Eu/Ele

 

Não sei o que está acontecendo comigo, ultimamente tem acontecido coisas estranhas. Ontem, fui dormir às 23h30min, como faço todas as noites. Tomei banho, coloquei meu pijama e deitei para dormir ouvindo meu pop rock preferido. Quando acordei, estava com roupas diferentes, de sapato e muito, muito cansado, parecia que havia trabalhado a noite inteira. — Eu sei, já sei que vais me dizer, tenho que procurar um psiquiatra. — Esses meus sonhos, que não são sonhos, podem ser sintomas de alguma coisa que não está legal comigo, sei de tudo isso. Tenho medo do que ele vai me dizer, ou melhor, confirmar o que já sei. — O que eu sei? Oras, que tenho TOC, que sou sonâmbulo… — Cê acha que tem outra coisa por trás desse sonambulismo? Também penso nisso, esse medo de descobrir.

 

Outra noite sonhei que corria atrás de uma mulher, ela estava fazendo corrida no parque. Na manhã seguinte, acordei com roupa de corrida e de tênis. O tênis estava sujo de barro e sangue, procurei algum machucado em mim, não encontrei nada.

Essa noite sonhei com uma mulher, eu só a observei em meus sonhos. Ela é tão linda. Cabelos negros, pele bronzeada, quase um dourado. — Se eu já encontrei com ela acordado? Oras, claro que não, nem sei onde encontrá-la.

— O que vou fazer? Não sei, você sabe que sou um tímido incorrigível, medo de falar alguma coisa que assuste a moça. — Claro que não quero viver a vida apenas nos sonhos, tenho que me preparar psicologicamente para esse encontro. — Okay, entendi, você sabe onde encontrá-la, então diz de uma vez. — Ela trabalha lá? Como você descobre essas coisas? Eu faço lanche nessa lanchonete todos os dias e nunca a vi. — Ahh, trocar de horário para poder vê-la? Humm, farei isso hoje mesmo.

 

Ele estava certo, ela trabalha aqui. Como vou me aproximar da moça? Se ele estivesse aqui comigo, diria para me apresentar, mas eu vou apenas pedir um café para viagem, ou um suco? Talvez um salgado, não, não, uma fatia de bolo.

— Bom dia! Em que posso ajudá-lo? — Que voz doce!

— Quero… Um café para viagem, não, quero uma fatia de bolo… Espera… um café para viagem e uma fatia de bolo. — Não acredito que eu me atrapalhei todo. Faço o pagamento do pedido e nem espero por ele.

 

Cheguei em casa nervoso, irritado comigo mesmo por não ter tido coragem de conversar com a moça, nem seu nome perguntei. Hoje não quero saber de papo com aquele inútil que só me dá conselhos ruins. Passo por ele na sala e olho de viés. Ele está usando as mesmas roupas que eu hoje. Quero silêncio, ficar com meus pensamentos e organizar meu próximo passo. Tenho certeza de que é ela a garota dos meus sonhos. Linda, e que voz! Não vou contar nada para ele, sei que vai me encher de perguntas, de conselhos, de dicas sobre como conquistar uma garota. Nada do que ele tem para falar hoje vai tirar a emoção que senti ao ouvir sua voz.

 

Repetir meu ritual me acalma, meu banho, meu pijama do homem aranha, minha playlist de pop rock. E um sono repousante para amanhã decidir como agir em relação à moça da lanchonete.

— Bom dia, em que posso te ajudar?

— Desculpa, mas gostaria de ser atendido por aquela moça de ontem.

— Ah, moço, desculpa, a Laura? Ela não veio trabalhar hoje! Estamos ligando para o celular dela e ninguém atende, só cai na caixa postal. Estamos preocupados, isso não combina com ela. Mais tarde, quando terminar meu turno, vou passar em sua casa para saber o que houve.

 

 

Esse conto faz parte da coletânea de contos: Histórias de Lugar Nunhum. Disponível na Amazon.

Juliana Duarte Honorato e Imagem criada por IA de Alex Marques.
Enviado por Juliana Duarte Honorato em 02/02/2024
Reeditado em 19/03/2024
Código do texto: T7990611
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