiu numa cilada.

O tempo passava e eles estavam à beira de uma crise de nervos e de uma separação.

Havia sempre o impasse. Ele queria sair dali, ela queria uma solução para o problema.

Gil teve que fazer uma viagem pra resolver negócios pendentes. Queria que Ana fosse pois temia deixá-la sozinha naquele lugar sinistro. Ela apesar de estar com medo, pensou que seria uma oportunidade para chamar o Grupo Espírita e tentar resolver o problema. Tiveram uma discussão feia e ele se foi jurando que não voltaria mais.

Logo na primeira noite de ausência dele o grupo veio.

Fizeram rituais, preces e tentaram comunicação com algum espírito. Não conseguiram.

Mas a energia ficou mais leve e positiva. Ana passou bem a noite. não ouviu nada.

Na segunda noite as preces e rituais continuaram.

Durante a noite Ana ouviu vozes confusas, pedidos de socorro que não conseguia entender. Ficou apavorada e nem dormiu.

Na terceira noite durante os rituais um dos médiuns incorporou um espírito.

Ele começou chorando como se fosse um bebê e depois falava de maneira estranha:

“-Naquele tempo eu estava tão feliz. Uma nova vida…

Estava tendo a oportunidade de me redimir de muitas coisas ruins que fiz.

Tinha arrependido, perdoado, pedido perdão e uma nova vida ia servir pra eu fazer o bem e melhorar em tudo, evoluir. Estava entusiasmado.

Logo descobri que meu pai não me queria. Era casado e tinha outros filhos.

Minha mãe era jovem, apenas dezesseis anos. Escondeu de meus avós que eu estava a caminho. Eles eram severos e ela não sabia o que podiam fazer. Fiquei apreensivo.

Minha mãe estava cada vez mais deprimida, fraca.

Eu ficava tenso e com medo do que poderia me acontecer.

Ela passava muito tempo à beira do lago, chorava muito.

Eu temia que ela pudesse se atirar no lago e tirar nossas vidas.

No dia que eu nasci minha mãe estava à margem do lago. Sozinha.

Ali eu vim ao mundo. Ela tirou as roupas sujas, se limpou e se vestiu.

Depois pegou aquelas roupas, me embrulhou nelas junto com uma grande pedra.

Num ato de desespero, no auge da depressão, sem saber o que fazer com um bebê e temendo que seus pais a expulsassem de casa, me jogou no lago.

Logo afundei, tentava me debater e me libertar. Mas morri afogado.

O que resta do meu corpinho continua até hoje no mesmo lugar.

Ninguém soube daquele crime pois ninguém sabia da minha existência.

Apenas meu pai sabia, mas me renegou e nunca falou com ninguém sobre mim.

Todo esforço para doutrinação que recebi foram por água abaixo. Voltei a ser um espírito cheio de mágoa, raiva e desejo de vingança.

Queria vingar de minha mãe, de meu pai e de meus avós que foram tão negligentes e nem perceberam a mudança em minha mãe, que o corpo dela mudava pela gravidez.

Eu chorava, chamava minha mãe todos os dias. Ela chorava e chegando perto do lago mostrava que em poucos dias envelhecera. Estava enlouquecendo de arrependimento e remorso.

Eu fazia com que ela se sentisse ainda mais culpada, obsediava, chorava e a chamava.

Meus avós, totalmente alienados não conseguiam perceber que algo ia muito mal. Ao que parece nem olhavam para a filha.

Eu obsediava meu pai que com tendência ao alcoolismo, bebia cada vez mais. Tornou-se um alcoólatra e terminou na sarjeta onde era o seu lugar. Não sei se ele tinha capacidade de sentir culpa ou remorso. Talvez fosse só um viciado inútil e obsediado por mim.

Meus avós começaram a ouvir as vozes e os lamentos. Começaram a brigar e a se acusar por qualquer coisa.

Um dia minha mãe estava chorando na beira do lago onde me jogou. Eu comecei a chamá-la. Ela se atirou no lago e se afogou. Dias depois seu corpo veio à tona.

Meus avós se desesperaram. Sabiam que ela tinha se suicidado.

Perderam a alegria de viver e o gosto pela propriedade. Mudaram, a colocaram à venda.

Os novos proprietários não conseguiram ficar aqui. Eu estava sempre me manifestando e eles eram medrosos. Outros moradores vieram, mas nenhum ficou.

Alguns acidentes misteriosos aconteceram aqui e o lago foi ficando conhecido.

Ninguém mais queria morar na casa ou adquirir a propriedade.

Ela foi ficando abandonada. Por fim ninguém vinha mais olhar para comprar.

Só agora está habitada por moradores que foram atrás do mistério que envolve o lago.

Eu fui ficando aqui como guardião do meu corpinho. Nunca procurei meu caminho.”

O outro médium disse:

-Já está na hora de procurar seu caminho. É preciso recomeçar a sua doutrinação para aprender a perdoar. Buscar uma nova vida para terminar sua missão.

“-Mas eu sinto que tenho que ser guardião do meu corpo.”

-Só tem matéria lá no fundo do lago. O espírito é imortal. Vamos fazer uma cerimônia, sepultar pra sempre a matéria e o espírito segue seu caminho rumo à evolução.

“-Eu não confio mais na bondade dos homens. Não quero mais encarnar.”

-É preciso. Você tem uma missão a cumprir. Seu guia espiritual está aqui pra te conduzir. É hora de seguir em frente. Ficar aqui fazendo o mal só vai atrasar a sua evolução.

“-Estou cansado de vagar e de ficar aqui, mas não sei se quero uma nova vida.”

-É preciso. Seu guia vai te conduzir. Não resista. Este aqui não é seu mundo. Quando tiver uma nova vida, você vai fazer escolhas melhores e vai então fazer o bem e evoluir.

“-Sim. Eu já estou mesmo cansado de vagar sem chegar a lugar nenhum.”

-Siga o seu guia e encontre seu caminho.

O médium então voltou do transe e não se lembrava de nada.

Durante a noite Ana dormiu bem e sentiu que a energia do lugar estava renovada e leve.

Gil voltou dias depois e ao se aproximar sentiu uma energia diferente. Parece que o ar estava mais leve, o lago mais sereno e ao entrar em casa foi recebido por Ana com um sorriso, coisa que não acontecia há muito tempo.

Ela o abraçou longamente e contou o que fez e tudo que aconteceu. E disse que tinha que tentar fazer alguma coisa, apesar dele reprovar.

-Sabe, Gil, nós temos que estar sempre abertos às mais diversas possibilidades. Os mistérios deste mundo, do mundo espiritual são muitos, talvez infinitos. Não podemos nos fechar às possibilidades por causa de uma crença.

-Como sempre você me ensinando tanto sobre a vida. Se eu não tivesse sido tão teimoso a gente já teria resolvido tudo isso há mais tempo. Mas eu aprendo, você sabe.

-Fico pensando como nós pais somos tão cegos e negligentes ao que se passa com nossos filhos. A gente não sabe vê-los com um olhar mais observador. Seja fisicamente, espiritualmente, psicologicamente. Tanta coisa podia ter sido evitada, vidas poupadas. Mas o importante é saber aprender as lições, não é?

-Você tem razão. Um filho é pra sempre e precisamos estar sempre atentos. Mesmo quando ele já alçou voo.

-Meu querido, quase destruímos nosso casamento. Mas saiba que eu continuo te amando muito e querendo terminar meus dias ao seu lado.

-Eu também. Um amor como o nosso não se destrói assim.

-Com certeza.

-Só tenho uma dúvida: Como um bebê pode ter um espírito que consegue ser vingativo e fazer o mal?

-Perguntei isso. Disseram que espírito é atemporal, é imortal. Não é criança, jovem ou adulto.

-Faz sentido. O que me deixa incomodado é saber que os restos mortais do bebê estão no fundo do lago sem um sepultamento digno.

-Como você disse, são só os restos dele. O espírito e a alma encontraram o caminho. Vamos ter o maior respeito, deixar que descansem em paz já que estão aí por tantos anos. Além do mais, o que diríamos para a polícia? Que o espírito do bebê nos falou que seus ossos estão aí? Ririam de nós. Fizemos uma cerimônia de sepultamento.

Abraçados eles olhavam para o lago.

Sabiam que a vida deles naquele lugar começava agora.

Estavam em paz para viver sua aposentadoria, para serem felizes na sua maturidade.

Seus filhos e amigos voltaram a frequentar a casa.

A paz, a harmonia e o amor voltaram a reinar ali.

Tema: Espíritos Vingativos

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 06/02/2024
Reeditado em 06/02/2024
Código do texto: T7993494
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.